25/02/2010

CINEMA NA COMUNIDADE

A OMUNGA iniciou a 19 de Fevereiro mais uma acão denominada CINEMA NA COMUNIDADE. Pretende-se levar o entretenimento às diferentes comunidades com a projecão de filmes variados.
Todos os sábados, serão exibidos filmes na rua para a comunidade do B.º da Luz, no Lobito. Por outro lado, às sextas-feiras e de forma alternada, são projectados filmes nas comunidades do 16 de Junho, Feira do Lobito e Damba Maria.
Quere-se ainda, aproveitar-se esta acão para desenvolver os laços inter-pessoais dentro das diferentes comunidades, podendo servir de ponto de partida para o delineamento de outras acões comunitárias.
Lembramos que estas comunidades têm sofrido a ameaa de desalojamento e algumas delas vivem em condiões desumanas.

24/02/2010

COMUNICADO DA HRW: ANGOLA - Libertar Defensores de Direitos Humanos em Cabinda

Para Publicação Imediata

Angola: Libertar Defensores dos Direitos Humanos em Cabinda
Ataque de Janeiro contra Futebolistas Togoleses Usado para Punir Sociedade Civil

(Nova Iorque, 23 de Fevereiro de 2010) – O governo de Angola deve libertar imediatamente três defensores dos direitos humanos que foram detidos por motivos aparentemente políticos, no seguimento do ataque de 8 de Janeiro de 2010 contra os futebolistas togoleses em Cabinda, anunciou hoje a Human Rights Watch. A Human Rights Watch também expressou preocupação em relação à detenção continuada sem acusação de outras cinco pessoas.

A selecção nacional do Togo foi vítima de um ataque em Cabinda, o enclave angolano rico em petróleo. Duas pessoas foram mortas e pelo menos outras nove ficaram feridas quando a equipa se deslocava de autocarro da República do Congo a Cabinda, para participar no Campeonato Africano das Nações de 2010. Rebeldes separatistas de uma facção da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), que tem vindo a lutar pela independência de Cabinda desde 1975, reivindicaram a responsabilidade pelo ataque.

“O governo angolano tem a obrigação de investigar e julgar os autores do ataque contra a selecção do Togo”, afirmou Georgette Gagnon, directora de África da Human Rights Watch. “Mas a detenção de defensores dos direitos humanos em Cabinda sugere que o governo se está a servir do ataque para atingir os seus críticos pacíficos."

As autoridades angolanas detiveram pelo menos oito homens desde o ataque sob suspeita de “crimes contra a segurança do Estado.” De acordo com fontes credíveis entrevistadas pela Human Rights Watch, a polícia deteve o primeiro homem às 5:30 da manhã de 8 de Janeiro, antes do ataque contra os futebolistas togoleses, que teve lugar às 15:00, hora local. Três dos detidos, Belchior Lanso Tati, Francisco Luemba e Raul Tati, são conhecidos intelectuais cabindenses que têm criticado abertamente o governo e são defensores dos direitos humanos. Desde o ataque, as autoridades também têm perseguido e intimidado outros críticos do governo.

O governo de Angola anunciou, após a reivindicação de responsabilidade por parte de rebeldes, que iria julgar os “autores materiais e morais” do ataque, e a polícia tem-se referido repetidamente aos detidos como “terroristas”. Não há sinal de que a polícia tenha levado a cabo uma investigação criminal forênsica do ataque.

A lei angolana permite um prazo inicial máximo de 45 dias em casos de detenção por crimes contra a segurança do Estado, até que os suspeitos sejam acusados. O procurador é obrigado a justificar uma extensão deste prazo. O período de 45 dias para as detenções feitas a 8 de Janeiro terminou a 22 de Fevereiro. Até ao momento, nenhum dos oito homens foi formalmente acusado.

As autoridades angolanas alegaram que apenas dois dos oito suspeitos – João António Puati e Daniel Simba – estiveram directamente envolvidos no ataque. Estes residem numa aldeia próxima do local onde ocorreu o ataque, perto da fronteira com a República do Congo. A Human Rights Watch recebeu relatos credíveis de que os militares maltrataram Puati e Simba para os forçar a confessar o crime. Abusos de militares contra detidos são comuns em Cabinda, em particular nas áreas rurais, tal como já tinha sido documentado anteriormente pela Human Rights Watch.

Os outros seis detidos foram presos pela polícia na cidade de Cabinda sob suspeita de terem cometido "crimes contra a segurança do Estado." Estes são:

· Andre Zeferino Puati, membro de um grupo da Igreja Católica, detido na madrugada de 8 de Janeiro;
· Pedro Benjamim Fuca, trabalhador do petróleo, detido a 13 de Janeiro;
· Belchior Lanso Tati, economista e professor universitário, detido a 14 de Janeiro;
· Raul Tati, padre Católico e professor universitário, detido a 16 de Janeiro;
· Francisco Luemba, advogado e escritor, detido a 17 de Janeiro;
· Barnabé Paca Peso, engenheiro e antigo activista pelos direitos humanos, detido a 14 de Fevereiro.

Belchior Lanso Tati, Francisco Luemba e Raul Tati, os três detidos mais conhecidos, estiveram em grande parte detidos sem comunicação durante 10 dias – os advogados tinham apenas acesso restrito e os familiares não tinham qualquer acesso – antes de as autoridades terem levantado estas restrições.

Os três foram destacados membros da associação cívica de Cabinda, a Mpalabanda. Antes de o governo angolano banir a Mpalabanda em 2006, alegando que estava a incitar à violência, a organização tinha publicado vários relatórios sobre os direitos humanos em Cabinda e facilitado conversações de paz entre as guerrilhas separatistas da FLEC e o governo. Juntamente com outros, estes três homens continuaram a preparar conversações de paz até 2009 entre o governo de Angola e as facções da guerrilha que ainda não tinham baixado as armas. Esta iniciativa de paz tem sido encorajada por membros seniores do governo. Um facilitador imparcial, o Reverendo Ntoni Nzinga – um activista angolano pela paz de longa data – explicou à Human Rights Watch que o objectivo dessas reuniões era encontrar uma solução para o conflito de Cabinda e estabelecer uma paz duradoura.

A lei angolana sobre os “crimes contra a segurança do Estado” data de 1978, uma altura em que Angola estava a sob um regime de partido único e se encontrava no meio duma guerra civil a nível nacional. A lei define os crimes contra a segurança de forma muito vaga. Inclui não só participar em actos violentos que possam pôr em risco a integridade territorial e a soberania de Angola, mas também a participação numa “acção colectiva destinada a excitar a opinião pública ou actividade (…) concordante com pretensões estrangeiras” (artigo 1º). A Human Rights Watch acredita que basear detenções numa definição de crimes contra a segurança tão vasta põe em causa os direitos fundamentais de liberdade de expressão, associação e reunião pacífica, tal como são garantidos pela nova constituição angolana.

“O governo de Angola deve iniciar, sem demoras, uma investigação imparcial e transparente sobre o ataque de 8 de Janeiro e as circunstâncias do mesmo,” afirmou Gagnon. “O uso de leis sobre crimes de segurança demasiado abrangentes facilmente pode levar a abusos, ao invés de produzir acusações criminais credíveis contra os responsáveis.”

No seguimento do ataque de 8 de Janeiro, membros da sociedade civil de Cabinda contaram à Human Rights Watch que as intimidações e perseguições do governo aumentaram. Um jornalista afirmou à Human Rights Watch que, a 20 de Janeiro, foi avisado por agentes de segurança angolanos que corria risco de vida porque as autoridades consideravam-no uma “pessoa perigosa” que tinha “prejudicado a imagem de Angola” ao divulgar matérias politicamente sensíveis.

Raul Danda, antigo porta-voz da Mpalabanda e deputado do partido da oposição UNITA, afirmou ter sido repetidamente avisado de que a sua imunidade parlamentar poderia vir a ser levantada mediante alegações de que estava ligado à FLEC. Em 2006, Danda passou mais de dois meses na prisão sob suspeita de crimes contra a segurança do Estado sem nunca ter sido formalmente acusado de um crime.

Fernando Lelo – antigo correspondente da Voz da América em Cabinda – disse à Human Rights Watch que foi avisado por indivíduos que alegaram ser agentes da inteligência angolana que poderia brevemente vir a ser acusado da alegada venda de armas à FLEC. Lelo passou mais de dois anos na prisão por “crimes contra a segurança”, até que o Supremo Tribunal Militar revogou a sua condenação em 2009. Lelo tinha sido condenado a 12 anos de prisão num julgamento em 2008 que não correspondeu aos padrões internacionais de um julgamento justo.

“A intimidação e perseguição continuada do governo à sociedade civil em Cabinda é perturbadora,” afirmou Gagnon. “As preocupações de segurança não devem ser usadas para restringir indevidamente o exercício pacífico dos direitos fundamentais.”

Antecedentes

Em 2006, um acordo de paz celebrado entre o governo de Angola e o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD), representando uma facção dos separatistas da FLEC, procurou terminar formalmente o conflito armado em Cabinda, que existe desde a independência de Angola em 1975. Desde então, o governo angolano alega que a guerra em Cabinda acabou. Contudo, têm continuado ataques esporádicos contra as forças armadas e trabalhadores estrangeiros. A FLEC-FAC, a facção mais militante dos separatistas, que não assinou o acordo de 2006, ameaçou aumentar os ataques armados antes do Campeonato Africano das Nações em Janeiro de 2010.

Há muito que o governo de Angola alega preocupações de segurança para restringir os direitos civis em Cabinda. Num relatório publicado em Junho de 2009, “‘Puseram-me no Buraco’: Detenção Militar, Tortura, e Processo Injusto em Cabinda,” a Human Rights Watch documentou um padrão de abusos praticados pelo Estado contra 38 "suspeitos” rebeldes entre Setembro de 2007 e Março de 2009. Muitos dos detidos alegam terem sido torturados por militares angolanos. Num passo positivo, os tribunais absolveram, desde então, uma parte destas pessoas por falta de provas. Mas as autoridades ainda não investigaram as alegações de tortura nem foi julgado qualquer membro das forças armadas envolvido nestes abusos. Nenhum dos absolvidos recebeu qualquer tipo de indemnização ou compensação.

Em Dezembro de 2009, a Human Rights Watch documentou a crescente intimidação de jornalistas em Cabinda, para impedi-los de noticiar a frágil situação de segurança no enclave na véspera do Campeonato Africano das Nações. A 8 de Janeiro, a Human Rights Watch apelou às autoridades angolanas para não usar o ataque contra os futebolistas togoleses para justificar o aumento da repressão em Cabinda.

Para mais informação da Human Rights Watch sobre Angola, por favor visite:
http://www.hrw.org/en/africa/angola

22/02/2010

QUINTAS DE DEBATE: REVISÃO PERIÓDICA UNIVERSAL - O caso de Angola

CONVITE
O Conselho de Direitos humanos das Nações Unidas criou, em Junho de 2007,
o “Mecanismo de Revisão Periódica Universal”,
um novo instrumento para acompanhamento da implementação
dos Direitos Humanos pelos Estados Membros da ONU (Organização das Nações Unidas)
Será que podemos considerar uma conquista inovadora
no sistema de controlo dos Direitos Humanos?
A possibilidade de todos os Estados membros
serem revistos ou examinados no período de quatro anos,
que mudanças trará para Angola?
Qual o papel da sociedade civil neste processo?

QUINTAS DE DEBATE pretende juntar diferentes visões sobre temas da atualidade como política, economia e sociedade.
Participe a 25 de Fevereiro, a partir das 15 horas, no SOLAR DOS LEÕES-BENGUELA, no debate sobre: REVISÃO PERÍODICA UNIVERSAL DAS NAÇÕES UNIDAS (UPR ): Caso de Angola

Será Prelector: José A. M. Patrocinío

PARTICIPE E DIVULGUE
João Malavindele Manuel
Coordenador

O OMUNGA agradece a todos os prelectores por se disponibilizarem de forma voluntária a darem as suas contribuições, como ao Pambazuka, Club K e Nova Águia, pela abertura no acompanhamento e divulgação dos debates.
Conta com o apoio Do PAANE
Poderão ainda acompanhar os debates, acedendo aos textos, comentando, questionando, sugerindo ou criticando através do
http://quintasdedebate.blogspot.com ou ainda www.club-k-angola.com e www.pambazuka.org. Para mais contactos podem aceder ao terminal telefónico +00 244 272221535, ao móvel +00 244 917212135 e aos email quintas.de.debate@gmail.com, omunga.coordenador@gmail.com.

20/02/2010

CONFERÊNCIA NACIONAL SOBRE O OGE 2010

No Relatório da Conferência Nacional sobre o OGE – 2010, realizada a 17 de Dezembro de 2009, em Luanda e que a partir da quarta-feira próxima, 23 de Fevereiro, poderá também ser consultado no site www.adra-angola.org, pode-se ler na sua introdução:

"Com esta conferência sobre o OGE- 2010, a ADRA e a Rede EPT – Angola (Educação Para Todos) decidiram dar um passo para responder a duas das recomendações feitas pela CNSC, nomeadamente, “que haja um processo de capacitação das organizações que trabalham sobre governação, transparência e orçamento” e que “seja entendida a necessidade de desmistificar as questões ligadas ao orçamento para se poder trabalhar aos vários níveis”. De facto, uma das debilidades existentes relaciona-se directamente com a ideia que o OGE é algo muito difícil de perceber e analisar. Claramente, não se trata de um documento de fácil acesso e compreensão, mas com uma formação específica é possível criar oportunidades para que mais OSC utilizem este instrumento fundamental para as suas campanhas de advocacia e elaboração de propostas a apresentar ao governo, aos níveis central e local."

Sobre o tema "Conceitos Básicos Sobre o OGE e Exemplos Práticos da Sua Aplicação", a D.ª Albertina Delgado, oficial de programa da Fundação Open Society - Angola, adiantou:

"É importante voltar à fase de controlo do OGE. Quem faz a auditoria financeira é o Tribunal de Contas, mas a execução do OGE também é acompanhada e controlada pela Assembleia Nacional, pelo Ministério das Finanças, assim como pela Sociedade Civil (SC). Os cidadãos têm não só o direito, mas também o dever de participar em todas as fases do processo orçamental e influenciá-lo. A questão é saber como podemos participar no controlo do OGE.

Existe em certos países o orçamento participativo (OP), nomeadamente, a nível dos municípios."

Já Vitor Manuel Barbosa, presidente da AAEA e Coordenador Nacional da Rede Angolana da Sociedade Civil de EPT, ao abordar "Papel e Expectativas da Sociedade Civil em relação à EPT até 2015", esclareceu:

"A ANCEFA realizou, em Abril de 2009, a sua Segunda Assembleia-Geral no Senegal, país que faz muito esforço para conquistar os Objectivos da EPT, dedicando quase 40% do seu orçamento para o sector da educação. Aquele Governo Senegalês, arrecada tal elevada percentagem, porque entende que a educação é a única chave para que haja paz e desenvolvimento sustentável. A Rede EPT-Angola refere-se a educação que promova valores e não apenas conteúdos académicos. Para isso, tem de haver maior divulgação da informação sobre a educação, bem como deve haver mais espaços para debater-se sobre questões de educação."

Por último, Sérgio Calundungo, Director Geral da ADRA e membro do OPSA, durante a sua abordagem sobre "Principais conclusões do documento do OPSA sobre o OGE 2010", afirmou:

"Qual é o papel dos cidadãos e dos actores da Sociedade Civil? Há toda uma grande necessidade de todos os cidadãos e actores da Sociedade Civil em perceber muito melhor o OGE, mas também acreditar que eles podem influenciá-lo. Se não se acredita nas instituições, nem na capacidade de influenciar as mesmas instituições, continuar-se-á acreditar que não se pode fazer nada a este respeito, então não se pode contribuir significativamente para que tenha um OGE cada vez mas representativo das aspirações dos cidadãos.

O OGE é um instrumento poderoso, por isso, há toda uma necessidade de se formar redes temáticas para articular as posições entre os diferentes actores da Sociedade Civil, num intuito de o influenciar. Não se pode trabalhar muito sobre um assunto ou um outro, sem nunca olhar na forma como ele se reflecte no OGE. É importante conhecê-lo para a fundamentação das opiniões e posições.

Nos últimos anos (de 2002 para cá), muitos financiadores deixam de apoiar projectos sociais em Angola, porque dizem que o Governo de Angola tem recursos financeiros suficientes para fazer face à questão da pobreza.

É verdade que comparativamente a anos anteriores, a capacidade financeira e institucional do governo de Angola é muito maior, mas se esta capacidade não for devidamente gerida e não se traduzir em políticas públicas que vão de acordo com as necessidades reais das pessoas pobres, a situação não vai melhorar, dai que se deve defender a ideia segundo a qual a Sociedade Civil, precisa ainda de apoios significativos para melhorar a sua capacidade de percepção e influência das políticas públicas e do OGE."

19/02/2010

ANGOLA REVIEWED UNDER THE UPR

Resumo do UPR lançado pela ISHR (International Service for Human Rights)
Angola reviewed under the UPR

LAST UPDATED ON TUESDAY, 16 FEBRUARY 2010

On the afternoon of 12 February 2010, the UPR Working Group reviewed the human rights situation in Angola, which was represented by a small delegation headed by the Secretariat of State of Foreign Affairs, Mr Georges Chikoty. The majority of States complemented the achievements by Angola, with some recommendations and concerns focusing on the following issues:

• Ensuring freedom of expression, including protection of journalists and human rights defenders from intimidation, harassment and arbitrary detentions; decriminalising press offences; legal registration of civil society organisations; and broadening of access of broadcasting to private operators.
• Strengthening the status of women and children in the new Constitution. ensuring equal access to health, education, and employment; stablishing a law against domestic and gender-based violence; and decreasing maternal mortality and increasing women’s participation in decision-making.
• Increasing enrollment at primary and secondary schools; strengthening punishment against child abuse and child exploitation; eliminating discrimination against children accused of witchcraft, children with disabilities, and children born out of wedlock, as well as the need to establish a juvenile justice system.

• Excluding statements as evidence in court obtained by torture; preventing inhumane treatment of deportees, migrants, prisoners and refugees; and ensuring an impartial judicial system and access to justice by detainees and migrants.
• Increasing housing to low-income families and creating laws defining eviction and preventing illegal evictions.
• Enacting domestic law and drafting a national action plan against human trafficking of women and children.
• Ratifications of core human rights conventions including the Convention against Torture and its Optional Protocol, the International Convention on the Elimination of Racial Discrimination, the Convention on the Rights of Persons with Disabilities, as well as strengthening cooperation with OHCHR, timely reporting to treaty bodies, and issuing standing invitations to special procedures.
• Establishing an independent national human rights institution in accordance with the Paris Principles.
• Right of privacy and fight against HIV/AIDS with suggestions to decriminalise consensual same sex between adults.
Angola used 30 minutes for its national report and responded to comments twice during the session. Around 56 States spoke, leaving seven States without an opportunity to speak.

QUINTAS DE DEBATE: "O MEU TESTEMUNHO - A PURGA DO 27 DE MAIO DE 1977 E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS TRÁGICAS

Benguela, 18 de Fevereiro de 2010
Dr. José Fragoso
Meus Senhores e minhas Senhoras;

As minhas cordiais saudações de irmandade e patrióticos

É com bastante orgulho que aceitei o convite da Organização OMUNGA para estar aqui entre vós e trocar-mos expressões a volta de algumas questões que preocupam a sociedade e sobretudo dar a conhecer os jovens, as razões e causas que tiveram na origem dos acontecimentos verificado após 27 de Maio de 1977.

Não é minha intenção, e seria estultícia da minha parte, abordar nesta modesta obra, a história de Angola, pretendo sim abordar nesta obra alguns factos históricos que eu vivi e neles estive envolvido activamente, para libertar o meu país do jugo colonial português, que volvidos quatro décadas continuam escamoteados.

Estou certo que os angolanos nascidos antes e um pouco depois de mim, são conhecedores e alguns são actores das questões que a obra encerra, mas devido a vários factores baseados no medo e cobardia, que ainda pairam nas mentes de muitos de nós, fruto da repressão, não exprimem abertamente as situações dramáticas que vivemos, antes e após a nossa independência nacional.

Todavia, ao tentar escrever e descrever alguns aspectos que marcaram indelevelmente a nossa história contemporânea e um pouco da minha contribuição dada à pátria, enquanto actor social e patriota, pretendo tão somente exprimir alguns factos históricos, ou seja, fornecer, sem falsas modéstias, alguns subsídios que julgo importantes e mesmo relevantes. Parece-me, pois, indispensável e afigura-se-me ser um dever moral fazer esta abordagem histórica, quanto àquilo que aconteceu há algumas décadas atrás até aos dias de hoje, para permitir que as gerações presentes e vindouras não conheçam a cobardia da nossa parte e que façam as reflexões que acharem convenientes e tirem as ilações mais aproximadas e mais possíveis da realidade dos factos vivenciados e sentidos, bem como delas tirem as lições achadas mais do que pertinentes, de modo que situações dramáticas que assolaram profundamente a nossa sociedade, não voltem a acontecer no nosso sofrido solo pátrio.

Dada a crescente importância do contexto internacional, também se analisa o fenómeno da procura transnacional da justiça para as violações dos direitos humanos, por parte da sociedade civil e das instituições internacionais. É assim que a Fundação 27 de Maio intentou uma acção crime contra os autores morais e materiais do holocausto que deu a entrada no Tribunal Penal Internacional (AIA) há mais de 8 anos.

A paz social, espiritual e familiar é, pois, essencial ao desenvolvimento dos povos e nações. Quando esta paz não abranger a todos, e não forem removidos os obstáculos que discriminam parte considerável da população, esta paz é fictícia e, não é duradoura!

- Erguem-se monumentos memoriais e campas para uns, e para outros nem cemitério existe. O que para nós, é uma forma de agir injustamente à luz dos padrões jurídicos, de civilização, de valores morais e culturais dos nossos ancestrais e de valores humanos universalmente aceites, urge, no entanto, rectificar esta atitude para o bem da reconciliação nacional de facto, que o povo angolano almeja.

É do conhecimento público que o Estado angolano, justamente, exumou os corpos das vítimas de guerra do Kuito, que se encontravam nas várias valas comuns, e que posteriormente, mereceram um enterro condigno, num dos cemitérios da cidade do Kuito!?

De igual modo, as vítimas do ataque do comboio na área do Zenza do Itombo, também mereceram o mesmo tratamento acima aludido. Não pode existir unidade e reconciliação entre os angolanos, sem perdão mútuo, sem reconhecimento de facto e de jure das faltas cometidas, pois, tais atitudes requerem de todos nós, um forte compromisso com a vida alheia, ou seja, com os direitos humanos, de modo a que situações de género não voltem acontecer no nosso já sofrido país.

Uma vez que fala-se, actualmente, da união do povo angolano, segundo referiu o Presidente da República, Eng.º José Eduardo dos Santos, no seu habitual discurso ou melhor, mensagem do ano novo do ano ante-passado, é chegado, o momento certo deste reflectir, também, na resolução do passivo do 27 de Maio de 1977, cujas consequências ditaram a morte de, aproximadamente, 80 mil angolanos, dentre estes gostaríamos de recordar alguns mártires desta província, nomeadamente: Gungo Arão, 1º Comissário Provincial de Benguela, Policarpo, Inácio, ambos enfermeiros de profissão, Francisco Kibonda, na altura membro Comissão Executiva do MPLA, Dr. Juca Valentim, assessor de Gabinete do então Ministro da Administração Interna comandante Nito Alves, Nandy Cassanje, comandante do destacamento feminino das FAPLA, naquela altura grávida que depois de torturas físicas teve um parto precoce cujo filho sobreviveu e hoje tem 33 anos de idade por fazer, de nome Ratinho talvez por ter nascido prematuramente deram-lhe este nome.

E estamos crer que o mesmo esteja entre nós nesta sala, porque temos conhecimento que ele reside nesta cidade. De igual modo seu pai também foi vítima desta hecatombe. Assim como outros filhos desta província que muito tinham ainda a contribuírem para o engrandecimento do nosso país.

Devemos recordar ainda, sem equívocos, que os perecidos aquando do holocausto que estamos a iludindo também deram a sua juventude e as suas vidas em prol da independência deste país ainda martirizado, por esta razão, alguns deles foram patenteados à titulo póstumo a grau de General, mas, infelizmente os seus restos mortais continuam nas valas comuns espalhadas por todo território nacional... Generais sem campas não se conhece em numa parte do mundo!...

Foi na base deste espírito reconciliatório, que a direcção da Fundação 27 de Maio, há algum tempo a esta parte ou seja há cerca de oito (8) anos, endereçou ao senhor Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, ao Secretariado do Bureau Político do MPLA, à Assembleia Nacional cessante, na pessoa do então vice-presidente, Julião Mateus Paulo “Dino Matross”, ao Tribunal Supremo e à Procuradoria Geral da República, o Dossier de Entendimento, aonde continha as propostas para o entendimento e resolução das questões atinentes aos trágicos acontecimentos havidos após do 27 de Maio de 1977, que infelizmente nunca obtivemos respostas, de qualquer das instâncias acima referidas.

Nós Fundação, familiares e sobreviventes, entendemos que, para a promoção do espírito de tolerância política, de unidade, de confiança mútua e de reconciliação, para edificação de uma convivência pacifica e harmoniosa, sem recalcamentos e ódio entre os angolanos, passa necessariamente pela resolução do passivo decorrente do processo acima referido e de outros havidos ao longo dos mais de 30 anos de guerra, concedendo o perdão mútuo entre as partes envolvidas, de modo, a banir o ódio e os recalcamentos, que ainda pairam nas mentes de muitas famílias angolanas.

Importa ainda recordar aqui e agora, e com o mesmo objectivo, em resposta a carta aberta do PRD endereçada ao Presidente da República, questionando o paradeiro de dezenas de milhares de presos aquando dos acontecimentos, publicada no Jornal de Angola, datada de 10/04/1992, que recordamos e citamos: “O actual Governo partilha da legítima preocupação expressa pelos familiares e amigos das vítimas e desaparecidos da tragédia fraccionista, no sentido de verem complementados os esclarecimentos legais dai decorrentes. Neste sentido e desde algum tempo, o governo tem estudado as várias possibilidades de resolução destas questões, incluindo a eventual criação da Comissão, que seria especialmente encarregada da realização desta tarefa”. Fim de citação.

Na mesma senda, o B.P. do MPLA, aos 27 de Maio de 2002, pela primeira e última vez, tornou público, uma declaração que passamos a citar alguns aspectos pertinentes: “A história recente de Angola, está receada de factos e acontecimentos que chocaram profundamente várias gerações. O povo angolano foi e há-de continuar a ser, o protagonista de todos estes actos que marcaram e marcarão a nossa história.

Depois de mais de quatro décadas sofridas por conflitos de vária ordem, guerra, destruição e excessos de vários tipos é chegado o momento de caminharmos firmes e decididos na senda das responsabilidades, tolerância e, sobretudo, da reconciliação de toda família angolana. A reacção à essa acção levada a cabo pelas competentes instituições para restabelecer a ordem comportou também exageros.

O MPLA acredita estarem reunidas as condições para os angolanos saibam assumir os seus erros e as suas virtudes. “Hoje 27 de Maio, numa altura em que se assinala a passagem do 25º ano sobre a data do 27 de Maio de 1977, o MPLA não pode ficar indiferente a ela, manifestando a sua posição perante este facto surgido no seu seio.

- A contribuição positiva prestada pelos patriotas angolanos, na luta pela liberdade e afirmação de Angola, não pode ser ignorado. Com relação a todos quantos, de algum modo, estiveram envolvidos nos acontecimentos em torno do 27 de Maio de 1977, o MPLA recomenda que as instituições do Estado, com o apoio da sociedade, continuem a trabalhar para que consequências produzidas por estes acontecimentos não criem entraves ou dificuldades de qualquer natureza ao exercício pleno dos direitos constitucionais e legais de qualquer cidadão. Houve indivíduos que agiram a margem das instituições criadas para o efeito, cometendo excessos, agindo por iniciativas próprias contra os contestatários no seio do nosso Partido, incompreendidos por alguns”. Fim de citação!..

Depois das declarações referidas, o que finalmente falta para a criação da comissão referida na resposta à carta aberta do PRD ao Presidente da República e do MPLA?

Ainda assim, o que importa, reconhecer os excessos cometidos por alguns agentes da segurança e outros, contra os patriotas do 27 de Maio de 1977, que nas cadeias, nas matas e na clandestinidade lutaram com determinação e tenacidade, tendo permitido ao malogrado Dr. António Agostinho Neto aos 11 de Novembro de 1975, proclamar debaixo de rebentamentos de obuses, à esperada independência do país, se no entanto, volvidos 33 anos, tal passivo não encontre o desfecho desejado e os seus restos mortais encontram-se espalhado por todo território nacional!?...

Não basta o reconhecimento, o mais importante é o enterro condigno aos protagonistas da Independência. Chega de hipocrisia. É momento de passar as palavras à prática.

Queremos ainda lembrar que, aquando do funeral às vítimas do Kuito, os familiares das vítimas do 27 de Maio de 1977 e os sobreviventes, endereçaram ao ex-Primeiro-Ministro, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”, um abaixo assinado, onde solicitavam, a extensão do gesto humano, dedicado às vítimas da guerra do Kuito e do Zenza de Itombe aos que usaram chamar de fraccionistas, que hoje, verdade verdadeira, o tempo lhes deu razão, porque a etiqueta de pequenos burgueses a eles atribuída, que foi o motivo que lhes levou ao fuzilamento, hoje os seus acusadores e detractores tornaram-se em burguesia nacional, com centenas de milhões de dólares nos bancos estrangeiros, incluindo os de América do Norte, que hipocritamente acusaram-lhes de agentes do imperialismo americano!...

De facto, não existe uma justiça estática, não existe uma justiça imutável, o que hoje é justo, pode ser amanhã injusto; justo será aquele que executa e faz executar as leis sem rigor, com perfeita compreensão humana das fraquezas do próximo.

A RECONCILIAÇÃO PRECISA-SE E URGE

A reconciliação nacional entre os angolanos que se propaga por quatro ventos ainda é uma miragem, pois, sendo a reconciliação um restabelecimento das relações entre pessoas que andavam desavindas, no nosso país apenas existe no papel e matéria de propaganda apenas nos órgãos de comunicação social para enganar as presentes e futuras gerações.

Queremos ainda recordar porque estamos a contar a nossa história recente que a divisão do povo angolano, acentuou-se mais na véspera da Independência com a vinda dos movimentos de libertação nacional nas cidades e, atiçados pelas então potências mundiais EUA e URSS e seus aliados, os líderes dos três movimentos nomeadamente o malogrado mais velho Holden Roberto (da FNLA), o malogrado Dr. Agostinho Neto (do MPLA) e o malogrado Dr. Jonas Malheiro Savimbi (da UNITA), não obstante dos Acordos de Alvor em Portugal, de triste memória não conseguiram a unidade firmada nos acordos acima aludidos, tendo mergulhado o país numa guerra que nos parecia interminável e terminou apenas há 8 anos.

É a partir do incumprimento dos acordos retromencionados que os angolanos começaram a guerrear-se entre si, até aos dias de hoje, independentemente da paz militar alcançada há 8 anos, ainda não se vislumbra a paz social e espiritual, pressupostos básicos para a reconciliação dos angolanos, de facto, sem discriminação de qualquer espécie seja ela política, económica, cultural, centrando o homem acima de qualquer interesse.

Queremos ainda recordar também que o regime colonial português, para permanecer 500 anos em Angola, teve que adoptar políticas de discriminação. Pois, existia em Angola o branco da primeira nascido ou proveniente de Portugal e o branco de segunda nascido em Angola, por um lado, e, por outro lado, o negro que assimilou os hábitos e costumes portugueses e os indígenas que na linguagem dos colonialistas que designava os que estavam condenados a fazer o trabalho forçado nas fazendas dos colonos, nas estradas, sujeitos a deportações de várias ordem.

Hoje, volvidos 35 anos de Independência, esta discriminação continua e mais acentuada, promovida pelo próprio MPLA que diz ser o pai da unidade e reconciliação nacional dos angolanos que é uma autêntica miragem!...

Sobre o 27 de Maio, queremos ainda recordar que os oportunistas da última carruagem aproveitando-se do discurso do então 1º Presidente da República Popular de Angola, Dr. Agostinho Neto, proferidos após os acontecimentos referidos, num comunicado tornado publico disse e citamos. (Não vamos perder tempo com julgamento, agiremos com uma certa dureza… não haverá perdão para os fraccionistas, seremos o mais breve possível e implacável…

Não há perdão para aqueles que já foram encontrados, esses indivíduos já foram fuzilados e aqueles que forem encontrados serão também fuzilados, para que não voltem a praticar crime…
Morte aos fraccionistas…)

Foi com este discursos, de triste memoria, que ditou a morte de mais de 80 mil almas. Pois, não se tratou do golpe de estado porque se assim fosse, os indivíduos que se encontravam no exterior a estudar nas várias áreas de saber, nomeadamente: União Soviética, Cuba, Roménia, RDA, Bulgária, Checo entre outros países, não teriam a mesma sorte. Entretanto, alguns destes indivíduos foram repatriados e muitos deles foram fuzilados.

Importa realçar, que o primogénito de Agostinho Neto, Mário Jorge, que se encontrava na Roménia a estudar também foi repatriado, só que enquanto os colegas foram parar nas cadeias de São Paulo e de Comarca de Luanda, ele foi directamente ao Palácio Presidencial.

No dia seguinte, em gesto de solidariedade para com os colegas, pediu ao pai que fossem libertados – que venho acontecer – apesar de alguns terem já sido fuzilados.

Esta mais que claro para pessoas honestas houve, de facto, um golpe de estado contra os militantes consequentes que defendiam com rigor os estatutos, programa e a Lei 1/76 de 5 de Fevereiro que instituiu o Poder Popular que culminou com a eleição dos órgãos do Poder Popular como ensaio a semelhança das eleições autárquicas.

Em suma, pretendo com esta modesta obra chamar a atenção, para que as gerações presentes e vindouras saibam, ou, pelo menos, convirão que saibam, qual foi o papel dos seus antepassados ao longo das lutas havidas, para impedir a permanência dos (neo)colonialistas em Angola, bem como a desgraça que se seguiu após da independência que todos nós conhecemos.

Honra seja feita aos heróis. Pois, foi com base no espírito de justiça que me é peculiar, que achei por bem narrar nesta obra alguns aspectos que certamente ajudarão aos jovens de hoje e de amanhã, a compreender a desgraça herdada dos seus antepassados.

Por isso, os factos históricos não devem ser falseados e nem escamoteados, devem, sim, circular além-fronteiras, se assim não fosse, a humanidade não teria herdado hoje, o vasto acervo dos mais ricos conhecimentos e apuradas experiências de vária índole, vividas pelos nossos antepassados e, salvo seja, certamente, os erros do passado.

Sem esta démarche da análise crítica e profunda do caminho trilhado desde antanho, estaríamos a repeti-los sempre e mais ainda, o que seria fatal para o desenvolvimento sócio-económico, político e cultural do nosso sofrido país.

O povo que não conhece o seu passado esta sujeito a repetir os erros do passado.

Por isso, o passado nunca morre, nem sequer é passado. Pois os factos históricos porque são passados, apoiam-se no testemunho escrito ou oral, pois nem a história e nem os factos históricos devem ser omitidos, falseados, manipulados e desenquadrados na época, se de facto, se pretende reescrever a história contemporânea de uma nova Angola pautada pela justiça social, sem recalcamentos e sem equívocos, de modo a esclarecer a nação, ao mundo, as presentes e vindouras gerações, incutindo-lhes o espírito de perdão, de concórdia e de sensibilidade humana.

- Os Bispos católicos de Angola, na sua mensagem no dia Nacional da Reconciliação de 14 de Março de 1999, disseram e cito: “Não há reconciliação sem perdão, e não há perdão sem o reconhecimento arrependidos das próprias faltas, ou ainda, não basta calar as armas, é preciso deixar falar as almas, que estas se comuniquem com sinceridade; se reconheçam na lealdade, se compreendam na reciprocidade e se amem na verdade”.

Para terminar, gostaria de deixar expresso o meu voto de reconhecimento e agradecimento a Organização OMUNGA que tudo fez para tornar possível a organização deste acto, por um lado. E por outro lado, agradecer ao todos participantes que deixaram os seus afazeres para estar connosco partilhar este momento de transcendência importância por quanto em cada família angolana perdeu um ante-querido.

....................................
José Adão Fragoso, nascido aos 14 de Agosto de 1948, natural de Icolo e Bengo, província do Bengo, filho de Adão José Fragoso e de Gonga Mateus, antigo combatente inscrito sob o n.º 17.049/92, na Delegação Provincial de Luanda, do ministério dos Antigos Combatentes e Veteranos de Guerra, formado em Ciências Políticas, na especialidade de Direito Administrativo, na então República Democrática Alemã, hoje República de Alemanha.

- Na idade de adolescência, conheceu Nito Alves no colégio da Casa das Beiras, iniciam a luta na clandestinidade, com outros companheiros, nomeadamente: Eduardo Pitra, Mateus Nhanga, Tito, João Pedro dentre outros, até em 1966, altura que Nito, abandona a escola para trabalhar e posteriormente segue para as matas da 1ª Região Político-Militar do MPLA. Mais tarde, conheceu o então furriel miliciano do exército português José Van-Dúnem, no grupo de cavalaria n.º 2 (Dragões), no Bié, que na qualidade de enfermeiro forneceu por seu intermédio medicamentos aos compatriotas que na altura lutavam nas matas contra o exército português para Indepedência do país.

Em 1974, quando se deu o golpe de estado ocorrido aos 25 de Abril de 1974, contra o regime de Salazar, Caetano, junta-se aos guerrilheiros da 1ª Região Política Militar, onde se reencontra com Nito Alves e conheceu os comandantes: Valódia, Tonton, Sianuk, Ho Chi Min

18/02/2010

ANGOLA NO MECANISMO UPR DAS NAÇÕES UNIDAS

Durante esta semana, Angola foi revista na 7.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos no âmbito do mecanismo de Revisão Periódica Universal (UPR).
Uma delegação da sociedade civil angolana, representando as 10 organizações e associações que apresentaram um relatório paralelo conjunto, esteve em Genebra a acompanhar os trabalhos.
Abaixo acompanhe a Nota de imprensa (português e inglês).
Pode ainda acompanhar a entrevista dada pelo activista José Patrocínio, a partir de Genebra à Voz da América (http://www.voanews.com/portuguese/2010-02-17-voa7.cfm) assim como a reacção do embaixador de Angola junto da ONU, Arcanjo do Nascimento (http://www.voanews.com/portuguese/2010-02-18-voa3.cfm)
.................................................
NOTA DE IMPRENSA

A delegação da sociedade civil angolana, presente na 7ª Sessão da Revisão Periódica Universal (RPU) no Conselho dos Direitos Humanos, congratula-se com a recepção com que foi brindada na Embaixada de Angola junto à Missão Permanente das Nações Unidas em Genebra (Suiça), e saúda de igual modo o nível elevado da representação governamental angolana participando na sessão da Revisão Periódica Universal.

Das recomendações da RPU publicadas no relatório preliminar, a delegação angolana da sociedade civil solicita que o Estado angolano aceite sem reservas e implemente sobretudo as seguintes:

1. Aderir aos Tratados Internacionais por ratificar, nomeadamente: O Segundo Protocolo Facultativo do Pacto dos Direitos Civis e Políticos; O Protocolo Facultativo dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais; A Convenção sobre Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo; A Convenção contra a Tortura, Tratamentos Cruéis ou Degradantes e o seu Protocolo Facultativo; a Convenção Internacional de Protecção contra Desaparição Forçada e a Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Trabalhadores Migrantes e seus Familiares.
2. Facultar um convite aberto aos Relatores Especiais das Nações Unidas durante o período de implementação das recomendações, dando prioridade aos seguintes: Os Relatores Especiais sobre Habitação Adequada; Independência dos Juízes e Advogados; Defensores dos Direitos Humanos; Liberdade de Expressão e Detenção Arbitrária.

Além disso, sugerimos que o Governo angolano crie espaços de interacção e diálogo aberto e inclusivo com os actores da sociedade civil na implementação das recomendações e a sua monitoria, até a próxima Revisão Periódica Universal de Angola em 2014.

Genebra, 17 de Fevereiro de 2010.
Os Membros da Delegação
Emílio Manuel (Fundação Open Society Angola)
José Patrocínio (Omunga)
Padre Jacinto Pio Wacussanga (Associação Construindo Comunidades, ACC)
......................................
PRESS RELEASE
The Angolan civil society delegation present for the 7th session of the Universal Periodic Review (UPR) of the Human Rights Council welcomed its reception by the Angolan Embassy and the Permanent Mission of Angola to the United Nations in Geneva, as well as the high level of the Angolan government’s participation during the UPR session.

Of the UPR recommendations published in the draft report of the review the Angolan civil society delegation calls on the government to accept, without reservation, and implement the following in particular:

1. To accede to and ratify the following international instruments: The Second Optional Protocol to the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights; The Optional Protocol to International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights; the Convention on the Rights of Persons with Disabilities and its Optional Protocol; The Convention against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment and its Optional Protocol; the International Convention for the Protection from Enforced Disappearance and the International Convention on the Protection of the Rights of Migrant Workers and Their Families.
2. Provide a standing invitation to the United Nations Special Rapporteurs during the follow-up of the review, giving priority to the following: the Special Rapporteurs on Adequate Housing; on the Independence of Judges and Lawyers; on Human Rights Defenders; on Freedom of Expression, and on Arbitrary Detention.

Moreover, we suggest that the Angolan government create a space for interactive, inclusive and open dialogue with civil society actors for the implementation of the recommendations and its monitoring, until the next Universal Periodic Review of Angola in 2014.

Geneva, February 17, 2010.
The members of the delegation
Emílio Manuel (Fundação Open Society Angola)
José Patrocínio (Omunga)
Padre Jacinto Pio Wacussanga (Associação Construindo Comunidades, ACC)

16/02/2010

REVISÃO DO ESTADO ANGOLANO: Recomendações da sociedade civil tomadas em conta

Revisão do Estado angolano: Recomendações da sociedade civil tomadas em conta.

Genebra, 16 de Fevereiro de 2010.

Três organizações da sociedade civil de Angola, a Associação Construindo Comunidades (ACC), a Associação OMUNGA e a Fundação Open Society Angola, participaram como observadoras, na sessão de Revisão Períodica Universal (UPR) de Angola, em Genebra, a 12 de Fevereiro de 2010.

A Agência Angolana de Noticias (ANGOP)¹, a 09.02.2010, desvalorizou o papel das ONGs no processo da revisão periódica universal: «Apesar da intensa pressão das ONG, estas foram barradas de participar directamente no UPR, já que os países membros da Assembleia Geral da ONU manifestaram reservas quanto à sua imparcialidade e independência».

Embora o UPR seja um mecanismo inter-governamental e as ONGs não tenham direito à palavra durante as sessões, de facto é um mecanismo que estimula a participação da sociedade civil nas várias fases do processo. Isso inclui a elaboração do relatório do Estado em revisão - o Estado é encorajado a envolver a sociedade civil na elaboração do relatório oficial - como também de relatórios paralelos. Além disso é incentivada a participar como observadora na sessão de revisão do Estado.

A delegação da sociedade civil angolana que acompanhou as sessões, representa o grupo de dez organizações e associações não governamentais de Angola que enviaram ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a 1 de Setembro de 2009, um relatório paralelo sobre a situação dos direitos humanos em Angola.

Em Genebra, a delegação tem mantido encontros com representantes da Missão Permante de Angola, Arcanjo Maria do Nascimento, da delegação de Angola, de diversos Estados junto do Conselho de Direitos Humanos, incluindo o da Santa Sé, oficiais do Alto Comissáriado para os Direitos Humanos, bem como representantes dos Relatores Especiais dos Direitos Humanos da ONU.

Durante a sessão de análise do relatório do Estado angolano, a grande maioria dos países reconheceu os esforços empreendidos por Angola na recuperação de infra-estruturas sociais e económicas, na consolidação da paz e normalização institucional. Estas intervenções basearam-se em grande parte nas informações disponibilizadas pelo relatório do Estado.

No entanto, tomando em conta informações complementares disponibilizadas pelo Alto Comissáriado dos Direitos Humanos das Nações Unidas e outras agências da ONU, bem como pela sociedade civil, os Estados também endereçaram recomendações a Angola que coincidem, em muito, com as apresentadas no relatório paralelo das dez organizações da sociedade civil Angolana, como de outras organizacoes de direitos humanos.

São de realçar as recomendações sobre o Direito à Terra e à Habitação Adequada de acordo com as normas internacionais ratificados por Angola, a criação de uma orgão independente de direitos humanos, o reconhecimento e protecção por lei do papel dos defensores dos direitos humanos, a garantia de facto da liberdade de expressão e o fim das detenções arbitrárias, sobressaindo a preocupação com a a situação actual em Cabinda.

As organizações vão permanecer em Genebra, até a adopção do relatório final de Angola, marcado para 16 de Fevereiro de 2010, às 17h30, no Conselho dos Direitos Humanos, Genebra.

Contacto:
usindiswe@gmail.com
omunga.coordenador@gmail.com
Cel +4122-076 7621550 (Geneve)
_________________________________________
¹.Consultar site da Angop: http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2010/1/6/Relatorio-sobre-direitos-humanos-analise-Sessao-UPR,b04c4541-feff-4ef9-915b-8c0ac672eb46.html

04/02/2010

POSIÇÃO DA UNITA SOBRE O ACÓRDÃO 111 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

REPÚBLICA DE ANGOLA
UNIÃO NACIONAL PARA A INDEPENDÊNCIA TOTAL DE ANGOLA -
U N I T A

­­­
POSIÇÃO DA UNITA SOBRE O
ACÓRDÃO 111
DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


Tendo analisado o Acórdão número 111/2010 do Tribunal Constitucional, a UNITA vem reafirmar a sua posição e informar os angolanos o seguinte:

1. O Acórdão do Tribunal Constitucional responde a um pedido dos Deputados do MPLA e não aborda as questões fracturantes que preocupam a maioria do povo angolano. O Tribunal fez uma análise limitada e condicionada, que lhe permitiu, no geral, concordar com o projecto de Constituição já aprovado no passado dia 21 de Janeiro.

2. Doravante, os angolanos serão regidos por uma Constituição injusta e perversa, trabalho da vontade de um grupo, que utiliza a Constituição para concretizar golpes constitucionais.

3. A história regista muitos exemplos de que os Tribunais também erram. O Tribunal Supremo dos Estados Unidos decretou que a segregação racial era legal. Mais tarde, reconheceu que violara os direitos fundamentais do homem. O Tribunal Superior de Lisboa sentenciou que o colonialismo era legal. Mais tarde reconheceu que agredia a dignidade humana. Muitos outros Tribunais do mundo, tomaram também decisões injustas, que mais tarde tiveram de ser corrigidas.

4. A democracia não exige unanimidade. Mesmo no Tribunal Constitucional pode não haver unanimidade. A UNITA respeita a opinião expressa pelo Tribunal Constitucional, embora não concorde com ela por considerar que a posição do Tribunal não é justa nem acertada.

5. Não é justa porque o Tribunal não analisou as questões levantadas pela UNITA na Assembleia Nacional nem as dez questões que a UNITA enviou directamente ao Tribunal, quer em Setembro, quer agora, em Janeiro. Queremos informar a todos os que não leram ainda o Acórdão, que o Tribunal Constitucional não analisou, por exemplo, a questão dos símbolos nacionais, a questão da terra nem a conformidade do mandato do Presidente da República ao princípio do estado de direito. O Tribunal apenas se pronunciou sobre duas questões que lhe foram colocadas pelos deputados do MPLA.

6. O Tribunal concluiu que a Constituição já aprovada no passado dia 21 respeita os limites materiais estabelecidos pelo Artigo 159 da Lei Constitucional vigente. Concluiu ainda que a eleição do Presidente da República como cabeça de lista na lista de Deputados está correcta e não viola o princípio da separação de poderes. O Tribunal diz também que a concentração de poderes no órgão Presidente da República não viola o princípio do governo limitado. O Tribunal é de opinião que o Presidente cabeça de lista pode ser chefe do Executivo e ao mesmo tempo líder do Partido maioritário no Parlamento, porque isto não viola o princípio da separação de poderes. Em suma, o Tribunal concorda que o projecto de Constituição está de acordo com a lei e com o regime democrático.

7. A UNITA considera que esta posição é incorrecta. É verdade que, na análise que fez, o Tribunal Constitucional encontrou duas inconstitucionalidades, mas há mais, muito mais. O Tribunal não as referiu, porque, cremos, preferiu emitir uma opinião política sobre questões limitadas e condicionadas ao invés de aprofundar a análise jurídico-constitucional de todas as dimensões dos postulados do constitucionalismo liberal democrático, nomeadamente dos princípios do governo limitado, do estado de direito e das manifestações mais modernas do princípio da separação de poderes.

8. Há duas questões importantes da transição política e constitucional que interessam ao povo e sobre a substância das quais o Tribunal não se pronunciou: a primeira é saber se a maioria na Assembleia Constituinte pode mesmo substituir-se ao povo soberano de Angola e conferir legitimidade democrática a um Presidente - que se tem furtado à marcação das eleições presidenciais e que não foi legitimado pelo voto do povo - para governar sem mandato e sem prazo. O Tribunal passou por cima desta questão importante, que está no Artigo 241.

9. A segunda é saber se o Presidente da República em funções tem legitimidade para anular as eleições de 2008, realizadas com base na Constituição provisória e demitir o governo emanado dessas eleições e exercer, ele próprio, à sombra da nova Constituição, a titularidade do poder executivo sem a realização de novas eleições. O Tribunal também passou por cima desta questão que está no número 2 do Artigo 241.

10. De qualquer modo, a UNITA considera encerrado o processo constituinte. A UNITA vai certamente viver com esta Constituição, mas reafirma, perante Angola e o mundo, a sua posição de não caucionar golpes constitucionais, que usam a democracia para atentar contra a democracia.

11. A UNITA está convencida de que, no tempo certo, o povo angolano, irá aprovar uma Constituição democrática que assegure o governo limitado e garanta de facto que se limite o poder dos que exercem o poder.

12. É com a mais profunda convicção e inquebrantável serenidade que a UNITA esperará que a História confirme a justeza da sua posição.

Luanda, 2 de Janeiro de 2010

DECLARAÇÃO DE VOTO DA JUIZA CONSELHEIRA IMACULADA MELO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL




REPÚBLICA DE ANGOLA


TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


Declaração de voto


Concordo com a fundamentação do Acórdão relativamente a constatação de que a nova Constituição respeitou os limites formais do artigo 158º da Lei Constitucional e os limites materiais do artigo 159º, consubstanciados nas alíneas a), referente à independência, integridade territorial e unidade nacional; alínea d) referente ao sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e do poder local e alínea e) sobre a laicidade do Estado e o princípio da separação entre o Estado e as Igrejas, bem assim como as regras constantes do artigo 160º.

Nesta senda, estou igualmente de acordo com o Acórdão ao considerar inconstitucionais as normas contidas nos nºs 1 e 4 do artigo 132º da nova Constituição bem como a omissão do artigo 109º por desatenderem o limite material contido na alínea d) do artigo 159º e que em consequência, se decide pela sua expurgação pelo legislador constituinte.

Para além disso, entendo que por uma questão de precisão devo manifestar que considero que a aprovação da nova Constituição efectuou-se num quadro de transição constitucional à qual se ligam compromissos assinados com o Protocolo de Lusaka e a Lei Constitucional, Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro e por isso discordo com o Acórdão por ter considerado a Assembleia Constituinte como sendo soberana com poderes incondicionados, pois estes são poderes de uma assembleia constituinte originária e não de uma assembleia constituinte derivada, como é o caso.

Votei vencida porque entendo que a nova Constituição não respeita inteiramente os limites materiais do artigo 159º, em outros casos, contrariamente ao que dispõe o Acórdão.

São os seguintes, em síntese, os fundamentos da posição:

1- Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos alínea b) do art.º 159º da Lei Constitucional.

Estou de acordo que a nova Constituição apresenta, efectivamente, um avanço na medida em que para além do aumento do leque dos direitos assegura-se a garantia e protecção dos mesmos pelo Estado. No entanto, considero que foi violado este limite na nova Constituição quando se restringe a possibilidade de candidatos independentes à Presidência da República de poder fazê-lo dessa forma, uma vez que apenas se podem candidatar se enquadrados num partido político ou integrados na lista de uma coligação de partidos políticos (artigo 111º, n.º2)

Considero por isso que há uma diminuição das garantias constitucionais e, consequentemente, há a violação dos princípios de igualdade, da proporcionalidade e da segurança jurídica e da protecção da confiança, todos subsumíveis no princípio do estado de direito que “desenvolve toda uma dimensão garantística que para além de protecção da liberdade individual, projecta exigências diferenciadas sobre a actuação do poder que, de alguma forma, possa afectar os particulares”. Nestes termos considero que a nova Constituição viola a alínea b) e c) do artigo 159º.

1.1-Para além disso, considero que as disposições finais e transitórias dão ao actual Presidente da República competência para que assuma a plena titularidade do poder executivo na Constituição aprovada até à realização de novas eleições.

É verdade que com esta norma resolvem-se, desde logo, duas questões constitucionais que são fundamentais, como sejam, a de assegurar a legitimidade constitucional do Presidente da República em funções e a de evitar que exista um vazio de poder.

Ora, do ponto de vista jurídico é questionável a atribuição deste poder ao Presidente da República uma vez que o actual Chefe de Estado está a exercer as suas funções num quadro de anormalidade constitucional surgida da guerra civil de 1992.

A normalização constitucional do país passa necessariamente pelo desempenho das funções dos órgãos de soberania de acordo com o estipulado na lei fundamental em vigor.

Este processo foi efectivado com a eleição da Assembleia Nacional, em Setembro de 2008 e deveria, igualmente, passar pela eleição do Presidente da República, o que estava previsto para 2009.

Assim sendo, temos que a não realização da eleição presidencial na data acordada pelos Partidos Políticos, Governo e Presidente da República e a alteração da forma de eleição do Presidente da República na nova Constituição levanta, de imediato, um problema sério de legitimidade constitucional.

Por isso, entendo que o artigo 241º da nova Constituição está eivado de inconstitucionalidade uma vez que põe em causa o princípio democrático do Estado de direito que dispõe que o poder apenas pode ser exercido em conformidade com o princípio da legitimação popular do poder pela via do sufrágio universal, secreto e directo (Violação da alínea c) do artigo 159º).



2- A separação e interdependência dos órgãos de soberania (alínea f) do artigo 159º).

A alteração, na nova Constituição, na forma de eleição do Presidente da República, que passa a ser eleito conjuntamente com a lista, pelo circulo nacional, do partido político ou coligação de partidos mais votado no quadro das eleições gerais, conforme o artigo 142º e seguintes, coloca o problema de se saber qual o seu estatuto nestas condições: tem ou não o estatuto de deputado? A nova Constituição nada refere sobre o assunto e muito menos se pode aferir se dessa disposição se conclui que um candidato se pode candidatar simultaneamente a dois cargos de soberania.

Trata-se, no entanto, de questões importantes para a análise da separação de poderes entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional

2.1-Embora reconheça o facto de existir hoje em todo mundo uma mistura nas funções de cada órgão de soberania, por isso também em Angola, considero, no entanto, que a separação de poderes impõe-se em obediência também ao princípio republicano, que não sendo um limite explícito do artigo 159º, porém está implícito na caracterização do estado democrático de direito, princípio consagrado na alínea c) do artigo 159º. Nesta conformidade não estou de acordo com o Acórdão por não atender ao facto de nas competências do Presidente da República (artigos 119º a 123º) prever-se uma forte concentração de poderes que se estendem aos poderes executivos, legislativos e judicial.

Desde logo, deve-se atender ao conceito de separação de poderes. A este respeito é de referir que a separação de poderes tanto pode ser tomada como doutrina, assim como um princípio constitucional.

A separação de poderes enquanto doutrina tem como objectivo fundamental a limitação do poder político. Como princípio constitucional é um meio por via do qual se dá o equilíbrio entre órgãos de soberania portadores de legitimidade para assegurar os pesos e contrapesos “checks and balances” do sistema de governação.

Considero que o aumento significativo dos poderes do Presidente da República na nova Constituição (que lhe permite entrar na competência dos poderes da Assembleia Nacional, nem mesmo os limites constantes do n.º 3 do artigo 126º atenuam esse facto) desequilibra o sistema de pesos e contrapesos do sistema de governação: tira-se da Assembleia Nacional para se reforçar os poderes do Presidente da República.

Este desequilíbrio afecta o cerne daquilo que constitui a separação de poderes, quer na sua acepção doutrinal, quer enquanto princípio constitucional. E neste particular é importante referir que é preciso considerar a hipótese da legitimidade do Presidente da República caso o partido ou coligação de partidos a que está vinculado não obtenha maioria absoluta de votos.

Neste caso haverá uma efectiva diminuição da legitimidade do Presidente da República que, pode hipoteticamente, ser eleito, por uma maioria simples inferior à maioria de votos dados à oposição

Resultando daqui uma conclusão lógica em que a forte concentração de poderes reais previstos para o Presidente da República seja incompatível com a eventual debilidade de legitimação do Presidente da República.


2.2- Entendo ainda que a nova Constituição ao atribuir competência para a nomeação de uma parte de Juízes à semelhança do que já acontecia na Lei Constitucional, na actual situação viola o princípio de separação de poderes.

É preciso ter em conta que na Constituição de 1992, o Presidente tem poderes moderadores, o que não acontece na nova Constituição em que é o poder executivo e assim sendo não deve ter competências próprias de uma entidade independente.

Considero nesta conformidade que há violação nos artigos 119º alínea f), alínea a) do n.º 3 do artigo 180º, n.º 2 do artigo 181º, n.º 2 do artigo 182º e n.º 2 do artigo 183º da Constituição.

De todos estes casos, o mais flagrante é o facto do Presidente da República ter poderes discricionários para a nomeação de Juízes do Tribunal Supremo Militar, art.º 182º da nova Constituição, e o caso dos juízes do Tribunal de Contas em que os juízes são nomeados pelo Presidente da República (artigo 183º).

O Tribunal de Contas é um órgão a quem compete fiscalizar as contas públicas, que são feitas principalmente pelos Ministérios e empresas públicas. Se o Presidente da República (poder executivo) tem poder para nomear os titulares deste órgão, há uma violação ao princípio da separação de poderes na sua vertente independência dos tribunais.








BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

Jorge Reis Novais – Os princípios constitucionais estruturantes da
República Portuguesa, Coimbra: Editora;

Nuno Piçarra – Separação dos poderes como doutrina e princípio
Constitucional, Coimbra: Editora;
Cristina Queiroz – O sistema de Governo Semi-Presidencial, Coimbra
Editora;

Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria de Constituição, 7ª
Edição, Almeida;
Jorge Miranda – Teoria do Estado e de Constituição

02/02/2010

DECLARAÇÃO PÚBLICA DA AMNISTIA INTERNACIONAL

DECLARAÇÃO PÚBLICA DA
AMNISTIA INTERNACIONAL

Índice AI: AFR12/003/2010
29 de Janeiro de 2010

Angola: A Amnistia Internacional apela aos Estados-membros da ONU para que participem na Revisão Periódica Universal de Angola

Angola será submetida a uma revisão pelos Grupos de Trabalho do Conselho dos Direitos Humanos da ONU (o Conselho) através do seu mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) no dia 12 de Fevereiro de 2010. A Amnistia Internacional apela aos Estados-membros para que assumam um papel activo na revisão e façam recomendações concretas, significativas e mensuráveis.

A RPU oferece aos Estados-membros da ONU a oportunidade de contribuir para assegurar a existência de respeito genuíno e responsabilização pelos direitos humanos em Angola. A Amnistia Internacional encoraja, em particular, os Estados-membros africanos a participarem activamente no processo. Tal como Angola, a maioria dos países africanos são signatários da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos. Angola é também membro da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). A Amnistia Internacional insta estes países em especial a participarem na RPU de Angola.

A Amnistia Internacional apela aos Estados-membros para que apresentem as seguintes recomendações ao governo angolano durante a RPU, nomeadamente para que:

• Ratifique todos os tratados de direitos humanos ainda não ratificados, incluindo: a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e o seu Protocolo Facultativo; o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, visando a abolição da pena de morte; a Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas Vítimas de Desaparecimentos Forçados; a Convenção sobre a não prescrição dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade; o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (incluídos nas garantias e compromissos voluntários de Angola para a promoção dos direitos humanos, no contexto da sua candidatura ao Conselho dos Direitos Humanos para o período de 2007-2010); e os implemente na legislação nacional.

• Acabe com todas as expulsões forçadas e imponha uma moratória às expulsões em massa até estar em vigor uma política de habitação abrangente e baseada nos direitos humanos e instituído um quadro legal que ofereça recursos eficazes.

• Ofereça assistência imediata, incluindo habitação condigna, aos que foram expulsos pela força e permanecem desalojados, e compense adequadamente todas as vítimas das expulsões forçadas.

• Respeite e proteja o trabalho dos defensores dos direitos humanos e outros membros da sociedade civil, assegurando a liberdade destes para desenvolverem as suas actividades de direitos humanos sem interferência, de acordo com as normas internacionais de direitos humanos e de harmonia com as garantias voluntárias oferecidas por Angola no contexto da sua eleição para o Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

• Assegure que ninguém seja preso por exercer pacificamente os seus direitos de liberdade de expressão, associação e reunião.

• Altere ou revogue as leis que inibam o direito de liberdade de expressão e restrinjam a independência dos meios de comunicação social, incluindo as leis relativas à difamação do Chefe de Estado e dos funcionários públicos.

• Respeite, proteja e promova o direito de liberdade de expressão dos jornalistas e assegure que todos os eventuais processos contra eles se desenrolem de acordo com o direito humanitário internacional e as normas internacionais de direitos humanos.

• Assegure a realização de investigações imediatas, imparciais e completas a todos os casos suspeitos de execuções extrajudiciais, tortura e maus tratos, uso excessivo da força, morte sob custódia ou outras violações dos direitos humanos pela polícia, e que os responsáveis por tais violações sejam presentes à justiça com rapidez e de acordo com as normas internacionais para os julgamentos justos.
• Assegure a reparação, incluindo uma compensação justa e suficiente, para as vítimas ou famílias das vítimas de violações dos direitos humanos pela polícia.

Informação de contexto
O processo de RPU oferece a oportunidade de rever o desempenho de todos os Estados-membros da ONU em termos de direitos humanos a intervalos de quatro anos; e oferece aos Estados-membros a possibilidade de indicar claramente a sua posição sobre a necessidade de melhorar os direitos humanos no país analisado e para colaborar com esse país na identificação de medidas para vencer os desafios e melhorar o cumprimento das suas obrigações e compromissos em matéria de direitos humanos. É portanto imperativo utilizar eficazmente o diálogo interactivo entre o país em análise e os outros estados participantes na RPU. A revisão deve concentrar-se nos principais problemas de direitos humanos desse país e os estados participantes devem fazer recomendações precisas e mensuráveis para dar resposta aos mesmos e reforçar os direitos humanos de que desfrutam todos os seus cidadãos.

Pode encontrar mais informação sobre a situação dos direitos humanos em Angola, incluindo a apresentação da Amnistia Internacional à RPU em: www.amnesty.org

FIM/


Documento Público
International Secretariat, Amnesty International, 1 Easton St., London WC1X 0DW, Reino Unido www.amnesty.org

****************************************
http://www.amnesty.org/en/library/info/AFR12/003/2010/en

A CORRUPÇÃO NA SOCIEDADE ANGOLANA

A CORRUPÇÃO NA SOCIEDADE ANGOLANA
Carlos Figueiredo no Quintas de Debate, Lobito, 10 de Dezembro 2009

Introdução
Este texto é uma adaptação de uma comunicação, feita no âmbito do ciclo de debates organizado pelo Omunga. Este debate ocorreu no Quintas de Debate do dia 10 de Dezembro, e tratou da corrupção em Angola. Tema bastante actual, estando a corrupção entre os maiores desafios que a sociedade angolana enfrenta. Desafio tão grave que o próprio Presidente da República tem nos últimos tempos falado repetidamente sobre o assunto de forma particularmente firme. Mas, pode-se dizer que falar é pouco mesmo que seja um bom ponto de partida. Pode mesmo dizer-se que, embora seja pouco, é melhor falar sobre o assunto do que ocultá-lo. Um exemplo da limitação das palavras é termos andado décadas a dizer, entre outras coisas, que “o mais importante é resolver os problemas do povo” ou que “devemos dar às crianças tudo o que elas merecem” num período em que o nosso povo foi empobrecendo e chegámos a valores de mortalidade infantil que estão entre os mais elevados do mundo. Por outro lado é importante reconhecer o valor da mais alta autoridade do país falar claramente de problemas graves e que afligem tanta gente, como a corrupção e a pobreza. Marca uma diferença em relação aos que acusam quem fala de pobreza em Angola de estar a denegrir a imagem do país ou de estar a ampliar problemas menores.

Falar é importante e útil pois dá-nos depois a possibilidade de sermos exigentes em pedir contas e coerência entre o que se diz e o que se pratica. É pois importante sermos depois exigentes como indivíduos, mas também, utilizando os grupos de que façamos parte. As instituições que nos permitem exigir contas e coerência poderão ser um poderoso instrumento neste domínio. Para isso devemos desenvolver tais instituições e a nossa capacidade para as usarmos e vencer o medo e o conformismo em relação ao que está mal, tanto no nível global como no nível local. Por exemplo, ao nível das escolas, poderá ser útil debater sobre a corrupção e os custos que ela acarreta mas fundamental é termos a capacidade de reagir com firmeza aos comportamentos corruptos. É muito importante não deixar impunes estes tipos de comportamento pois deixar impunes os casos de pequena corrupção acaba por contribuir para a criação de uma cultura onde também se tolera a impunidade da grande corrupção. É irrealista pois pensar que conseguiremos exigir de quem é poderoso um rigor e respeito pelas regras que não somos capazes de exigir de todos os outros.

Na abordagem do tema, que se segue, incluiu-se uma (1) introdução sobre as diferentes perspectivas sobre a corrupção, assim com diferentes escalas em que ela actua, uma (2) discussão sobre algumas possíveis raízes do problema, entre nós, seguido de uma exploração sobre (3) algumas das consequências e terminando-se com um convite ao debate sobre (4) possíveis pistas para a acção futura.

A corrupção e as diferentes escalas em que actua
Resumidamente consideraremos, para efeitos deste debate, como corrupção o abuso de um posto ou posição para proveito próprio indevido. O posto ou posição que é aqui referido não inclui apenas o exercício de funções no aparelho do estado e estendendo-se portanto a posições no sector privado ou em organizações da sociedade civil. Estamos assim a excluir, por exemplo, a corrupção no seio das relações dentro da família.

É comum fazer uma distinção entre:
• a pequena corrupção, aquela que afecta essencialmente indivíduos e que envolve geralmente pequenos montantes, da
• grande corrupção a que envolve grandes somas e é normalmente feita através de instituições. Pode beneficiar poucos indivíduos mas geralmente afecta um elevado número de pessoas e pode até afectar toda uma região ou país.

É de realçar que ambos os tipos penalizam especialmente os pobres. Mas o primeiro tipo é aquele que, de forma directa mais afecta os pobres, por serem aqueles que, como indivíduos, estão normalmente mais desprotegidos e vulneráveis e que, por isso, com mais dificuldades em negociarem os seus interesses. Na interacção com os serviços de saúde, de educação ou outros, as pessoas mais pobres encontram-se geralmente numa posição mais débil para exigirem os seus direitos. Este tipo de corrupção tem muitas vezes raízes numa incapacidade dos próprios funcionários que prestam serviços ao público em lutarem pelos seus direitos (salários mais altos ou melhores condições laborais), optando por transferir extorquir dos mais fracos os recursos que não se exigem do empregador.

A grande corrupção está muitas vezes estreitamente ligada com o exercício do poder político e com a gestão dos interesses do Estado e dos recursos públicos. Mas fenómeno não se limita, infelizmente, ao sector público, sendo também comum no funcionamento do sector privado e até de organizações da sociedade civil – apesar desta ter um discurso de denúncia da corrupção.

Os políticos tentarem manter o poder, ou fazerem promessas (muitas vezes exageradas) em período de campanha, é algo comum e não deve ser misturado, linearmente, com o fenómeno da corrupção. Mas, é claro que num ambiente onde a corrupção seja regra e onde os detentores do poder político enriqueçam rapidamente, e sem controlo pela sociedade, o incentivo para se lutar pela manutenção do poder político a todo o custo é bem maior. Pelo contrário, quanto mais forte for a sociedade, e o controlo social sobre os poderosos, maior é o risco dos líderes corruptos perderem o poder e a riqueza que conseguida ilicitamente. Por isso há sempre uma tensão entre o reforço da sociedade (dos mecanismos de controlo social) e envolvimento dos cidadãos no controlo do jogo político, por um lado, e a corrupção por outro.

Duas perspectivas podem ser adoptadas no combate à corrupção: (1) uma a que poderemos chamar de mais moralista onde o combate se faz a partir do reconhecimento de que a corrupção é algo de errado e (2) uma outra a que chamaremos de “pragmática”, que assenta no reconhecimento dos custos da corrupção, e da perda global para a sociedade que dela resulta. Perda incomparavelmente maior do que os benefícios que alguns retiram dela. Ou seja, nesta segunda perspectiva, a preocupação central é o da corrupção ser um factor de empobrecimento colectivo.

Algumas das raízes da nossa corrupção
A corrupção entre nós tem raízes profundas e não pode ser explicada apenas pela existência de indivíduos imorais e que tendem a apropriar-se do que não é seu. Uma dessas raízes reside na natureza do estado colonial e da sua transição, geralmente mal conseguida, com as independências. O estado colonial é repressivo e explorador, sendo um instrumento de extracção de riqueza de um país para outro. Assim, a maioria da população colonizada desenvolver a ideia de que o estado não é algo de seu, mas algo que serve para explorar. Ou seja, é muito frequente nos países colonizados que o estado seja entendido, correctamente, como um instrumento de exploração pela potência colonial. Infelizmente, os que tomam o controlo do estado após as lutas de libertação, preservam frequentemente a lógica de funcionamento desse mesmo estado – a lógica repressiva e de extracção de riqueza da grande maioria da população ou os recursos naturais do país para benefício de uma minoria que controla esse estado. Isto não é um problema específico de Angola, afectando muitos países descolonizados onde o exercício do poder resulta essencialmente em proveito dos que o exercem. Os enormes benefícios materiais que daí se retiram resultam, logicamente, numa luta pela manutenção desse poder, se necessário a qualquer custo. Cria-se assim um ciclo vicioso de luta pelo poder político como forma de enriquecimento e luta pela consolidação do poder como forma de se proteger a riqueza que se acumulou. A promoção do culto da personalidade não é senão uma das várias técnicas vulgarmente utilizadas para essa consolidação.

Em Angola, podem ser identificados traços do que se descreve aqui. A guerra civil, um dos aspectos dessa luta pelo poder, trouxe também para o espaço público o argumento da força como argumento decisivo, o que contribuiu para moldar a nossa maneira de gerir as relações sociais e os bens públicos. Ao longo do período de guerra civil assistimos também a um enfraquecimento ou distorção das instituições de controlo social (tribunais, polícias judiciárias, parlamento, associações de cidadãos, etc) sendo todas elas afectadas pela lógica da violência. O ambiente de guerra, escassez e centralização contribuiu para a perversão das instituições públicas. Assistimos ao enriquecimento acelerado das pessoas com funções de controlo logístico tanto no sector militar como no civil. A escassez de recursos facilitou a instalação de uma lógica de compadrio que se foi aprofundando. Quem tinha controlo dos recursos, desenvolveu um poder para atrair “amizades” e “fidelidades”. Um poder que permitia distribuir favores – muitas vezes sob a forma de cartões para autorizar o levantamento de produtos em armazéns ou lojas. Mesmo a aproximação aos partidos políticos foi profundamente afectada por esta lógica. Tanto nas zonas controladas pelo MPLA como nas zonas controladas pela UNITA o acesso a recursos e a uma carreira, foi estreitamente afectado pelo nível de “fidelidade” no partido. É praticamente inevitável que este tipo de lógica se instale numa sociedade onde um grupo desenvolva um sistema de controlo sobre os recursos, num ambiente de escassez. A enorme riqueza gerada pela exploração e controlo de recursos minerais como o petróleo e os diamantes deu a alguns o poder de controlar a sociedade, através da distribuição de favores e do acesso a uma parte daquela riqueza.

Uma importante dimensão do poder dos que controlam a riqueza e as instituições de um país é a de servirem de padrão que passa a ser imitado e invejado por muitos. Só uma minoria da sociedade não cede a esta tentação de imitar os poderosos, mesmo nos seus defeitos. E vai-se assim sofrendo uma progressiva democratização da corrupção. Pronunciamentos públicos de alguns altos funcionários - “o cabrito come onde está amarrado” ou “ninguém vive do salário” - exprimiu e encorajou de forma concisa esta evolução. Assim, quem trabalhe numa escola, pode cobrar uma “taxa” pelas matrículas ou pelos resultados, quem for enfermeiro pode cobrar pelos medicamentos que são do hospital, quem for polícia cobrará para não passar a multa, etc. Ou seja, aquilo que poderia inicialmente ser prática de apenas alguns, passou a ser progressivamente comum a muitos e até a ser visto como regra.

A partir de determinada altura todos passamos, em maior ou menor grau, a ter uma certo nível de cumplicidade com um funcionamento corrupto da sociedade, por vezes corrompendo outras sendo corrompido. Esta cultura poderá estar profundamente enraizada e que não a conseguiremos corrigir apenas com pronunciamentos públicos – sejam eles de membros da sociedade civil sejam mesmo de alguém tão poderoso como o Presidente da República e do maior partido político do país. Algo que se foi ramificando e enraizando na sociedade levará tempo, coragem e sofisticação para ser eliminado ou enfraquecido.

Algumas consequências
Várias são as consequências da corrupção entre nós. Uma das mais graves é a pobreza que afecta pelo menos seis em cada dez angolanos, (ver pronunciamentos recentes do Presidente da República *). Estes números são reveladores de uma catástrofe social que está directamente relacionada com os valores astronómicos de fortunas acumuladas por alguns, poucos, à custa de recursos públicos.

Há vários anos que a economia Angola tem crescido de forma espectacular no entanto não há evidências da pobreza estar a diminuir ao mesmo ritmo. Há anos atrás, e como consequência do aumento dos preços do petróleo, ocorreu um aumento global dos preços dos alimentos. Muito provavelmente alguns angolanos ficaram com uma parte importante dos benefícios do aumento do preço do petróleo e outros sofreram os encargos do aumento do custo dos alimentos.

Uma outra consequência da corrupção é a atrofia da qualidade e abrangência dos serviços e a ineficiência da economia. Tanto os serviços públicos básicos (ensino, saúde, etc) como serviços fundamentais para economia (água, luz, transportes e telecomunicações, etc) são afectados no seu funcionamento e desenvolvimento, tanto pela pequena como pela grande corrupção. Isto tem um custo sobre a qualidade dos serviços oferecidos e portanto para a qualidade de vida no país, mas também um custo económico que se reflecte na ineficiência da economia e no preço de todos os serviços. Várias são as formas como a corrupção actua, neste domínio. Investimentos que não são feitos integralmente, comissões indevidas pagas a quem toma decisões, contratos que não são concedidos a quem tem mais mérito, leis que são aplicadas de forma discricionária, cobranças que são feitas indevidamente, são alguns dos mecanismos amplamente conhecidos e referidos. Mas, infelizmente, pouco estudados e documentados.

A última consequência que será aqui referida é talvez a que tem resultados mais profundos, por contribuir para a perpetuação de uma forma corrupta de agir: a criação de uma rede de lealdades na base de favores ou da expectativa de se ser incluído na partilha do espólio que resulta da delapidação do património comum. A criação de uma cultura de cumplicidades e de se premiar a fidelidade e submissão em vez do mérito.

Como agir perante este panorama?
Aumentar o conhecimento e a consciência sobre a corrupção
Sendo a corrupção um fenómeno complexo, diversificado e provavelmente, enraizado na sociedade, é importante melhorarmos o nosso conhecimento sobre ele. Caracterizar, medir e entender o que acontece, e como funciona será importante para ganharmos consciência individual e colectiva sobre o papel de todos e de cada um para manutenção e reprodução da corrupção. Ou para o seu combate. Para isso é necessário aumentar as iniciativas de produção de conhecimento sobre a corrupção, conhecimento que possa servir de base para a acção. Algumas abordagens comuns são, (1) o estudo do funcionamento dos sistemas que combatem ou previnem a corrupção - se os sistemas existem e em que medida são funcionais; (2) o estudo das percepções sobre corrupção - o que as pessoas entendem que é a corrupção, as suas causas e tendências, as medidas a tomar, etc e; (3) estudos de caso, documentando histórias reais que podem ser ilustrativas das práticas e formas de actuar. Este tipo de conhecimento pode ser produzido por universidades, instituições públicas especializadas ou organizações da sociedade civil.

Construir, pela prática, uma cultura alternativa
Começar pela nossa própria casa, família e locais onde trabalhamos. Praticarmos e exigirmos mudanças junto dos que nos rodeiam. É evidente que todos devemos ter consciência que uma tal prática e atitude poderá resultar em custos em termos de carreira e do acesso fácil a recursos muitas vezes distribuídos para comprar consciências e fidelidades. Por isso, é importante reconhecer que a construção de uma cultura alternativa que altere a situação actual exige investimento individual e colectivo. Um dos elementos práticos de tal investimento é submetermo-nos contribuirmos para a criação de sistemas de controlo que promovam a transparência na gestão de bens e interesses colectivos. Ou seja, mesmo que aguardemos dos indivíduos uma atitude moral, devemos promover que sistemas que desencorajem e detectem as atitudes corruptas e imorais.

Criar e promover o respeito pelos sistemas de controlo que previnam e combatam a corrupção
Isto exigirá a busca de alianças que ultrapassem as fronteiras partidárias. Alianças para conseguir legislação e medidas para que ganhem força leis e medidas para prevenir e combater a corrupção. Para isso devemos saber reconhecer que em todos os partidos e organizações há pessoas íntegras e que gostariam de ver o país a funcionar de forma diferente. Mas que também em todos os partidos há os que estão mais preocupados em aproveitar as oportunidades para se apropriarem indevidamente da riqueza comum (uns que aproveitam já e outros buscam a possibilidade de se colocarem nessa posição). Aprendermos a valorizar e premiar a integridade, mesmo quando a reconhecermos nos nossos adversários políticos. Defender e promover um sentido de justiça e fidelidade e princípios, acima do sentido de lealdade cega ao “nosso grupo” que é agora tão comum. Isto exigirá que se vença o medo de tomar posição mesmo que seja contra o “nosso grupo”. Há agora menos medo físico (ser morto, ser espancado), em comparação com o tempo da guerra.

Alguns destes sistemas deverão promover em paralelo a capacidade do estado e dos cidadãos para lutarem contra a corrupção:
• O reforço dos tribunais e da polícia para funcionarem de forma autónoma do poder político em defesa das leis. A capacidade destes órgãos para lidar com a grande corrupção (o chamado crime de colarinho branco) é fundamental para combater o fenómeno.

• O cumprimento do espírito da lei que cria os Conselhos de Auscultação e Concertação Social a nível de comuna, município e província. A lei prevê que estes órgãos analisem planos e orçamentos bem como os relatórios de exercício dos níveis respectivos, antes da sua aprovação. Estes conselhos devem reunir-se trimestralmente e contar com a presença de representantes da sociedade civil, empresariado, autoridades tradicionais e igrejas. Fazer com que estes órgãos funcionem poderá ser importante para prevenir alguma da corrupção.

Assim, para combater a corrupção generalizada é necessário trabalhar a par na sua prevenção e na repressão, necessitando-se para isso do esforço conjunto da sociedade civil e das instituições do estado.
* - Os últimos estudos publicados referiam que de cada dez angolanos cerca de 7 eram pobres, dos quais 2 viviam em pobreza extrema.