Manuel Teixeira (AMOTRANG Benguela) e José Patrocínio (OMUNGA) na conversa na Rádio Mais Lobito
POLÍCIA NACIONAL VS MOTOQUEIROS
Lob, 21/07/18
Na manhã de
sexta-feira 20, a OMUNGA foi convidade a participar numa conversa na Rádio Mais
no Lobito para se falar sobre os acontecimentos ocorridos nesta semana em
Benguela que envolveram os agentes da Polícia Nacional e os moto-taxistas.
Estiveram presentes também o secretário provincial de Benguela da associação
AMOTRANG, Manuel Teixeira e o delegado municipal do Lobito da AMOTRANG, Afonso
Chadro.
A problemática dos
moto-táxis (motoqueiros ou kupapatas) começa já a ser visível um pouco por todo
o país. O caso mais sério ocorreu em Malanje a 4 de Abril, onde moto-táxistas
chegaram a apedrejar a comitiva do Vice-presidente Bornito de Sousa. Outro caso
recente ocorreu na segunda e terça-feira (16 e 17) na cidade de Benguela, com bloqueios
de ruas com barricadas feitas de pneus em chamas e lançamento de cockail
molotoff contra viaturas da polícia (segundo o porta-voz da Polícia Nacional) e
por outro lado um enorme contigente policial que disparou contra os
manifestantes gás lacrimogéneo, tendo afectado pelo menos 5 crianças de uma
escola.
Por um lado, milhares
e milhares de jovens (se não quisermos dizer mesmo milhões em todo o país)
encontraram na actividade de moto-táxi uma solução para o desemprego. Esta
actividade surgiu há alguns anos aproveitando a ausência dos transportes
públicos e foi crescendo em todo o país, aos olhos de todos, de alguma maneira
desordenada. É uma actividade informal não legislada. Esta actividade é desenvolvida
com meios próprios ou com meios de outrém que recebe também uma percentagem
deste negócio.
Por outro lado, está
a Polícia Nacional (PN) e as entidades governativas locais que justificam a
necessidade da sua intervenção tomando em conta, precisamente a falta de
legalidade desta actividade, a possibilidade de que muitas motas e motorizadas
furtadas venham a integrar esta actividade, o caos rodoviário, a elevada taxa
de acidentes e da mortalidade provocada pelos acidentes das moto-táxis, a
ilegalidade dos meios e dos seus utentes (falta de documentos), a falta de
condições das motorizadas e motos utilizadas nesta actividade e a falta de
habilidades de condução de muitos moto-táxistas.
Em relação aos
moto-taxistas, em algumas áreas, organizaram-se em associações que de alguma
forma têm servido de porta-vozes junto das entidades públicas e merecem algum
reconhecimento por parte das mesmas.
Deve-se reconhecer
que desta relação entre associações e entidades públicas, nomeadamente a PN,
algumas iniciativas interessantes foram realizadas. No entanto não existe articulação
entre as mesmas e nem continuidade. Não existe portanto realmente uma política
pública, a nível local que tente trazer uma solução para o problema.
O que as entidades
governativas locais não querem tomar em consideração é o facto de que a
corrupção e o compadrio são os principais responsáveis por se ter chegado a
esta situação.
Tanto em Malanje,
como em Benguela, a ponta do iceberg do problema são as acções repressivas por
parte da PN contra os moto-táxistas nos centros das cidades, impedindo que os
mesmos cheguem às zonas do asfalto.
Embora se reconheça
que tem havido encontros entre as entigades governativas locais, nomeadamente a
PN e as associações dos moto-táxistas, não podem ser considerados que os mesmos
sejam um verdadeiro diálogo e criado um clima de confiança entre todas as
partes.
Devemos recordar que
durante longos anos tem havido acções policiais como operações stop, que têm
apreendido milhares destas motorizadas e motos. Infelizmente, não têm mudado o
quadro e isso deve ser reflectido pelas entidades governativas, tentando
entender o porquê(?). Umas, os seus proprietários pagam os valores
estabelecidos e podem ver a sua moto restituída. Outras, os seus proprietários
ou utentes, fazem pagamentos ilegais ou utilizam o compadrio para reverem as
mesmas. Ainda outras, ficam entre os próprios polícias. Por último, as demais,
são vendidas na base de leilão, nas condições em que se encontram, quer em
condições funcionais, quer em condições legais/documentais.
Podemos facilmente
perceber então que a maioria das motorizadas e motos apreendidas ao longo
destes anos voltam de alguma forma ao circuito do moto-taxismo, na maioria das
vezes de forma ilegal e mantendo a ilegalidade que possa ter estado na razão da
sua detenção.
Por outro lado,
existem acções políticas que estimulam este status quo. Uma, por exemplo, é o
facto de que durante as campanhas eleitoralistas, partidos há que se esforçam
em mobilizar votos fazendo doações de milhares destes veículos. Ainda durante
as mesmas campanhas eleitoralistas, milhares destes moto-taxistas são
utilizados durante as mesmas. Estas acções legitimam de alguma maneira esta
situação já que os moto-táxistas se sentem estimulados e protegidos para se
manterem a desenvolver a sua actividade nos moldes em que a tem vindo a
praticar. Outra questão que deve ser considerada neste ponto prende-se com o
facto de que as acções repressivas contra os moto-taxistas apenas se prende às
zonas do asfalto, deixando a entender que fora do asfalto, dos centros das
cidades, nos musseques, nos ghetos, nos subúrbios, o quadro justificativo da
acção repressiva, deixa de ser importante.
Devemos partir de um
ponto muito importante. O moto-taxismo é uma actividade de extrema importância,
quer social, quer económica e que não pode nem ser ignorada, mas que, antes
pelo contrário, deve ser aproveitada e integrada nas políticas públicas quer de
combate ao desemprego como na de diversificação da ecónomia.
Milhões de jovens em
Angola têm no moto-taxismo a solução do seu emprego ou do auto-emprego. No
entorno destes milhões de jovens, teremos então, milhões de famílias que podem
ter recursos para se alimentar, para educar seus filhos, para terem recurso à
saúde, à habitação e terem outros consumos, como a televisão ou a internet. Por
outro lado, estes milhões de jovens garantem o transporte de outros milhões de
cidadãos que fazem o recurso destes meios para irem às escolas, aos hospitais,
aos empregos, às praças e mercados, transportando-se a si e aos seus bens.
É necessário
analisar-se que estes milhões de motos e motorizadas vêm dum processo de compra
e venda, necessitam de mecânicos, de remendedores de pneus, de peças
sobressalentes, de combustíveis e lubrificantes, pagam (ou pagariam) taxas e
multas. Promovem uma dinâmica incrível na ecónomia formal e informal.
Há, portanto, a
necessidade urgente de se reconhecer o moto-taxismo como uma actividade social
e económica de extrema importância. Esse reconhecimento deve partir pela
regulamentação legal da referida actividade.
Como conciliar então
esta actividade com a legalidade, a diminuição da criminalidade e da
sinistralidade? Como articular esta actividade com a organização do trânsito e
da cidade? Estas perguntas não podem ser respondidas exclusivamente com acções
repressivas que apenas agravam a situação e acentuam um escalar da violência,
como a experiência bem recente, tem demonstrado.
Deve haver vontade
política para que se construam pontes de diálogo de forma a definirem-se
políticas públicas que envolvam a educação (ex. muitos dos moto-taxistas são
analfabetos), dos transportes (ex. acesso às escolas de condução, legalização
da actividade), do comércio (que exija que os vendedores das motos e
motorizadas façam-no já com chapas de matrículas, políticas de preços para
capacetes e coletes reflectores), das administrações (ex. processos desburocratizados
de acesso a documentos), das finanças (ex. definição de taxas e multas,
programas de micro-crédito), das associações (ex. sensibilização e organização
dos moto-taxistas) e da PN (ex. combate à corrupção dentro da corporação).
Que vença o bom
senso!
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