10/09/2011

BBC: Quem não quer largar o poder fala português

Angola, com líder mais longevo da África, tem 25 mil profissionais brasileiros
João Fellet
Da BBC Brasil em Brasília*
Atualizado em 9 de setembro, 2011 - 07:52 (Brasília) 10:52 GMT
Facebook Twitter ShareEnviar a página Versão para impressão .



Santos é remanescente dos 'big men' que controlavam parte da África até dez anos atrás.
Com a saída de cena do coronel Muamar Khadafi na Líbia, o líder africano há mais tempo no poder agora fala português.

Presidente de Angola desde 1979, quatro anos após o país tornar-se independente de Portugal, José Eduardo dos Santos, 69 anos, chegou ao cargo no mesmo ano em que o guinéu-equatoriano Teodoro Nguema e um ano antes que o zimbabuano Robert Mugabe.

Os três são remanescentes dos big men ("grandes homens", em inglês), como foram apelidados os vários longevos mandatários que controlavam grande parte da África até uma década atrás.

Nas ruas de Luanda, a capital angolana, retratos do presidente – a quem seus seguidores se referem como "Mais Velho" – ilustram numerosos outdoors, pôsteres e adesivos colados em carros de militantes do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), o partido no poder desde a fundação do país.

O culto à personalidade do líder também é exercido pelos meios de comunicação oficiais: basta que o presidente receba algum visitante em seu palácio – mesmo que um empresário ou um músico estrangeiro em turnê pelo país – que o encontro pode se tornar a manchete do Jornal de Angola, único diário com alcance nacional.

Mas as manifestações recentes que levaram à queda de três big men africanos – Khadafi na Líbia, Zine al-Abidine Ben Ali na Tunísia e Hosni Mubarak no Egito – agora ameaçam atravessar o Saara e chegar a Angola.

Protestos

Inspirados pela Primavera Árabe, jovens angolanos têm organizado protestos para exigir abertura democrática e o fim dos 32 anos de mandato do presidente.

Eles afirmam que as vastas riquezas naturais do país (Angola é a segunda maior exportadora de petróleo da África Subsaariana) têm enriquecido apenas uma elite ligada ao governo, ao passo que a grande maioria da população continua à margem do progresso.

A primeira manifestação, em março, resultou na prisão de 17 pessoas, das quais quatro eram jornalistas que cobriam o evento.

A segunda, no último sábado, reuniu algumas centenas de manifestantes e terminou, de acordo com ativistas, com a prisão de 50 pessoas, algumas das quais ainda não foram localizadas por suas famílias.

Há ainda relatos de torturas sofridas pelos manifestantes, bem como agressões e confisco de equipamento de jornalistas.

Já a polícia angolana diz que prendeu 24 manifestantes que perturbavam a ordem pública e atiravam garrafas contra os policiais.

Desde então, os manifestantes têm protestado quase que diariamente pela soltura dos detidos, e a polícia tem efetuado novas prisões.

Guerra civil

Após as manifestações de março, em discurso ao comitê central do partido governista em abril, o presidente classificou os manifestantes de "oportunistas, intriguistas e demagogos" que querem levar a Angola "uma certa confusão que há em outras partes da África".

Segundo ele, a intenção do grupo é "colocar fantoches no poder que obedeçam à vontade de potências estrangeiras, que querem voltar a pilhar as nossas riquezas e fazer-nos voltar à miséria de que nos estamos a libertar com muito sacrifício".

"Temos de ser mais ativos do que eles para vencermos a batalha da comunicação da verdade", disse ele a seus seguidores.

Nesta "batalha da comunicação", o presidente conta com expertise do Brasil. Publicitários brasileiros assessoraram o MPLA nas eleições legislativas de 2008, as primeiras desde o fim da guerra civil.

Com intensa campanha nos veículos oficiais, o partido obteve mais de 80% dos votos e mudou a Constituição, pondo fim às eleições diretas para presidente e extinguindo o cargo de primeiro-ministro.

Agora, a Carta determina que o partido mais votado nas eleições legislativas (as próximas serão em 2012) deve indicar o presidente, regra que, especula-se, abriria o caminho a outro mandato de José Eduardo dos Santos.

Comunidade brasileira

Mas a presença de brasileiros em Angola não se limita a publicitários e assessores de comunicação: seguindo os passos da Odebrecht, que durante a guerra civil participou da construção da principal hidrelétrica angolana, empreiteiras como Camargo Correia, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão firmaram nos últimos anos vultosos contratos para a execução de obras públicas em Angola, cuja infraestrutura foi arrasada pelos 27 anos de conflito.

E como faltam trabalhadores qualificados no país, as empresas recorrem a profissionais brasileiros para tocar os empreendimentos – segundo a Associação dos Empresários e Executivos Brasileiros em Angola (Aebran), há até 25 mil deles no país.

Essas empresas, contudo, tornaram-se alvo de parte dos ativistas contrários ao governo, que as consideram cúmplices da corrupção e do desvio de verbas públicas.

Por sua vez, as construtoras negam qualquer malfeito e dizem contribuir com o desenvolvimento do país.

"Há três países recipientes da corrupção em Angola: Portugal, Brasil e China. Grande parte do dinheiro roubado em Angola é investido nesses países", diz o jornalista Rafael Marques de Morais, um dos maiores críticos de José Eduardo dos Santos.

Segundo Morais, que acaba de lançar em Portugal Diamantes de Sangue – livro em que relata atrocidades cometidas por forças de segurança angolanas em áreas diamantíferas –, as riquezas do país fazem com que os governos estrangeiros ignorem os desmandos do presidente.

Ele diz, no entanto, que seu mandato está chegando ao fim.

"Os angolanos praticamente já perderam o respeito pelo presidente. E quando deixam de respeitar e temer um líder, quando passam a se manifestar abertamente por sua saída, mesmo que sejam 200 ou 300, haverá um contágio inevitável do resto da sociedade."

* João Fellet morou em Angola entre 2008 e 2009, quando trabalhou na implantação do Jornal de Economia & Finanças, e é autor do livro Candongueiro, no qual descreve suas experiências na África.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/09/110908_angola_presidente_jf.shtml

09/09/2011

Deutshe Welle entrevista jornalista e analista Orlando Castro

Luanda, a capital angolana, foi palco de uma manifestação no último sábado. Analistas acreditam que outras se poderão seguir
"Governo de Angola pretende eliminar todos os focos que constituam uma ameaça à sua existência", diz o analista Orlando Castro. Daí que a polícia tenha usado força excessiva contra manifestantes no protesto deste sábado.

A Deutsche Welle entrevistou o jornalista e analista luso-angolano sobre a atuação da polícia em relação à manifestação contra o Governo do Presidente José Eduardo dos Santos.

Deutsche Welle: O que terá levado a polícia a reprimir violentamente os manifestantes?
Orlando Castro
: Quanto a mim, a repressão deveu-se ao temor que o regime tem de que os exemplos da Tunísia, do Egito e da Líbia possam ser transportados para Angola. É um receio legítimo por parte de um regime autoritário que quer de uma forma irracional e muito pouco democrática cercear o direito à livre expressão que os povos têm ou deveriam ter. E por isso, tendo uma situação similar, o Governo procurou cortar pela raiz tudo quanto lhe pareça poder vir a criar problemas.
DW: O número de detidos divulgado pela polícia não coincide com o divulgado por testemunhas oculares na manifestação. Acha que existe alguma má intenção da polícia em relação aos detidos?
OC: Na minha opinião, existe uma má intenção, uma premeditação e toda uma estratégia de repressão, quer a nível da polícia fardada, quer ao nível da polícia secreta de Angola que estava à civil e que foi para a manifestação provocar os manifestantes de modo a que pudessem implementar a repressão. A polícia provoca os manifestantes e depois leva-os a julgamento e o único ato ilícito que os manifestantes cometeram foi julgarem que poderiam dizer o que pensam. Mas como o regime só permite que se diga o que o regime pensa, os manifestantes estão condenados a sempre que saírem à rua, terem a força repressora do regime em cima deles.
DW: Os jornalista também não foram poupados pela polícia. No caso de jornalistas estrangeiros ou que trabalham para órgãos estrangeiros, o gesto pode ser interpretado como um aviso de não intromissão?
OC
: O gesto pode e deve ser entendido como uma aviso de que o regime não permite que a comunicação social diga o que lá se passa, porque mesmo que os jornalistas não estejam no local, acabam por saber o que lá acontece. O regime ainda não percebeu isso, tem todas as características de uma ditadura do estilo “eu quero, posso e mando”, eles avisam os jornalistas desta forma, mas mesmo jornalistas estrangeiros para entrarem no país, são poucos os que vão.
DW: E depois desta repressão da polícia, acredita que haverá mais contestações em Luanda?
OC
: As contestações vão passar a acontecer de uma forma mais regular, se bem que a juventude e a oposição estão a ver que a solução, por aí, não vai a lado nenhum, porque a força repressora do regime é muito grande. Mas é óbvio que a repressão que o regime levou a cabo desta vez, e das outras, mostra que o MPLA, o partido no poder, está com medo. E isso dá força para que a população entenda que através das redes sociais ou de outras formas a população entenda, com toda a legitimidade, que deve vir para a rua manifestar-se, embora saiba à partida que está sujeita a ser castigada e eventualmente a ser morta.
Autora: Nádia Issufo
Edição: Marta Barroso

VOZ DA AMÉRICA DEPLORA AGRESSÃO CONTRA JORNALISTA

Comunicado da Direcção da Voz da América

A Voz da América deplora a agressão de que foi alvo um dos seus jornalistas, no sábado, quando efectuava a cobertura da manifestação pró-democracia em Luanda.
Perante a passividade de agentes em uniforme, Alexandre Neto foi agredido e parte do seu equipamento de trabalho e objectos pessoais confiscados por homens que aparentavam ser agentes à paisana.
Neto foi atingido na cabeça quando resistiu a que lhe retirassem um gravador e uma máquina fotográfica. Outros jornalistas no local, também foram impedidos de fazer o seu trabalho.
Os incidentes tiveram início quando os manifestantes pró-democracia tentaram sair do largo onde se encontravam para se dirigirem ao palácio presidencial.
Alexandre Neto conseguiu reter algumas das fotografias que tirou durante a manifestação, uma das quais mostra um manifestante com ferimentos na cabeça sofridos durante os confrontos com a polícia.
A Voz da América exorta as autoridades angolanas a respeitarem os direitos dos jornalistas e a garantirem que não são agredidos durante o exercício das suas funções.
O incidente de sábado é um de vários casos de tentativas de intimidação de jornalistas que trabalham opera a Voz da América em Angola e a segunda vez que a polícia tenta confiscar equipamento fotográfico a Alexandre Neto.
José Manuel, em Cabinda, foi recentemente ameaçado com um processo por ter noticiado confrontos entre a polícia e jovens, durante a visita de uma delegação da União Europeia a Cabinda.
Armando Chicoca, no Namibe, esteve detido 30 dias por ter noticiado o processo por assédio sexual movido contra o juíz presidente do tribunal provincial por uma empregada deste.
Armando Chicoca recorreu da condenação por difamação.
Alexandre Neto esteve detido numa esquadra da polícia em Luanda, no mês passado após ter feito a reportagem de um evento relacionado com a manifestação prevista para 3 de Setembro. Durante a detenção a polícia exigiu-lhe que entregasse as fotografias do evento.


Washington, D.C., 7 de Setembro de 2011

APELO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL

APELO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DEFENSORAS DOS DIREITOS HUMANOS
E SUBSCRITORAS DA TOMADA DE POSIÇÃO SOBRE A AGRESSÃO E DETENÇÃO DOS
MANIFESTANTES DE 3 DE SETEMBRO

Luanda 07 de Setembro de 2011

As Organizações da Sociedade Civil Defensoras dos Direitos Humanos e subscritoras da tomada de posição sobre a agressão e detenção dos manifestantes do dia 3 de Setembro, constataram com preocupação o estado degradante e desumano em que se apresentaram ao tribunal alguns dos detidos da manifestação de 3 de Setembro, que mostravam sinais visíveis de tortura de que foram vítimas.
Deploram igualmente que até ao momento a polícia nacional não tenha divulgado uma lista com os nomes de todos os detidos no dia 3 de Setembro. Ao que acresce o facto de a polícia ter divulgado a detenção de 24 pessoas tendo sido presente a tribunal apenas 21 detidos.
Neste contexto, as organizações apelam para o seguinte:
1. Que a polícia nacional divulgue, com carácter de urgência, a lista de todas as pessoas detidas durante e depois da manifestação, uma vez que alguma famílias continua a procura dos seus familiares;
2. Aos órgãos de justiça para que as decisões sejam tomadas com base na Constituição, leis ordinárias e tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados por Angola e não com base em critérios políticos ou de conveniência pessoal;
3. Que seja desencadeada uma investigação para se apurar responsabilidades criminais e disciplinares pelo uso excessivo e desproporcional da força, por parte de agentes da polícia nacional, contra os manifestantes.
As organizações,
Associação Justiça Paz e Democracia (AJPD): António Ventura
Associação OMUNGA: José Patrocinio
Associação Construindo Comunidades (ACC): Francisco Domingos Fingo
Associação AJUDECA: Manuel Pembele Mfulutoma
Associação VAPA: Jeremias Pambassangue
Associação CMDI: Simão Yakitengue
Associação SOS Habitat: Rafael Morais
Plataforma de Mulher em Acção: Verónica Sapalo
Conselho de Coordenação dos Direitos Humanos (CCDH): Francisco Tunga Alberto
Associação SCARJOV: Simão Cacumba
Associação Mãos Livres: Salvador Freire dos Santos
Fundação Open Society - Angola (FOS-A): Elias Mateus Isaac
Centro Nacional de Aconselhamento (NCC): Reis Luís
Sindicato Nacional de Professores (SINPROF): Manuel Victória Pereira

07/09/2011

JORNALISTAS ATACADOS ENQUANTO COBRIAM PROTESTO EM ANGOLA (CPJ)

PORTUGUÊS VERSÃO DO comunicado de imprensa do 06 de setembro de CPJ
Comité para a Protecção dos Jornalistas
330 Seventh Avenue, New York, NY 10001 Phone: (212) 465-1004 Fax: (212) 465-9568 Web: www.cpj.org

Jornalistas atacados enquanto cobriam protesto em Angola


Nova York, 6 de setembro de 2011 – As forças de segurança angolana atacaram jornalistas que, no sábado, cobriam um protesto contra o governo na capital, Luanda, segundo reportagens da imprensa. Ao menos duas dezenas de pessoas foram presas e várias outras ficaram feridas, enquanto a polícia atribuiu a violência aos manifestantes.

As forças de segurança agrediram vários jornalistas durante os protestos no Largo da Independência em Luanda. Os jornalistas que disseram ter sofrido agressões foram identificados como Alexandre Neto, correspondente local da emissora financiada pelo governo norte-americano Voz da América, os cinegrafistas Hugo Ernesto e Nicolau Chimbila da emissora portuguesa RTP, e os repórteres Coque Mukuta da Rádio Despertar e Ana Margoso do Novo Jornal. A emissora estatal angolana TPA também relatou que sua equipe de profissionais foi atacada, supostamente por manifestantes, de acordo com relatos da imprensa.

Neto disse ao CPJ que policiais e homens não identificados a paisana o derrubaram e pegaram sua mochila, com seu celular, câmera, passaporte e carteira de motorista. Os itens não foram devolvidos, segundo jornalistas locais. A RTP transmitiu cenas de um homem não identificado em trajes civis atacando uma de suas câmeras e derrubando um membro de sua equipe. O responsável pelo escritório da RTP em Luanda, Paulo Catarro, informou que uma das câmeras da emissora foi quebrada.

Agentes de segurança também atacaram o jornalista português António Cascais, que estava conduzindo um treinamento de jornalismo em Angola, quando ele deixou o hotel para caminhar em direção ao protesto, informou a imprensa. Os agentes jogaram Cascais no chão, revistaram seus bolsos e confiscaram uma câmera digital e dois telefones, disseram jornalistas locais.

“Condenamos o uso de violência e da intimidação pelas forças de segurança para impedir os jornalistas de cobrir os protestos contra o governo”, declarou o coordenador de defesa dos jornalistas da África no CPJ, Mohamed Keita. “As autoridades devem devolver todo o material jornalístico confiscado e indenizar os danos aos equipamentos. Também devem fazer com que os responsáveis pela violência contra a imprensa prestem contas”.

Algumas centenas de manifestantes se reuniram para pedir que o presidente José Eduardo dos Santos renuncie depois de 32 anos de governo, segundo informes da imprensa. A polícia e agressores não identificados começaram a agredir os participantes depois que um grupo de manifestantes tentou marchar em direção ao palácio presidencial para exigir a libertação de Pandito Nerú, um de seus líderes, que havia sido raptado sob a mira de armas mais cedo naquele dia pelas forças de segurança.

O protesto de sábado foi ao menos a segunda ocasião, desde março, que autoridades angolanas tentaram impedir que jornalistas cobrissem protestos públicos que pedem reformas democráticas e econômicas, segundo a pesquisa do CPJ.

http://www.cpj.org/pt/2011/09/jornalistas-atacados-enquanto-cobriam-protesto-em.php

O CPJ é uma organização independente sem fins lucrativos sediada em Nova York, e se dedica a defender a liberdade de imprensa em todo o mundo.