26/02/2009

PROCESSO CONSTITUINTE: Sistema de Justiça e a participação da sociedade civil (SC)

NOTA DE IMPRENSA
A garantia do exercicio de uma boa cidadania depende do funcionamento dos órgãos de justiça tendo em conta que é quem garante a legitimidade do cidadão. Num Estado de direito ninguém deve estar acima da lei, todos os cidadãos devem ter igual possibilidade de acesso ao sistema de justiça e este deve ser independente. Será que o nosso sistema de justiça está doente? Que oportunidades oferece o processo constituinte para a melhoria do actual sistema? Há muito que se questiona sobre a capacidade da SC para a sua intervenção ou participação no processo constituinte. Será que a SC está preparada para participar neste processo? Que inspiração tem a SC para fazer face a este processo?


Com a ideia de estimular o espaço de debate, o OMUNGA, em colaboração com outras instituições da SC, decidiu levar a cabo um programa de debates consecutivos, que teve o seu início no dia 13 de Novembro.

QUINTAS DE DEBATE pretende juntar diferentes visões sobre temas da actualidade como política, economia e sociedade. Acompanhe:
No dia 05 de Março a partir das 15 horas, no salão da SOLAR DOS LEÕES - Benguela, será realizado mais um Quintas de Debate, com o tema PROCESSO CONSTITUINTE: Sistema de Justiça e a participação da sociedade civil

Serão Prelectores: Inglês Pinto (O.A.A.) e Fernando Macedo (AJPD)

Poderão acompanhar ainda a 19 de Março de 2009:

CRISE ECONÓMICA GLOBAL: Efeitos e desafios para a economia de Angola

Será o prelector: Justino Pinto de Andrade

PARTICIPE E DIVULGUE
José A. M. Patrocínio
Coordenador

O OMUNGA agradece a todos os prelectores por se disponibilizarem de forma voluntária a darem as suas contribuições, como ao Pambazuka e ao Club K pela abertura no acompanhamento e divulgação dos debates.

Conta com o apoio da Christian Aid e PROMODES.
Poderão ainda acompanhar os debates, acedendo aos textos, comentando, questionando, sugerindo ou criticando através do http://quintasdedebate.blogspot.com/ ou ainda http://www.club-k-angola.com/, http://www.pambazuka.org/ e http://novaaguia.blogspot.com/. Para mais contactos podem aceder ao terminal telefónico +00 244 272221535, ao móvel +00 244 917212135 e aos email quintas.de.debate@gmail.com, omunga.coordenador@gmail.com, omunga.cid@gmail.com.

24/02/2009

DEMOCRACIA E MAIORIA ABSOLUTA: Expectativas, oportunidades e desafios para 2009

Tomando em conta a aderência do público (que já na hora marcada enchia completamente a sala e ainda havia muitas pessoas fora por entrar), teve-se que, à última da hora, mudar-se de espaço de forma a possibilitar a participação de todos. Isto levou a um atraso de cerca de 30 minutos.

Depois de saudar a plateia, Abel Epalanga Chivukuvuku agradeceu ao OMUNGA pelo convite que permite partilhar ideias e trocar impressões, e iniciou:

Entendo que a qualidade dos processos políticos de cada país é directamente proporcional à qualidade e profundidade da participação dos cidadãos desse país nos processos da sua vida. O que quer dizer que Benguela está de parabéns por ter tido essa iniciativa dos debates às quintas-feiras que permite a interacção dos cidadãos de discutirem os seus próprios problemas. É a qualidade da participação dos cidadãos que vai determinar a qualidade da vida do próprio país. O país será aquilo que nós quisermos. Quanto mais participação e interacção tivermos, melhor será. E a OMUNGA teve o facto de ter sido a pioneira nesse tipo de iniciativa e por isso a nossa felicitação e nossos agradecimentos. Convidaram-me para estar aqui hoje, na ideia da OMUNGA era para falar de democracia e maioria absoluta. Achei que o tema era excessivamente abstracto para a realidade das nossas vidas. Por isso achei propor mantermos a reflexão sobre essas questões abstractas mas dar-lhe uma dimensão da nossa vida na prática e concordámos em expandirmos a nossa discussão, não só nos conceitos de democracia e de maioria absoluta mas podermos avaliar, fazer uma análise das perspectivas, oportunidades e desafios para Angola em 2009. Assim, vamos conjugar. Vamos avaliar os conceitos de democracia (como estamos no nosso país em termos de democracia?!!). Em termos de conceitos o que quer dizer isso de maioria absoluta? Que impacto isso vai ter na nossa vida? Mas vamos transportar isso para a dimensão do que vai ser a nossa vida em 2009, como país na sua dimensão política, na sua dimensão cultural, económica e social. O que significa para as nossas vidas. O que vai ser 2009 para nós e que impacto é que tem o facto de termos agora a maioria que temos nos factos que vamos viver este ano.

Subdividi a minha abordagem em duas dimensões. Na primeira vamos só andar um pouco nos conceitos (que é parte que a OMUNGA queria): o que é democracia, o que é maioria, oportunidades, perspectivas e desafios. Vamos ter um entendimento sobre isso. Depois transpomos isso tudo para a dimensão do que é que vai acontecer no nosso país. Nas nossas vidas, no início de cada ano, todos nós fazemos a projecção daquilo que quer para o ano. O que é que eu quero para esse ano?! Os meus filhos têm que ir para a escola, tenho que conseguir uma nova motorizada, tenho que meter telhas na minha casa. Faz-se a projecção daquilo que para o ano são os factores programados. Na vida das pessoas e na vida das nações existem os factores programados. Vamos avaliar o que temos em perspectiva como factores programados, fenómenos programados para 2009. Vamos analisar esses fenómenos programados, vamos avaliar que recomendações que como angolanos podemos fazer às instituições, vamos avaliar que impacto é que o quadro político que temos de maioria vai ter nesses fenómenos programados. As nossas vidas não são só aquilo que programamos! Há outras coisas que acontecem resultante do contexto, resultante duma série de outros factores que não são do nosso domínio. O que eu programo para a minha vida eu domino, embora vai ter influências do meio social onde eu estou. Mas há outras coisas que acontecem na minha vida que eu não domino. Que vêm doutros! Mas a vida permite fazer uma projecção analítica. Isto é o que programei, mas vou pensar em que outras coisas podem acontecer na minha vida. Depois de analisarmos os conceitos vamos ver quais são os fenómenos programados para este ano, mas depois vamos tentar avaliar outros fenómenos não programados mas prováveis e ver o que todos nós podemos fazer para que esses fenómenos sejam o mais positivos possíveis para a nossa vida.

Começamos por DEMOCRACIA (que é o que a OMUNGA queria que abordássemos). Hoje no mundo há uma tendência para a convergência do entendimento do que é democracia, mas não foi sempre assim. Houve modelos e teorias várias. Temos o modelo aristotélico que é o mais antigo que entende democracia como governo de toda a vida pública pela intervenção directa de todos os cidadãos. Naqueles tempos era assim, mas era entendível porque as sociedades geograficamente eram pequenas. Nas cidades-estado da Grécia daquele tempo, os cidadãos eram 30000 – 40000. Podiam ir fazendo assembleias para irem discutindo tudo. Hoje já não é possível isso. Há o modelo igualitarista ou modelo popular que também tivemos aqui no nosso país e que imperou durante o tempo de partido único (desde 75 até 1991). O que era isso em termos de democracia, de conceito. Era o sistema que toma como valor prioritário, a igualdade económica, social e cultural, valorizando a representação unitária da vontade e interesse geral num só partido, grupo ou classe social. Nesse modelo havia uns que se escolhiam e diziam que representavam todos mesmo se os todos não foram ouvidos para perguntar se se sentiam ou não representados por estes. Naquele tempo tivemos o comité central do MPLA, o conselho da revolução que diziam que eram representante único. Nesse modelo de democracia era isso. Havia um grupo que se sentia representar todos os outros sem necessariamente ter havido um processo que levasse à aceitação dos representados reconhecerem esses representantes.

Há o modelo liberal que é hoje mais ou menos unânime, que é o sistema que tem como valor central a liberdade dos indivíduos e das instituições. De que recorre á necessidade de limitação de poderes e separação dos órgãos que o exercem. Assenta especialmente na competição pluralista, respeito pelas minorias e alternância através de eleições livres e sufrágio universal. Este é o modelo mais ou menos, hoje, tornado universal. Quem quiser dizer hoje que é democrata tem que subscrever a estes factores. Lincoln que foi antigo presidente americano definiu democracia em 1863 como o governo do povo, pelo povo e para o povo. Já Churchill teve uma metáfora diferente que definiu democracia como o pior dos regimes exceptuando todos os outros. Quer dizer “é mau mas todos os outros são piores”, o que acaba de ser, afinal, a opção que hoje temos.

Se quisermos resumir democracia, pressupõe liberdade. Onde não houver liberdade não há democracia. Democracia pressupõe igualdade e participação (isso no sentido restrito). No sentido mais vasto, começamos pelo mesmo factor liberdade como sendo o elemento essencial de democracia. Podemos começar já a perguntar: “No nosso país somos bem livres?” Temos a liberdade legislada na nossa Constituição e em todas as leis. Eu tenho dito, e posso errar, que temos uma democracia com duas velocidades. Luanda já está na quarta velocidade quase a ir para a quinta. Há um espaço de liberdade, um espaço de abertura, de debate razoavelmente livre. Benguela está a começar, um bocado no Lubango, mas quanto mais se vai para o interior, as liberdades começam a diminuir. Liberdade de manifestação, liberdade de opção, liberdade de decidir coisas mínimas! Em termos de liberdade ainda temos um deficit que temos todos que trabalhar! Por isso que eu disse que a qualidade do processo depende do que nós fazemos. A OMUNGA está a contribuir para a expansão do conceito de liberdade, para a pessoa sentir-se livre. Exprimir, reunir, manifestar, são as liberdades!

Pluralismo! O nosso país evoluiu em termos de legislação. Hoje estamos numa sociedade plural. Uma sociedade plural significa que há a permissão de constituição de grupos, partidos, etc., com pontos de vista diferentes. Nesse aspecto está legislado.

Participação! É um dos factores fundamentais de democracia. Temos um deficit! Vamos participando mas precisamos ir ainda para mais longe. Volto a dizer que a qualidade dos nossos processos depende da qualidade da nossa participação.

Eleições livres e justas, universais e periódicas! Sem eleições não há democracia. Mas também não são só as eleições que significam a democracia. As eleições são um dos atributos da democracia. Tivemos parados e tivemos eleições agora, com o processo que teve algumas insuficiências e problemas, mas o que é bom é que façamos das eleições uma coisa que tem que ser periódica. Não pode ser mais uma coisa que se tem que esperar que alguém decida que vai haver eleições no dia tal, não! Tem que ser uma coisa que cada um já sabe que vai acontecer e quando. Tivemos as eleições legislativas e ninguém pode ter mais dúvida que depois de 4 anos (5 de Setembro de 2012) temos outra vez eleições. Todos já sabem. Eleições periódicas gerais!

Governo da maioria com respeito pela minoria! Nós temos neste momento um governo de maioria, mas precisamos de trabalhar para que haja o respeito pelas minorias. Respeito às minorias não quer dizer que a maioria tem que aceitar o que a minoria pensa. Mas tem que permitir-se a ouvir as vozes das minorias. Para que o cidadão possa ter acesso a todos os pontos de vista sobre um determinado fenómeno e possa decidir o juízo. Diz-se que cidadão bem informado toma decisões mais ajuizadas. É nesse aspecto do cidadão ter conhecimento de todos os pontos de vista que também temos um deficit.

Primado da lei e constitucionalismo! Ainda temos que fazer muito trabalho. Temos que fazer muito trabalho, porque nós próprios, os que legislamos, nem sempre cumprimos o que está legislado. As nossas autoridades, muitas vezes são até as primeiras a pisar a lei. Lembro-me do episódio que tive há anos, vim dar um passeio aqui a Benguela e o governador quis-me dizer, na altura o Dumilde, quis-me dizer que a minha visita a Benguela era ilegal. Tive que arranjar maneiras de arranjar uma cópia da constituição e mostrar-lhe para ele ler e saber que não é. O cidadão tem o direito de ir onde entender (e eu era deputado)!

Direitos humanos e cidadania! Em democracia tem que haver o respeito pelos direitos humanos e cidadania. Tudo isso já está legislado na nossa constituição. O que é preciso é pôr as coisas na prática!

Livre circulação de ideais e informação! Se quiser tomar uma decisão, tenho que ouvir muitos pontos de vista e depois eu escolho. Se só ouvir um ponto de vista, depois vou escolher o quê? Não tenho opção de escolha! Tem que haver livre circulação de ideais e informação.

Separação de poderes e cooperação institucional, isenção e transparência dos actos públicos, instituições submetidas à lei, tudo isto constitui democracia. Se tudo isso não estiver, não existe a democracia. Para chegar na democracia como tal, há estádios de desenvolvimento. Há os estados que não são democráticos, como nós fomos antes de 91, há os estados com democracia formal (está escrito mas não é praticado), há estados com democracia em vias de afirmação e os estados com democracia consolidada. Estados com democracia consolidada são aqueles que só têm os atributos que já abordámos, mas sobretudo conseguiram ter duas alternâncias sucessivas sem tumultos. O nosso país, Angola, está no estádio intermédio. Já conseguimos a democracia formal de 1991. A democracia formal, está escrita! Estamos a fazer é um esforço de passarmos para o segundo estádio, para passarmos a ser uma democracia em vias de afirmação! Ainda não chegámos à via da afirmação. Há uma série de factores que têm que estar reunidos para que possamos chegar a este nível.

Deixamos o conceito de democracia e passamos ao de maioria que caracteriza a correlação numérica entre vários pontos de vista num contexto plural e no âmbito dos processos de vivência humana. Que significa que, mesmo nas empresas, nas igrejas, toda a vida também tem tido maiorias. Numa empresa, no conselho de direcção quando se tem que tomar uma decisão, vota-se. Vai haver uma maioria e uma minoria. Maioria é na correlação numérica entre os vários pontos de vista. Os que forem por uma ideia e forem em maior número, esses é que são a maioria. No contexto social, nas igrejas de vez em quando é preciso votar nos pastores, bispos, etc., há pontos de vista diferentes, ou mesmo para tomar decisões. Na vida política são as eleições que determinam isso. Mas há categorias de maioria. Existe a maioria relativa que significa que ninguém conseguiu chegar à metade. A maioria absoluta é igual à metade mais um. Por exemplo realizaram-se agora as eleições em Israel e ninguém conseguiu a maioria absoluta. Houve maioria relativa. Isto chama-se maioria relativa. Depois temos a maioria absoluta, que representa quem consegue estar acima da metade. Depois tem a maioria qualificada que representa aquele que consegue ultrapassar o padrão de 2/3. Por isso quando os companheiros da OMUNGA convidaram para discutir os conceitos de maioria absoluta foi mais ou menos desencontrado se quisermos referir-nos a Angola. Nós em Angola não temos maioria absoluta. Tivemos maioria absoluta até às últimas eleições. O MPLA tinha maioria absoluta. Hoje em dia o MPLA tem maioria qualificada, isto trás consequências diferentes.

Também dissemos que no nosso tema vamos falar de perspectivas para Angola para 2009. O que é perspectiva? É a arte de representar no plano previsional e de probabilidades, fenómenos programados ou prováveis de ocorrer num espaço de tempo pré determinado. O que vamos analisar é o que está programado, o que é que é provável de ocorrer num tempo pré determinado (neste caso 2009). Essa análise de perspectiva também é uma miragem avaliando numa distância temporal (que é um ano) o aspecto que os fenómenos que analisados poderão apresentar. Significa que não vamos só dizer que este ano parece que vai haver isto! Também temos que analisar esse fenómeno que vai ocorrer, que aspecto, que características, como é que se vai apresentar, que impacto vai ter na minha vida em função destas características. Porque se tiver características boas, tem impacto positivo na minha vida. Se tiver características negativas obviamente que vamos passar mal. Mas essa análise permite que o cidadão, a pessoa humana, possa procurar defender-se dos factores negativos que vão ter impacto na sua vida, ou potenciar os factores positivos que vão ter impacto na sua vida.

No tema também está lá oportunidades. O que são oportunidades? A qualidade do que é favorável relativamente ao desejado e no momento devido. Os fenómenos todos têm oportunidade e desafio. A identificação da oportunidade é a possibilidade de num determinado fenómeno você identificar o que será favorável para si. Naquele tempo próprio para usar essa dimensão favorável para poder potenciar e ganhar mais. Uma oportunidade é um momento que deve ser bem aproveitado. Para que se tire proveito das características do fenómeno. O fenómeno é positivo, aproveito! Se é tempo de fazer negócio, faça, porque se não fizer, o tempo já passou. Quando tentar, o negócio já não vai dar.

Desafio é o contexto com características mistas, favoráveis e desfavoráveis. Você tem que aceitar o desafio, tem que potenciar o que é positivo nas características favoráveis, tem que obviar as características negativas e ver se vai ao nosso encontro. Todos os fenómenos têm oportunidades e desafios. A maior dificuldade do ser humano é discernir onde está a oportunidade em determinado problema. Nem todos conseguimos fazer isso. Ficamos atrapalhados com o desafio e não vemos a oportunidade. Vou primeiro ter que valorizar a oportunidade e afastar-me do desafio.

Tentámos abordar conceitualmente o que é democracia. Já vimos que temos uma democracia formal que precisa de evoluir para atingir níveis aceitáveis. Há atributos como liberdade, pluralismo, igualdade de oportunidade, que não estão completos, ou pelo menos não chegaram ao nível satisfatório para as nossas vidas. A nossa democracia tem que ser produto do nosso trabalho. A qualidade da nossa democracia tem que ser relativa à qualidade da nossa participação. Se participarmos, melhora, se não participarmos, piora. Vimos o que é maioria e que em Angola temos uma maioria qualificada. Significa que demos autorização para decidirem muitas coisas sem terem que ouvir as pessoas, se não houver espírito de abertura e patriótico. Maioria qualificada significa: “vocês sozinhos têm razões de tudo, se não houver espírito patriótico e abertura para diálogo.” Vimos que em todos os fenómenos há desafios e oportunidades.

Vamos passar para a segunda dimensão que é a projecção analítica de fenómenos programados ou prováveis de ocorrer em 2009, em Angola. Não vamos ver no sentido restrito da vida de cada um. Há coisas que vão acontecer porque estão programadas (ou estão programadas pelo governo ou por outras instâncias que lidam com a vida nacional). Mas há outros fenómenos que não estão programados mas estão a acontecer. Essa crise mundial não foi programada mas está a acontecer e influencia tudo. A capacidade dos governos é quando conseguem ter uma dimensão de previsibilidade. Qual é o primeiro fenómeno que vai ocorrer no nosso país e que entendi que merece menção? É a visita do santo padre a Angola em Março de 2009. Esta visita é um fenómeno que deve ser considerado no âmbito dos fenómenos que vão acontecer no nosso país. Ouvi logo após o anúncio, uma série de posições. Legítimas todas elas! De pessoas preocupadas: “está a vir aí o santo padre, em ano de eleições, será que vai acontecer o mesmo que em 92?” Não partilho essa preocupação! Essa preocupação também adveio de pessoas que também dizem: “há essa maioria esmagadora e esse partido vai aproveitar essa ocasião.” Também não partilho! Entendo que é muito provável que uns actores políticos pretendam aproveitar-se disso. Isso é humano! É muito provável, mas entendo que a igreja católica, como uma das igrejas mundiais, tem experiência suficiente para não se deixar aproveitar por quem quer que seja. Entendo que a visita do santo padre é uma bênção e privilégio especial para os cristãos católicos de Angola, mas também uma graça para todos os angolanos. Não é todos os dias que aparece o santo padre num país. Também não somos o único país africano, somos cinquenta e tal. Porque é que nos escolheram? Parece que valemos alguma coisa! O que temos que pensar é como angolanos o que é que nós queremos fazer da visita do santo padre, isso é diferente. Entendo que nós angolanos, devemos considerar a visita como uma oportunidade para todos reavaliarmos os alicerces em que pousa o propósito comum de construção de uma Angola de direito, democrática e sem pobreza. Devemos absorver da doutrina social da igreja os ensinamentos e valores que contribuam para o esforço de erguer uma sociedade sã. O que é que isso quer dizer? Ao querermos construir o nosso país, não é só a dimensão material do país (estamos a fazer estradas, escolas), mas temos que pensar sempre no alicerce sobre o qual estamos a construir o país. Isto chama-se valores, fundamentos! Como está o país em termos de patriotismo? Temos o entendimento de que todas as capacidades com que servimos o país têm que ser abalizadas sob um forte sentimento patriótico, ou não? Isso é que devemos discutir! A honestidade?! A cultura que está a prevalecer hoje no nosso país é de honestidade ou não? Um indivíduo quando é nomeado para ministro, a família toda diz: “agora é que nos vamos safar! Resolver todos os problemas, porque se ele deixar depois de ser ministro e o pessoal vir que o carro dele está espatifado, as outras pessoas vão dizer que ele é parvo!” Nós estamos a aceitar culturalmente, em termos de valores, que quando se é ministro deve-se roubar. Há um problema de valores, de honestidade! Se eu basear-me no valor de patriotismo, vou lá para ministro não é para roubar mas vou usar o poder político como uma plataforma para resolver os problemas do país. Temos que discutir a questão dos valores em que vamos alicerçar o país. A ética do trabalho, o próprio conceito de trabalho! Durante muito tempo imperou no nosso país a ideia de que o estado finge que paga e o cidadão finge que trabalha. Como o estado pagava mal, as pessoas chegavam no trabalho e marcavam no livro de ponto, mas iam resolver depois os seus problemas. Está a implementar-se um debate de quem diga que temos que ir buscar os chineses porque o angolano não trabalha. Quem é que disse que o angolano não trabalha. Os chineses é que nos vão ensinar a trabalhar? Não sou contra os chineses, eles que venham, mas que não seja porque o angolano não trabalha. Se o angolano não gosta de trabalhar foram as nossas próprias instituições que criaram isso. Não pagavam bem, as pessoas não trabalhavam. Temos que discutir esses valores, esses fundamentos. Vamos continuar assim?

A justiça social, a igualdade de oportunidades! A nossa constituição diz que todos somos iguais à nascença, mas isso é verdade? Não estamos a dizer que todos têm que ser iguais toda a vida, mas à partida temos que ter o mesmo acesso à escola, temos que ter o mesmo acesso à saúde para que tenhamos as mesmas armas para lutarmos pela vida. Se o Chivukuvuku em Luanda tem universidade, tem uma base de partida diferente do cambuengo que está em Malange onde não há universidade. Terminou a 12.ª vai para aonde? Ou os pais têm condições para mandá-los para Luanda, ou Benguela ou Lubango, senão pára por aí. Tem igualdade de oportunidades? Não tem! Temos que criar mecanismos vários para que de facto tenhamos igualdade de oportunidades, senão não estaremos todos no mesmo plano de realização na vida. Esses valores é que temos que discutir. A solidariedade! Precisamos de encontrar uma discussão de valores! Em que bases queremos construir o nosso país? Se continuarmos a querer construir nas bases actuais, nós próprios é que estamos a encorajar para que quem tiver numa função que possa ganhar dinheiro, aproveite! Quem estiver numa função que é chefe mete toda a família a trabalhar ali. Estaremos a ter um país desajustado. Utilizemos este momento espiritual, de pensamento, de reflexão, para discutirmos. O nosso país a ser construído vai assentar em que bases? Que valores vão ser o alicerce para construirmos o país? Hoje parece que esse debate é supérfluo, porque temos necessidades materiais das nossas vidas mais prementes. Hoje parece que não é um problema grande mas daqui a 15 anos os nossos filhos, sobrinhos, viraram todos ladrões. Os resultados serão esses.

O segundo processo programado é o processo de elaboração da nova constituição para a república de Angola. Está programado e já começou. O que é a constituição? Constituição é um tratado nacional com força normativa de lei fundamental que regula os direitos, deveres e garantias do cidadão em relação ao estado e determina a organização política de um país. É o que rege o que eu como cidadão tenho como direitos, posso reclamar, o que é que eu posso esperar, o que eu posso exigir, mas também estrutura como é que o nosso país se arruma (a divisão das províncias, como é que ficam os poderes estruturados, quais são as prerrogativas desses poderes, o que eu tenho que esperar desses poderes, etc.). A constituição contém as normas mais importantes segundo as quais os cidadãos de um país concordam viver e descreve a estrutura básica das instituições públicas. Afinal a constituição é uma coisa com a qual nós concordamos viver. Queremos da maneira tal ou da maneira tal. Tem que haver concordância. Isto é o ideal. Há modelos clássicos de processos constitucionais. As constituições podem ser referendadas, ou podem ser processos negociados ou pactuados, ou podem ser processos impostos pela via legal ou pela via da força.

Processos referendados foi como o que aconteceu com Hugo Chaves que não quer sair do poder, mas teve que perguntar aos cidadãos: “posso continuar ou não? Eu quero continuar até morrer!” os cidadãos disseram: “continua só, está bom!” Foi referendo, foram os cidadãos que decidiram. É uma das formas de fazer as mudanças constitucionais em que se pergunta: “a partir de agora queremos ou não que os governadores sejam eleitos?” e os cidadãos vão responder: “queremos, ou não queremos porque como está, está bom e podem continuar a ser nomeados pelo presidente da república!” A nossa constituição actual proíbe referendar. Proíbe perguntar aos cidadãos, porque o legislador de então já sabia tudo o que o cidadão quer, não é preciso perguntar mais! Não se pode perguntar ao cidadão o que deve ir na constituição.

Em Angola só podemos fazer processos negociados ou pactuados, ou pode haver processos legalmente impostos ou pela força. A história constitucional da nossa república indica que já tivemos as duas coisas, impostos e pactuados. A primeira constituição que já tivemos em 1975, era uma constituição com características totalitárias e partidárias, que significa que foi só um partido que decidiu, fez a constituição e acabou-se! Partidária, porque os órgãos do partido estavam na constituição. Comité central é que decide. E foi imposta, ninguém foi ouvido. Esta constituição teve algumas revisões pontuais mas de forma geral eram só para pequenas regulações. Houve uma pequena mudança mas não qualitativamente reconhecível e importante, que foi na constituição de 23 de Setembro de 1980. Mas manteve o cariz totalitário e partidário. A única diferença é que deixou de haver o conselho da revolução, passou a haver a assembleia do povo. Foi a diferença mais ou menos qualitativa que houve da constituição de 75 para a constituição de 80. Esse período chama-se a primeira república (de 75 a 91).

Quero pôr isso bem claro. Tenho ouvido até comentadores com alguma bagagem que confundem. Querem dar a percepção que a mudança de uma república para outra (do ponto de vista qualitativo) é quando há eleições. Não! Senão de 4 em 4 anos mudava-se de república. Não é isso. Muda-se de república quando qualitativamente mudam-se as características de arrumação dessa república. As características constitucionais. Tivemos características constitucionais de 75 até 91. Em 91 entrámos na segunda república, porque passámos a partir daí (da constituição de 91) a ter uma constituição plural. Plural significa ter-se aberto a outros pontos de vista. A partir de 91 a constituição, por força dos acordos de Bissesse, previu a abertura ao pluralismo. Os partidos puderam aparecer e por isso vieram cento e tal. Antes disso não era possível. A constituição de 92 introduziu a democracia. São coisas diferentes. A constituição de 91 apenas abriu ao pluralismo, não previa as eleições, não previa as liberdades. Todas estas questões foram introduzidas a partir da constituição de 1992. Enquanto as constituições da 1.ª república foram legalmente impostas, as constituições da 2.ª república foram negociadas. A de 1991 resultante dos acordos de Bissesse e a de 1992 que foi resultante da reunião bipartidária entre o MPLA e a UNITA e da reunião multipartidária entre o MPLA e todos os outros partidos. Houve duas fases. Primeiro o MPLA e a UNITA trabalharam, decidiram algumas coisas. Depois levaram aquilo que decidiram os dois para discutir com os outros partidos na reunião multipartidária. É de onde saiu a constituição que temos hoje. Com a qual temos andado.

Quando se evolui, como estamos agora, para a discussão da nova constituição, há escolhas. Há escolhas que temos que fazer como angolanos. É verdade que começam lá em cima, depende da postura. Qual é o leque das liberdades, garantias e direitos dos cidadãos? Que tipo de escolha vamos fazer?! Alargadas, restritivas, como é que vai ser? Temos que escolher o modelo de estado, que tipo de estado? Estado unitário? Estado federal? Intermédio? Há muitos modelos. Temos que escolher sobre qual sistema de governo. Qual o modelo do poder local? Há uma série de coisas que temos que escolher. A escolha dessas coisas não vem só porque acordei de manhã e digo que quero um sistema semi-presidencial. Ou porque fui ler um livro e fiquei convencido. Não. As pessoas têm que reflectir sobre uma série de factores, entre eles a evolução histórica do país. Como é que o nosso país tem evoluído para eu determinar o que será melhor. Qual é a qualidade do nosso processo democrático? Já é forte? Talvez se já é forte, talvez essa é uma boa opção. Mas se não é forte é bom não ir pelo caminho em que um indivíduo manda tudo. As escolhas têm que ser orientadas. Quais são os factores culturais e tradicionais relativos aos modelos e práticas do exercício do poder? Entre nós, quando alguém tem o poder o que é que faz? Abre-se? Comparticipa? Ou quando tem o poder diz: “eu é que mando!” Temos características próprias como povo que vem da nossa cultura. Os sobas fazem como? Buscam consensos? Conversam ou mandam sozinhos? Tudo isto tem que ser avaliado. A experiência constitucional acumulada! Temos cultura de respeitar a nossa constituição? Não! A teoria e a prática! Muitas vezes a teoria é boa mas a prática fica como? No nosso caso temos tido experiência de que aquilo está lá escrito mas ninguém liga. Não é só nos direitos fundamentais da pessoa, que diz que toda a pessoa tem direito à educação, ao acesso à educação. Temos todos? Todas as pessoas têm o direito à saúde? Temos todos? É verdade que os princípios têm que ser relativizados mas na prática está como? Mesmo nós lá em cima, respeitamos a constituição? A constituição dizia que o país tinha que ter primeiro-ministro, quando apeteceu ficámos anos sem primeiro-ministro. A constituição dizia que temos que ter tribunal constitucional, isso foi escrito em 91, o tribunal constitucional começou o ano passado. Afinal respeitamos ou não respeitamos? Qual é a experiência acumulada? Qual é a solidez ou a fragilidade das nossas instituições? Aqui na província é o governo colectivo que manda ou é a pessoa do governador? Temos que ter essa experiência. O comportamento dos actores políticos em relação à lei! A natureza multiforme do nosso país! A dimensão geográfica variada. Temos grupos etnolinguísticos vários. Temos grupos raciais vários. O nosso país é assim! Tudo isso tem que ser analisado antes de fazermos as opções.

Há aquilo que é o meu ponto de vista, que eu gostaria como cidadão e que eu vou explicar. Mas também é importante tentarmos analisar em perspectiva qual será eventualmente a postura dos actores. Qual será a postura do MPLA neste processo?! Vocês deram a maioria absoluta! Se quiser não ouve ninguém. Foram autorizados a não ouvir se quiserem. Mas se quiserem ser patriotas podem-se abrir ao diálogo. Têm tudo isso aberto. Naquilo que é a minha experiência penso, não quero fazer futurologia, mas o MPLA com a maioria que tem vai-se abrir e dialogar nas questões supérfluas mas vai impor nas questões de interesse fundamental para o partido dele. É o que eu prevejo, mas espero que não aconteça e vou aplaudir se isso não acontecer e houver diálogo saudável. Qual será a postura dos partidos da oposição? Pode ser uma participação qualitativa ou pode ser irrelevante. O facto de que o voto é mínimo pode levar as pessoas a dizerem: “não vale a pena! Vamos nos preocupar com isso porquê? Eles têm a maioria, têm os votos todos, vão decidir sozinhos.” Torna-se uma participação irrelevante. Mas pode ser qualitativa no sentido de que não importa que eles tenham os votos todos e apresenta-se as nossas ideias ao próprio partido maioritário e explicar ao povo o que foi que se propôs. O MPLA pode dizer se aceita ou não. Vai depender da postura dos próprios partidos. Tem-se estas duas opções. Mas também tem a postura da sociedade civil e dos angolanos no geral. Podem dizer: “isso não é nosso problema. Constituição é assunto da assembleia nacional. Isto é dos políticos!” mas quando for aprovada é aquela que vai-se ter que respeitar. Então porque é que não participa? Porque é que não se estruturam as associações, os grupos, etc., mandarem propostas, escreverem? Cada província faz um abaixo-assinado, 500000 pessoas, queremos que os governadores vão ser eleitos a partir de agora. Se cada província mandar isso, os que estão lá em cima podem querer então ouvir as pessoas. Mas se cada um ficar na sua casa, permite a que quem esteja lá decida sozinho.

Se eu tivesse que dar recomendações, o que é que eu diria? Diria que a constituição é a lei mãe da nação e deve ser de todos e para todos. Deve perdurar no tempo e sobreviver às alternâncias do poder. Não nos interessa ter ma constituição que hoje a maioria do MPLA faz sozinha, amanhã vem a maioria da FNLA e muda tudo. Depois vem outro e outra mudança! Não! Assim não é país sério! Temos que ter uma coisa que fazemos todos no máximo de consensos possíveis para que sobreviva às alternâncias. Vem outro partido e permanece. Pode mudar uma coisa pequenita mas não se muda tudo como se fosse uma revolução. No caso presente, o partido maioritário deve dialogar de forma estruturada com todos os sectores da vida nacional. À sociedade civil deve ser permitido apresentar propostas à assembleia constituinte e serem tidas em consideração as suas opiniões na produção do projecto final. O que é que eu penso que deveriam ser os requisitos desejáveis ou ideais e que devem caracterizar a próxima constituição:

1 – Expansão das cláusulas relativas às liberdades, garantias e direitos dos cidadãos e criação ou reforço dos mecanismos institucionais para dinamizar a sua efectivação e cumprimento.
2 – Devemos adoptar um modelo de estado unitário complementado por uma forte descentralização política e de desconcentração financeira e administrativa.
3 – Ser aceite a possibilidade de criação de regiões autónomas específicas como é o caso para Cabinda.
4 – Como sistema de governo devemos evoluir para o semi-presidencialismo clarificado, em que o chefe da República é o chefe da nação. O chefe do governo é o primeiro-ministro que governa, mas o presidente tem palavra de qualidade sobre coisas importantes.
5 – Assegurar de forma efectiva o princípio da separação dos poderes no contexto da cooperação interinstitucional.
6 – Evitar a excessiva acumulação de poderes num só pilar institucional.
7 – Institucionalizar com clareza o princípio da responsabilização política dos detentores de cargos de governação.
8 – Garantir aos cidadãos modelos de participação efectiva em questões de índole maior.

Entendo que algumas destas características devem constar da nossa próxima constituição. Infelizmente penso que não vai ser assim! Deixemos o tempo!

Este ano, também em termo de fenómenos (não é bem programado, também não é bem previsível), teremos provavelmente a eleição presidencial. Logo à partida é preciso dizermos que está errado o facto de não termos isso programado! Quando se decidiu em 2007 a realização das eleições em 2008, a discussão que houve foi se deveriam realizar-se as duas eleições (legislativas e presidenciais) ao mesmo tempo ou vamos separar? O bom senso recomendou separar as eleições. Vamos fazer primeiro umas e depois as outras. Decidiu-se nacionalmente, mesmo no conselho da república, fazer-se as eleições legislativas em 2008 e as eleições presidenciais em 2009. Agora diz-se primeiro a constituição e depois vamos ver! É condicional. Pode acontecer, pode não acontecer! Então a palavra que demos às pessoas já não vale? É desejável que respeitemos o que dissemos e as eleições presidenciais aconteçam este ano. Programemos, vejamos quando é que vai ser, etc., mas não voltar a palavra atrás. Criou-se mais um outro assunto: “a eleição presidencial vota-se no parlamento ou todos os cidadãos votam.” Costumo dizer aos meus amigos do MPLA: “o mais velho presidente da república é uma pessoa respeitável, vocês não permitam, os assessores jurídicos não enganem o presidente!” Como é que os assessores jurídicos não foram ver na constituição actual que está dito que não se pode mudar o sistema de eleição do presidente? O artigo 159 da actual constituição diz que há muitas coisas que se pode mudar mas há coisas que não se pode mudar e uma delas é o modelo de eleição do presidente. Está escrito que o presidente ou todos os titulares de cargos públicos têm que eleitos em eleições gerais, livres e periódicas. Agora eles foram falar ao mais velho, quando se assustaram o mais velho já falou no discurso. Agora é preciso voltar atrás. É falta de uma assessoria em condições, porque legalmente não se pode. Se se tentar, estamos a criar um precedente grave. Daqui a uns anos vamos ter o cambuela presidente e decide que não há mais democracia e que agora é ditadura. Quando a nossa constituição diz que não se pode voltar atrás para a ditadura. Também está no mesmo artigo. A democracia não pode voltar atrás. As eleições não podem voltar atrás. Se agora voltarmos atrás vamos criar um precedente. Amanhã vai aparecer aí um capitão que decide outras coisas. Temos que ser um país sério e civilizado. É por isso que não vale a pena perder com essa discussão se a eleição vai ser no parlamento ou geral. Não pode ser no parlamento! Tem que ser geral. É a própria constituição actual que obriga e não se pode tocar. É preciso nós todos recomendarmos. As pessoas que trabalham com o mais velho é melhor não enganarem o mais velho. Não deixem o mais velho dar a impressão que vai contra a lei.

Temos que fazer uma reflexão em conjunto para que algumas coisas que não correram bem naquela altura das eleições legislativas sejam corrigidas para que tenhamos uma eleição transparente e séria. Se já vou ganhar deixa-me ganhar de uma forma limpa! Uma vez eu e o Bornito fomos como observadores internacionais das eleições na Nigéria. E a constatação a que chegámos foi que Obassanjo ia ganhar já, mas fez na mesma fraude. Se já vais ganhar, fazes fraude porquê? Ganha só! Não vai chegar ao 80% que queres, mas com 51% já ganhaste. O que é que te vale em vez de ganhares com 51% e ficas limpo, ganhares com 70% mas ficas sujo?! Toda a gente viu por mais que você minta. Façamos um esforço para fazer eleições sérias. A minha recomendação neste capítulo:

1 – É crucial e de bom senso que em tempo oportuno e previamente, isto é muito antes das eleições presidenciais, sejam efectivamente rectificadas as anomalias verificadas durante as eleições legislativas e reestruturadas as instituições que as organizam e tutelam.
2 – As eleições devem mesmo ser directas, gerais e universais porque legalmente não podem ser doutra maneira.
3 – As eleições, também, não se disputam apenas no período final oficial de campanha eleitoral. Todos aqueles que já se assumiram ou pretendem ser candidatos no próximo pleito, devem adoptar em tempo útil e já, uma postura activa e presente junto do eleitorado, por forma a serem conhecidos e divulgados os seus projectos políticos e visão para Angola. Porque é que digo isso? Com todo o respeito ao mais velho, o Sr. Presidente da República, é porque eu acho que ele deu uma vírgula aos outros candidatos. Quando anunciou que vamos debater primeiro a Constituição e depois vamos convocar as eleições e disse que se vai ver se são gerais ou indirectas, todos os outros caíram na finta. Todos os candidatos estão à espera da decisão. E estão parados!

Já houve o tempo que se fazia bichas aqui em Angola nas portas das embaixadas para os cidadãos saírem. Os jovens a fugirem da tropa e outros à procura de emprego. Hoje é o contrário. É lá onde as bichas começam de madrugada, para virem para aqui porque é um país potencialmente rico. Só esqueceram que é um país potencialmente rico com cidadãos pobres.

Do ponto de vista institucional, Angola é considerado um país subdesenvolvido e de média/baixa renda. Mas também tem outros indicadores:

Tivemos um crescimento económico razoável, bastante bom durante os últimos anos e que a previsão para este ano era ainda de crescermos 11,8%, mas por causa da crise actual a previsão agora baixou para provavelmente 3%. Também poderá haver um declínio dramático nas receitas petrolíferas e diamantíferas. É simples! Todos estávamos a ouvir que o barril estava a cento e tal, agora passou para 40. Significa que vamos ter menos dinheiro. Os diamantes, pior um pouco. Ninguém compra neste momento. As nossas caixas, os nossos cofres, estão mesmo cheios. As empresas diamantíferas, algumas estão quase a fechar. O diamante é um produto supérfluo. Quando você tem dinheiro a mais compras os diamantes para a querida (um anel, uns brincos). Quando há pouco dinheiro, guarda-se para a comida, para a saúde, para a escola dos filhos. O petróleo baixou, o diamante ninguém compra, o que é que vai acontecer no nosso país?! Significa redução drástica das receitas! Vai haver o abrandamento do crescimento no sector petrolífero, retracção na economia, provável retracção do Produto Interno Bruto (PIB).

Mas há coisas da nossa economia que nós próprios é que estamos a criar. Por exemplo, temos uma forte assimetria na distribuição da renda nacional. Se em 2002, cerca de 70% do rendimento do país ficava em Luanda, em 2005 passou para 78% e neste momento está quase a ir a 80%. Em Luanda concentra-se 35% da actividade industrial, 65% da actividade comercial e 90% da actividade financeira e bancária. Mas o país é Luanda? Tudo está concentrado assim. É a distorção que nós próprios estamos a criar e a encorajar.

Há outra coisa que poderá ocorrer este ano, que já tem vindo a consolidar-se nos últimos tempos, é a aprovada continuidade e consolidação dos negócios dos grandes grupos empresariais angolanos, maioritariamente ligados aos altos dignitários do poder ou aos seus familiares. Se quiser fazer um negócio, casa com alguém lá de cima. Aí o negócio vai andar. Ficas sobrinho, ficas neto, etc. e vai andar. Se ficas longe ficas só um candongueiro. Para empresário não vais conseguir passar. Infelizmente está assim o nosso país. Se você não tiver as conexões … (e é bom que foi o mais velho Kundi Paiama que disse aqui em Benguela, saiu ontem na rádio. Ele próprio que disse: “se você não estiver ligado, não passa!” Até nos bancos vão ver lá o nome!

A corrupção, os excessos burocráticos e a fraqueza do direito e da justiça vão ainda ser factores que enquanto não os corrigirmos, vão afectar a nossa economia. Costuma-se dizer que parece que corrupção há em todo o lado. Tudo bem, isso é verdade! O ser humano quando a oportunidade surge, são poucos, se não tiverem valores, que conseguem resistir. Diz-se que a ocasião faz o ladrão. Mas o mais grave não é isso! O mais grave é quando as entidades ao mais alto nível perdem a capacidade moral de corrigir o problema porque também estão envolvidos. O exemplo tem que vir de cima. Em cima é onde tem que começar. A corrupção que mais lesa é aquela praticada lá em cima porque envolve milhões. Aqui em baixo é pequena coisa. O polícia vai-te pedir gasosa. A gasosa é quanto (?), 200Kz. Lesa o país? Lesa como cultura, lesa como comportamento humano, mas lesa menos no cofre. Lá em cima não é assim. Lá em cima são milhões! É lá em cima que tem que vir o exemplo. E enquanto lá de cima não vier o exemplo não haverá a capacidade de correcção deste problema. Como cidadão o que é que recomendo?

1 – A médio e longo prazo, adoptar uma estratégia que utilize as políticas de diversificação e expansão do sector não petrolífero, por forma a reduzir a excessiva relação entre o PIB e o sector petrolífero. Felizmente o governo também pensa assim, espero só que saiam da teoria para a prática. Que tomem medidas concretas!
2 – Adoptar políticas que visem a revitalização da economia rural e agricultura familiar, concomitantemente com incentivos para incrementar a produção agro-industrial e diversificação da indústria transformadora. Pelo menos se tivéssemos comida suficiente, com o pouco dinheiro que vem do petróleo construíamos estradas, escolas, hospitais e pagávamos salários melhores. Mas como também não foi incentivada de forma sustentada a produção, temos que comprar comida. Agora a questão é: entre o feijão e o milho e, a estrada e a escola, vamos escolher o quê? É o feijão! Não vou à escola se não comer.
3 – É preciso incrementar os esforços tendentes à correcção de assimetrias no desenvolvimento do país, particularmente entre a capital e o resto do país e, entre a filosofia litoralista e o interior.
4 – A curo prazo redefinir as grandes prioridades para a melhor afectação dos recursos disponíveis, sem sacrificar o sector social (salários, educação, saúde). Ouviram que o discurso lá em Luanda começou primeiro: “Ah, a crise não chega aqui!”, depois. “bom, pode chegar mas não nos afecta!”, agora chegámos à conclusão que a crise já nos afectou! Pelo menos, quando redefinirem as prioridades, não façam outra vez a mesma coisa de não aceitar com realismo o problema. Não baixem os salários das pessoas. As pessoas já são pobres e já ganham mal. Não reduzam a preocupação com a educação, porque só a educação é que vai permitir ao cidadão ter horizontes na vida. Não reduzam a saúde, porque sem saúde ninguém trabalha.
5 – Precisamos de abordar com coragem a política endémica da corrupção, dos desvios de fundos e a falta de transparência nas contas da gestão da coisa pública. Comecemos em cima! Acabemos com a corrupção e a falta de transparência.
6 – Vamos reformular e melhorar a prestação dos mecanismos institucionais supostos de garantir uma gestão patriótica, eficiente e transparente dos recursos públicos. O tribunal de contas que faça o seu trabalho! A constituição previa a criação da Alta Autoridade Contra a Corrupção, não existe porquê? Porque temos medo, porque nós é que estamos a fazer esta corrupção! Ou o tribunal de contas faz o seu trabalho ou institucionalizemos a Alta Autoridade Contra a Corrupção.
7 – Melhorar os índices de execução na aplicação dos recursos afectados e implementar com rigor as políticas e regras de prestação de contas a todos níveis do governo.

Penso que são algumas das recomendações, que muitas delas o nosso governo felizmente também já está a pensar e outras esperamos que as pensem.

Qual vai ser a probabilidade da evolução social no nosso país. Comecemos pela constatação, como estamos do ponto de vista social? Do meu ponto de vista, temos uma estrutura social de alto risco. Temos uma pirâmide social de alto risco. Como é que essa estrutura ou pirâmide social está estruturada?! Temos aproximadamente uma dúzia de bilionários. Existem! Bilionários são aqueles que têm acima de mil milhões de dólares. É bom que haja angolanos que tenham isso. Existem! Seria bom se tivessem conseguido com trabalho, com honestidade, porque não foi assim. Temos aproximadamente algumas centenas de milionários. Há! A maioria deles ou são governadores, ou são ministros, generais, comissários da polícia, sobrinhos e primos, etc. É bom que o país tenha! E é bom que cada um de vocês também sonhe daqui a uns anos serem milionários. Não pensar sempre ficar na pobreza, mas com trabalho honesto e com seriedade. Mas estes fazem na estrutura social angolana, 1%. Aqueles que chamo os desenrascados, são as 3 categorias da classe média. Média alta são aqueles que ganham uma coisa que dá para aguentar com dificuldade a casa e no fim do mês ainda poupam uns 200/300 USD. A média é aquela em que o que ganha só dá mesmo para aguentar a vida, mas não consegue poupar nada. Média baixa é aquela que ao meio do mês tem que começar já a fazer as dívidas. Fia no compadre, fia no primo. No final do mês, metade do salário paga a dívida e o bocado que sobra dá outra vez até ao dia 10, dia 15 e começam novas dívidas. Estes 3 segmentos da classe média representam 25% da nossa população. 65 a 70% são os pobres, dos quais 25% estão muito pobres. É estrutura de alto risco. Potencia a tensão social e aumenta a criminalidade sobretudo nos centros urbanos. Estrutura social estável é aquela em que há alguns ricos, há também (infelizmente) alguns pobres, mas a maioria está entre os desenrascados. Se o país tiver 70% deste grupo, então tem-se uma estrutura saudável porque os pobres são poucos (é difícil acabar com eles, embora haja sociedades que conseguiram como as nórdicas).

Angola está na posição 162.º entre os 177 países. Estamos entre os 10 piores do mundo, pelo menos entre 2007/2008. O nível de mortalidade (no nosso caso) é de 25% para as crianças com menos de 5 anos. Em cada 100 crianças que nascem, antes de atingirem 5 anos, 25 morreram. O custo de vida, não vale a pena. Pelo menos Luanda é a cidade mais cara do mundo, neste momento. Até pensava que era a segunda, porque até há poucos meses era a segunda mas este mês passou para a número 1. Número 1 era Tóquio e 2 era Luanda. Agora Luanda é a primeira. A mortalidade materna é de 1400 mulheres em cada 6000 que vão ter parto. Em termos de esperança de vida, para os homens é de 40 anos e para as mulheres de 43 anos. O desemprego é muito grave. 25% da população não tem emprego. Mesmo assim ainda contando com os que estão empregados no sector informal. Tudo isto é o que é Angola neste momento. É o que nós somos, fundamentalmente pobres. Mas se o país é potencialmente rico porque é que somos pobres? Antes de virmos para aqui (só para abrirmos um parênteses) passámos pelo Seminário Maior em que um dos debates foi a pobreza. Porque eu disse quando se vai lá fora, há uma frase provocatória que usam. Dizem: “os angolanos têm uma capacidade ilimitada de aceitação da mediocridade.” Aceitamos a mediocridade! Quando estamos lá também não deixamos desvalorizar o angolano e dizemos que isso não é verdade. Mas entre nós temos que nos perguntar, com honestidade: “não será que nós gostamos mesmo e aceitamos viver assim?” Mas depois me pergunto, porque há filosoficamente um conceito que diz que é o meio social que determina ou condiciona a maneira como a pessoa pensa. O outro que nasceu na aldeia, o pai dele já nasceu e viveu na aldeia, o avô também nasceu e viveu na aldeia, o trabalho é ir à lavra e depois voltar com a mandioca e com a batata-doce, etc., etc. Sempre foi assim, porque é que ele vai pensar que isso está errado? Quem é que foi lá lhe dizer que isso está errado? Ele vai pensar que isso é normal! O avô foi assim, os vizinhos são assim, o primo é assim, porque é que está errado? E aquele que é religioso, no domingo vai à aldeia e diz: “bem-aventurados os pobres porque deles é o reino dos céus!” Quem é que já foi lá para ver se tem o reino dos céus aqueles que são pobres aqui na terra?! Não se sabe! Mas vamos culpar esse cidadão que não tem noção da sua pobreza? Não! Os culpados quem são? Somos nós, os dirigentes! Somos nós, os quadros do país! Empresários, professores, nós é que somos os culpados. Nós é que temos que dizer que isso está errado. Porque a pobreza é por causa de nós, não é porque deus fez assim. Nós, os homens, entre nós, é que estamos a fazer com que uns aproveitam tudo e outros ficam atrás. Afinal nós é que também temos a obrigação de levar a escola naquela aldeia, porque no dia em que o filho do vizinho Francisco foi à escola, quando saiu de lá comprou bicicleta. Ai, eu também preciso, só o outro é que tem direito à bicicleta? Também meto o meu na escola. É o meio social! Veio a escola, começam a abrir os olhos. Afinal não estamos condicionados, não aceitamos a mediocridade. O contexto e a falta de patriotismo e de sensibilidade dos que dirigem, a todos os níveis (não estou a dizer MPLA, todos nós!), mesmo a nível de quadros, começa pelo MPLA porque tem maior responsabilidade, eles é que estão a governar, mas todos temos a obrigação de mostrar às pessoas que está errado! Há alguém que está a governar e que não está a fazer com que as pessoas melhorem as suas vidas. Começar por dizer às pessoas e trazer as condições. Porque senão ele vai pensar mesmo que está bom. Vê-se até nas cidades, em Luanda. 80% das pessoas em Luanda não tem água potável nas torneiras. Mas as pessoas quando vão com os bidões buscar água (100 Kz o bidão), para elas aquilo já virou um bom ambiente. As miúdas até encontram o momento de fugirem de casa e irem namorar. As pessoas aceitaram! Mas é preciso dizer às pessoas que isso está errado, não é assim. Não podemos aceitar a mediocridade e a pobreza. Mas é preciso chamar à atenção das pessoas que elas não nasceram para estarem assim. Isso são os homens que criaram essa condição. Se eu tivesse que recomendar alguma coisa ao nosso governo, para não falar só de outras coisas, escolas, isso, isso, …. que já tem que ser feito, e já sabem, só não fazem porque não querem, ou vão fazendo porque…

1 – É preciso adoptar um vasto e multiforme programa estratégico de redução drástica da pobreza em Angola. Sustentado pelo consenso de todas as forças vivas da nação e suportado por todos os recursos do estado por forma a alterar definitivamente a pirâmide social angolana, ou seja, uma estrutura social caracterizada fundamentalmente pela expansão da classe média nacional para um mínimo de 70% da população, no máximo de 10 anos. Estamos em 2009, temos que fazer um pacto nacional de consenso. Até 2019, 70% a 80% da população tem que estar nessa classe média. Os ricos que fiquem, para ficarmos com o esforço dos poucos pobres que vão ficar. Tem que ser objectivo! Tem que ser um consenso nacional! Quem não estiver na linha de execução desse pacto nacional, tem que sair! Seja qual for a dimensão de responsabilidade que tiver. Tem que ser um pacto nacional concordado com todos. Quem vai discordar disso?! Se fosse possível até termos 100% ou pelo menos 90% da classe média e 10% de ricos, assim estaríamos bem! Nem ainda estamos a pensar nisso. Pelo menos em 10 anos, haja um pacto nacional para esse sentido. 70% no mínimo, seja classe média. Depois dos outros 30%, fiquem 20% ricos e os 10% que vamos fazer o esforço para também trazê-los nos anos subsequentes.

Este ano também vamos ter a continuidade da preparação do CAN, Campeonato Africano. A problemática dos recursos põe-se! Como país somos obrigados a cumprir com a nossa palavra e os nossos compromissos. Não podemos dizer: “eh pá, os campos não são importantes, vamos ainda fazer as escolas.” A imagem do país é que fica em jogo e não podemos voltar atrás. Por isso, todas as infra-estruturas têm que ser feitas. No entanto, a recomendação é: “muitas vezes gostamos de fazer espectáculo para os outros. Vamos fazer estádios aí, vamos fazer coisas às mil maravilhas para mostrar aos outros. Não é isso que é o mais importante. O importante é fazermos as coisas para nós próprios! Os outros quando vêm também beneficiam, mas façamo-las para nós! E quando as fazemos para nós, não exageremos no supérfluo. Façamos aquilo que é funcional, digno e que permita a organização de um campeonato aceitável, pró nível de Angola, mas à medida das responsabilidades que nós temos como país que ainda tem que tirar as pessoas da pobreza. Não haja a tendência para o espectáculo, gastar o dinheiro com o espectáculo. Gastemos com o mínimo essencial e necessário.”

Há uma última questão que vou abordar aqui, que tem a ver com a nossa tendência de gastarmos dinheiro para ir lutar nos outros países, para armar outros países, para fazer coisas noutros países. Não senhor! É previsível que Angola continue numa postura ambivalente. De relação mais formal e menos interactiva com a África Austral, região com países mais fortes, melhor estruturados e com uma evolução democrática muito mais avançada do que Angola. Como exemplo é de notar o facto de Angola não ter aderido à zona de livre comércio da SADC, pedindo uma derrogação de 12 anos, altura em que provavelmente a região austral estará a evoluir para uma união monetária. Por outro lado, Angola mantém uma relação o mais interactiva e imperativa com a África Central onde, Angola tem um óbvio domínio militar e económico em consequência das fraquezas políticas, económicas e militares endémicas da maioria dos países dessa região. O que significa? Nós estamos na SADC, mas como estamos a ver que aí os outros também estão fortes, vamos conversando mas não nos interessa muito. Aqui em cima como estão fracos, é onde vamos andar. Entendo que Angola tem interesse em preservar e contribuir para a paz e a estabilidade dos países vizinhos. Sim senhor, temos que contribuir. Mas também não será que já não morremos o suficiente aqui nas nossas próprias confusões? Será que temos que ir morrer na RDC? Porquê? Os zairenses também não podem lutar lá? Nós é que vamos lá porquê? Nós vamos lá lutar enquanto eles estão a encher aqui as Lundas e a garimpar? Está correcto isso? Não está correcto!! E é por isso que entendo que:

1 – Angola deve orientar a sua política para a região central e de África, dentro dos marcos do direito internacional que rege as relações entre estados. Por razões estratégicas óbvias, é do interesse de Angola que os países vizinhos da África Central tenham paz e estabilidade. Neste quadro, todo o tipo de intervenção militar ou política de Angola nesses países, deve ser desenvolvida respeitando o quadro legal angolano. O que significa? Que se por acaso entendermos que a instabilidade num desses países nos ameaça, também não vamos permitir, mas também seja feito de acordo com a lei. A lei determina que antes de mandar é preciso informar a Assembleia nacional e os deputados tomam conhecimento. Não é preciso mandar assim à noite, ninguém sabe! Depois quando as pessoas começam a morrer lá, não se avisam as famílias, porque não dá para avisar as famílias de que morreram! É só dizer que desertou! Ah, o outro desertou, o filho estava no Lubango, na tropa, como é que desertou se em casa não chegou??!! Afinal o outro morreu no Ngoma. Agora dizer que morreu lá, não dá porque não admitimos que temos lá tropas. Não está correcto! Porque se admitimos e tomamos um consenso: “por razões de estabilidade do nosso país temos que intervir ali”, os angolanos todos diriam: “sim senhor, concordamos, intervenhamos.” E sabemos que é um sacrifício. Se alguém morrer lá, o estado tem que vir avisar a família e depois também tem que dizer: “como o vosso filho morreu lá, era o pai do sustento da casa, a partir de agora há o sustento que o estado trás directamente à família.” É responsabilidade perante a vida dos outros! É fácil mandarmos os outros, e nós próprios? Se fosse a nossa hora de irmos, íamos? Também não íamos! Tem que ser feito dentro do direito internacional, respeitando o quadro legal angolano na base dum consenso mínimo nacional e no âmbito multilateral.

2 – Também é saudável o relacionamento de Angola com países económicos e tecnologicamente mais avançados, na nossa região. Assim é de recomendar maior aproximação com os países da região austral de África, onde se encontram efectivamente países mais desenvolvidos tecnológica e economicamente e com melhores credenciais democráticas. Não nos afastemos da África Austral só em favor da África Central. Atenção com a África Central, dentro de determinados marcos, mas olhemos também para a África Austral que é mesmo aqui ao lado.

Vou terminar, voltando para o que eu disse um bocado antes. A qualidade dos processos políticos de cada país é directamente proporcional à qualidade da participação dos seus cidadãos nesses processos. Nós participamos, nós nos interessamos pelas nossas coisas, teremos melhor qualidade de vida, porque nós próprios é que temos que criar isso. Não participamos, não nos queixemos quando não tivermos essa qualidade de vida. Fiquei encorajado pela forma como aqui as pessoas aderiram e a organização explicou-me que tiveram que mudar da sala para aqui para fora porque havia muita gente, é bom sinal, pelo menos da perspectiva quantitativa. Espero que também seja da perspectiva qualitativa para que sejamos cidadãos úteis e conscientes. O que nós fizermos para o nosso próprio país, não é de forma abstracta, porque é para as nossas próprias vidas. O país não é uma coisa abstracta. É o território, mas mais que o território, são as pessoas que estão ali. São essas pessoas que merecem ter a qualidade de vida que a nossa constituição exige e que nós próprios, como dirigentes, deveríamos querer para os nossos cidadãos. Há um ditado que diz que é melhor eu fazer para o outro aquilo que eu gostaria que ele fizesse para mim, se ele estivesse no meu lugar. Hoje sou governante. Se eu governar bem para o cidadão, amanhã o filho do cidadão é que é governante, o meu não é, ele vai fazer também aquilo que eu fiz. É melhor eu fazer para outrem, aquilo que gostaria que ele fizesse para mim se ele estivesse no meu lugar.

MUITO OBRIGADO

11/02/2009

DESCONCENTRAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO: Conceitos e Desafios. Qual o papel da SC nos CACS

Victor Moita começou por introduzir a plenária aos conceitos de Desconcentração e Descentralização, enfocando a principal diferença no facto de que a Descentralização obedece a um processo político claro que envolve a constituição de instituições autónomas.

“Temos assim as autarquias locais onde os cidadãos elegem os órgãos que o representam a nível local. Aqui subentende-se a nível de província, de município e quiçá um dia a nível de comuna.

Na DESCONCENTRAÇÃO existe a transferência de poderes que vai significar autonomia financeira implementada por funcionários do Estado, enquanto na DESCENTRALIZAÇÃO a gestão é feita por representantes eleitos. A autonomia financeira que nós estamos aqui a referir é o seguinte. Por exemplo, nós temos os mapas das receitas, a nível dos municípios. Pagamos os impostos como cidadãos e todos esses impostos caiem naquilo a que se chama os cofres (receitas gerais do Estado) e depois cabe à Nação fazer a repartição desses recursos para vários tipos de projectos ou programas que devem ser implementados em determinada localidade. Com a descentralização teríamos, claro que contribuir para o orçamento nacional, grande parte dos recursos recaídos a nível local.

Enquadramento legal
O decreto 27 de 2000 (19 de Maio) realçava já a necessidade de descentralização e desconcentração. No entanto esta lei previa que em relação à desconcentração iria até 2003 e a descentralização até 2005. O que é que se pôde notar? Que de facto até 2003 deu-se algum passo e o passo mais significativo foi a partir da aprovação deste documento, deu-se algumas atribuições e responsabilidades aos governos provinciais e municipais, mas em relação à descentralização até 2005, neste momento a nível de legislação não se deu muitos passos. Quer dizer que é preciso que se faça mais e neste aspecto parámos ali em 2005.

Em função desse trabalhar mais na legislação aparece o decreto-lei n.º 2 de 2007 que atribui novas competências para os governos provinciais e municipais. Essas competências vieram um pouquito alargadas, com alguma autonomia e responsabilidades para as administrações municipais e comunais mas ainda não responde nada, não diz nada sobre a descentralização. Continuamos com a desconcentração de alguns poderes. Esses poderes estão a ser dados devagar, até porque sabemos que as nossas administrações locais do Estado enfermam ainda de alguma incapacidade de recursos humanos. Provavelmente deve ser por isso que nesse aspecto andou devagar. No entanto a lei 02 é a lei que cria os CACS, concretamente no seu artigo 54. Aqui estou a fazer uma pincelada naquilo que são os conceitos. Estamos a dizer que alguma legislação já existe e foi trabalhada nesse sentido.

Antes dos CACS, existia outra coisa que se chamavam os Conselhos do Município (CM). Considero esses CM, embora tenham legitimidade do ponto de vista legal, mas com pouca legitimidade de facto já que os representantes eram formados por elementos de conveniência do Administrador, agentes de opinião mas não influentes necessariamente. O que é que eu quero: Nos CM, a lei dizia que o administrador convidava as pessoas que achava que tinham alguma opinião ou se eram do agrado do administrador. Foram então criados os CM até porque a legislação permitia. O que é que acontece depois com os CACS?

Os CACS
Na minha opinião são mais abrangentes e representativos no domínio da sua composição. Porquê? Porque agora para os CACS, de acordo à lei, diz que a SC deve estar representada dentro lá dentro! Já faz essa exigência! Então, no meu entender, são porta-vozes das comunidades ou instâncias que as representam (que seria o ideal). No entanto a sua opinião não é determinante já que os representantes ainda são indicados, por um lado, e não existe concertação e diálogo entre representantes e representados. O que é que eu quero aqui dizer, mesmo nos CACS, os administradores tiveram a iniciativa de indicar que organizações da SC devem fazer parte dos CACS, porque essas organizações da SC não foram eleitas e por isso não são representativas da SC. Elas aparecem nesse órgão como instituições que são indicadas também pelas administrações locais do Estado porque o administrador considera que a organização da SC (A ou B) tem maior empenho, tem maior engajamento e então ele escolhe, ou por influência de A ou B que convém que determinada organização esteja presente, ele convida. O ideal seria fazer cumprir essa lei no sentido de fazerem parte dos CACS verdadeiros representantes da SC. Tudo poderá estar muito bonito. Podemos ter a legislação muito bem escrita mas se não houver vontade política daqueles que têm que decidir, os CACS não funcionam. Por isso é que desde 2007 alguns municípios têm os CACS a funcionar mas na maior parte dos municípios os CACS não funcionam. Não funcionam, não é porque não há legislação. A legislação está aí! Falta alguma vontade política de alguns que têm a missão de implementar e fazer cumprir essa lei, no sentido de imediatamente criar os CACS. Até por causa da importância que os CACS representam para o diálogo e concertação em relação ao desenvolvimento dessas localidades.

Actores chaves do funcionamento dos CACS
Dentro dos CACS temos os sectores do governo a nível local, temos a SC e o sector privado. Quando estivermos a falar de descentralização, entendemos o envolvimento de muitos sectores da sociedade. As pessoas são eleitas. O sector público e privado entram dentro da gestão dentro da descentralização. Que SC temos? Os indivíduos, as organizações das comunidades de base, as ONG, os grupos religiosos, os grupos tradicionais, as associações de jovens, idosos, etc.

A mobilização dos actores
Se tivermos uma SC organizada, iriam melhorar a eficácia na decisão, promover a equidade, melhorar a eficiência (neste caso inclui-se o aumento da transparência). A SC e outros membros da sociedade podem ajudar a captar os recursos para o desenvolvimento do município.

O nível de participação
Nos CACS neste momento, na experiência que tenho é que os membros da SC que estão dentro recebem muito mais informação das administrações que as administrações da SC, porque os membros da SC são convidados ao CACS, nas reuniões dos CACS, simplesmente para ouvirem a decisão que as administrações municipais têm para lhes informar. O que queremos a nível da SC? É minha opinião que devemos ter uma SC activa, com uma participação activa, onde nos CACS pudessem interagir com as administrações. Assim, teríamos um CACS funcional, um CACS que representava mais ou menos os interesses daqueles que os indicassem para lá estar. Com essa participação activa dos diferentes agentes, nós teríamos a concertação, o consenso, a cooperação e os agentes comprometidos. Que tipo de agentes? Teríamos a SC comprometida com os projectos e programas a serem desenvolvidos nas localidades. Neste momento uma série de programas e projectos são questionáveis, uma vez que os agentes da SC não têm participação activa e directa na aprovação desses programas, a SC não participa directamente, não se encontra comprometida com muitos dos projectos que estão a ser implementados dentro das nossas localidades.

O que falta ao CACS?
Uma das características mais importantes para a implementação do CACS reside na interlocução e na interacção que associa as autoridades públicas locais, as empresas privadas, os actores sociais, estabelecimentos de formação e associações diversas. Este diálogo não assegura por si só o desenvolvimento, mas onde existe, multiplica as possibilidades de êxito e a sustentabilidade nas intervenções.

O que a SC tem para dar no CACS?
Aqui estou a focalizar bastante os CACS!
Têm o conhecimento directo dos problemas sociais e está emersa no tecido social local. Conhece e domina duma foram mais directa os problemas e suas possíveis soluções. Pode dar resposta com mais agilidade e eficácia às solicitações sociais e adoptar medidas que se adeqúem à sua realidade em coordenação com as autoridades locais. Porquê é que eu falo isto da SC?! A SC que temos hoje, tem um bocadinho de menos força que no passado, porque no passado e em tempos muito difíceis, em tempo de guerra, tínhamos uma SC mais activa do que a de hoje. Tínhamos uma SC que interagia bastante na área de emergência, do apoio alimentar, na área de saúde, na área de educação e hoje que a SC precisa de diálogo, está mais desarticulada. Porque a SC trabalhou muito estreitamente focalizada dentro das comunidades, a ADRA que está aí é um exemplo, o OKUTIUKA, o OMUNGA e muitos outros, que são organizações que trabalharam muito directamente com as comunidades, possuem um capital que não pode ser dispensado pelas autoridades locais. É esse capital que gostaríamos que estivesse representado no CACS de forma muito mais abrangente, no sentido de potencializar as administrações locais do Estado para que elas possam crescer, ouvindo as opiniões certas com o fim de decidirmos aquilo que deve ser feito para o funcionamento dos CACS.

O que se espera da SC?
Precisamos de diálogo permanente entre os diversos actores e formação de capacidades. A SC tem muito a dar nos CACS. Que questionem as administrações locais! Que conheçam e participem na elaboração dos planos de desenvolvimento e principais projectos! Seria muito bom que a SC tivesse essa capacidade dentro dos CACS para poder ajudar.

Quando é que os CACS passam a ter o seu real valor?
Faço esta interrogação porquê?! Faço parte daqueles quadros que trabalhámos bastante, temos estado a trabalhar. Trabalhámos na legislação (lei 02), demos muita opinião para a lei 02. Não posso considerar que a expectativa que tínhamos foi a mesma depois de ela ter sido publicada, porque trabalhámos bastante e é fruto de muita auscultação que a Assembleia Nacional fez, e o próprio MAT que trabalhou bastante com algumas instituições, entre elas aquelas que já estavam a trabalhar com algumas organizações da SC e tinham alguns conhecimentos sobre a criação e constituição de Fóruns a nível local (a ADRA já tinha dado passos muito importantes na criação de alguns fóruns, o Fundo de Apoio Social também já tinha dado) no sentido de melhorar os Conselhos dos municípios para os CACS. Só que os CACS, para mim, ainda deixam muito a desejar. Por isso eu pergunto: quem vai dar o reforço para que isso tenha êxito, para que os CACS tenham o seu real papel? O governo municipal, o governo provincial, o governo central, as organizações da SC? Quem e quando? Porquê eu questiono isso? Questiono tal e qual como o Sérgio questionou lá atrás!

09/02/2009

DESCENTRALIZAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO: Conceitos e Realidades. Qual o papel da Sociedade Civil (SC) nos Conselhos de Auscultação e Concertação Social

O Sérgio Calundungo salientou o facto de na sala haver pouca representatividade feminina e argumentou a sua presença lendo a introdução do convite: “A 5 de Setembro de 2008 realizaram-se as segundas eleições legislativas em Angola. Com a ideia da consolidação cada vez maior do processo democrático, como é que podemos cada mais fazer sentir o poder da democracia como a soberania do povo? É necessário fazer compreender e esclarecer a população sobre todo o processo quer administrativo, judicial e político.”

A partir das eleições o país começa a entrar na normalidade democrática mas é importante compreender que muitos processos políticos não se esgotam no simples acto de num dia fazer a escolha. A vida continua sempre mais vida, antes e depois das eleições. Creio que a descentralização é também um processo que pode consolidar a nossa democracia.

Em que contexto estamos a falar de descentralização? Gostaria de colocar de início algumas componentes que no meu ponto de vista reflectem o contexto em angolano.

Angola tem um grande desafio que é construir um estado democrático íntegro e eficiente. O desafio de construir um Estado não só em que a democracia resuma a um procedimento formal, a umas instituições, mas que cada dia, no dia-a-dia, possamos enquanto cidadãos deste país, sentir que o Estado é cada vez mais forte. Por forte entendo do ponto de vista de eficiência e integridade com relação aos valores democráticos.

A desigualdade social.
Todos sabemos que Angola é um país que cresce a grandes números. Normalmente quando se apresenta Angola nos palcos internacionais é conhecido como um país com níveis de crescimento muito grandes e, normalmente estamos a dizer o quanto estamos a produzir. Mas há também sempre a preocupação de saber como é que as pessoas estão a viver e aí é o desafio que temos que ultrapassar, a desigualdade social.

A reconciliação nacional
Logicamente que o período duro de guerra que os angolanos sofreram (e fizeram infelizmente), não se esgota com o cessar-fogo, com um período de integração. Não! Eu acho que vamos levar tempo (espero que seja o mais breve possível) a compreender-nos a aceitarmo-nos, a perdoarmo-nos. Vai levar algum tempo!

Modelo de desenvolvimento económico, social, político e cultural.
Eu penso que a descentralização é também um elemento fundamental do modelo político do país que queremos.

Com base nestes 4 elementos vou tentar abordar a descentralização, papel dos CACS, entre outras questões. Foco a minha apresentação em 5 aspectos:

1 - Qual o Conceito ou a apreciação que fazemos sobre a descentralização?
2 - Como avaliamos a operacionalização do processo de descentralização e desconcentração?
3 - Porquê que os autores da SC querem participar no processo? O que eles querem?
4 - O que queremos alcançar ao nível global da nossa intervenção?
5 - Enquanto parceiros o que podemos oferecer ao processo?

Embora seja uma coisa que não gosto muito de fazer, mas normalmente se pede para falar dos conceitos, tentei buscar aquilo que é mais de senso comum:

DESCONCENTRAÇÃO: Tem a ver mais com o processo administrativo de atribuição de competências a outras entidades territoriais. A administração central do estado dá algumas competências a determinadas entidades e essas competências podem ser exercidas dentro do Estado nacional mas ficam circunscritas a uma área específica que pode ser um município ou uma província. Esta é a ideia mais comum.

DESCENTRALIZAÇÃO: Estamos a falar dum processo político que visa transferir atribuições da administração central do Estado para outras entidades territorialmente delimitadas.

Quero frisar aqui duas ideias e depois vou explicar porquê.

Uma é um processo administrativo e administrativamente entendemos que possivelmente não faz sentido que o Ministro da Saúde gira o hospital regional de Benguela ou de outra localidade e administrativamente passa competências a uma pessoa, para aquilo que é a temática de gestão de um hospital de uma dada região, o fazer. E a outra que é um processo político, ou seja, passa competências mas através de um processo político. Na minha opinião estas são as grandes diferenças. Qual é a sensação que tenho no caso angolano? É que nós usamos indistintamente, às vezes confusamente (que também é normal) e às vezes abusivamente os dois termos, descentralização e desconcentração, como se fossem a mesma coisa e é sobre isto que gostaria de falar.

Na minha opinião a tendência de debate sobre a descentralização e desconcentração em Angola centra-se muito naquilo que diria serem os aspectos visíveis do problema. Não digo que não sejam importantes mas não são exclusivos para falarmos do problema de descentralização e desconcentração.

Aspectos visíveis
A descentralização tem uma base na nossa lei constitucional (e deve ter!). Quero chamar particularmente à atenção àqueles e àquelas que gostariam de estar envolvidos no processo de revisão constitucional. Se repararem a tendência do debate é sempre centrar na forma como é que se vai eleger o presidente. Mas não deve ser só isso. Uma Constituição tem que abarcar muitas coisas. A melhor maneira de se conseguir uma boa legislação sobre a descentralização é que a Constituição comece já a plasmar princípios que falem dela. A Constituição tem que dizer se vamos ter autarquias ou não, se os governadores são eleitos ou nomeados, uma série de princípios orientadores. Não vou dizer qual é a minha opinião porque creio que cada um de nós tem a sua e isto é o que é o mais importante num debate democrático, respeitar as ideias, mas chamar à atenção que provavelmente um grupo de cidadãos comece já a discutir isto. Creio que a agenda dos partidos políticos tende a concentrar-se mais no quem vai governar, como vai governar (não é menos importante) mas se calhar como SC, gostaríamos antes de ver (sendo duma província, sendo dum município) que poderes deveriam ter os nossos municípios, já! Depois o que temos é também já algum movimento do governo angolano nessa linha e das instituições do Estado.

Legislação em vigor
O primeiro é o decreto-lei 27/00 que criou a orgânica dos governos provinciais, delegações que passaram a ser direcções provinciais com uma série de competências. Ultimamente há um outro decreto que é o 02/07 que fala dos CACS e da Administração Municipal. Estes dois decretos funcionam um pouco como a bíblia. Muitos falam, muitos a evocam mas pouco sobre elas sabemos, pouco fazemos (pouco esforço) para sabê-los. Falo de nós, actores da SC, mas também dos actores do Estado.

Eu trabalho com a ADRA. A ADRA é uma organização que trabalha em muitos municípios (27), 80’000 famílias, 800 comunas e um dos temas do nosso trabalho é a actividade cívica, trabalhos com as administrações locais e o nosso dia-a-dia nos mostra que muitas das vezes esses decretos são mencionados mas o que conta, o que diz, como diz, não é muito conhecido.

A criação dos CACS
É um espaço institucional que é criado à luz do decreto, de diálogo, de interacção entre as administrações locais e os cidadãos. Temos ainda a ideia dos Municípios passam a ser Unidades Orçamentárias (UO), temos a lei de terras e a lei do ordenamento do território.

Quis citar alguns aspectos visíveis que estão em curso em Angola e que a sensação que tenho é que o debate sobre a descentralização vai por ali. Outra evidência clara, é que é muito raro alguém não concordar com a descentralização e, ficaria surpreendido se nesta sala alguém não concordasse com a descentralização. Em geral reflecte a ideia de todos. Todos estão a favor da descentralização. Nunca ouvi um pronunciamento público do governo, da oposição, contra a descentralização. Todo o mundo diz que a descentralização é desejável. Estas são as ferramentas e o importante é conhecê-las, apreciá-las e analisá-las. Mas a parte esquecida no debate, no meu entender, é:

Aspectos a clarificar
Qual é o direccionamento? Qual a visão sobre o processo? Imaginemos que eu vivo num município (como o do Lobito ou de Benguela), que é que eu entendo de um município descentralizado? Que competências gostaria que estivessem aqui no município para evitar que o meu administrador, quando fosse exigir algo, me dissesse “aguardo orientações da província ou aguardo orientações do governo central”.

Que atribuições vão ter os municípios? Que poderes de decisão, sobretudo nas questões de terra? Quais os princípios fundamentais? Há várias formas de definir a ideia de descentralização. Há uns que defendem: “se houver descentralização os serviços vão chegar de forma mais eficiente, mas não significa que estão a dizer que determinados poderes só e somente podem ser exercidos a nível local (não aceitar a ideia de que deixam de ser exercidos a nível central). Há pessoas que defendem este princípio. Há pessoas que utilizam a ideia da descentralização (há quem os denomine por isolacionistas) para reclamar um estatuto do tipo da Madeira e dos Açores. Somos autónomos, temos poderes locais! Há vários princípios e o importante é discuti-los. Só assim é que vamos saber o que pretendemos com este processo e como se deve realizar. Não tenho dúvidas que haja grandes discrepâncias no espaço público e político angolano sobre a ideia de que a descentralização é boa e má. O problema não é aí. O problema é o que se pretende com o processo e como se deve fazer!

Será que os aspectos visíveis são o melhor caminho? Serão os únicos caminhos? Este é o conteúdo de discussão que não se tem.

Outro aspecto que teríamos que superar nesta discussão, é a grande dificuldade que temos para operacionalizar decisões. Há uma lei que diz que devemos ter os CACS. Na grande maioria dos municípios em que trabalhamos, não funcionam os CACS. Mais grave é que as pessoas responsáveis ou as instituições responsáveis para implementar dizem que “aguardamos orientações superiores”. É uma lei! A lei é de obrigatório cumprimento!

Temos também dificuldade na prontidão para a inovação. Este decreto obriga a uma série de inovações a nível local, na forma de dialogar com o cidadão, no comportamento que, provavelmente temos que superar. A ideia de cumprimento com as regras, com os procedimentos e com as normas que também tem que ser apreendido. Criam-se leis mas depois o nosso compromisso para cumprir, e quando falo disso, falo das instituições públicas, mas também do nosso comportamento como cidadão. Pessoalmente penso que deveria haver mais iniciativa legislativa sobre a descentralização, da Assembleia nacional. Até agora o pouco de iniciativa legislativa vem mais do governo. Melhor coordenação entre os diferentes sectores, entre os diferentes ministérios. Há a ideia de que descentralização é mais propriedade do MAT e os outros ministérios não estão a avançar muito. É algo que há-de superar. É claro que o Ministério da Administração do Território tem um papel de liderança mas existem outras instituições.

O acesso à informação.
Há muito pouca gente sabendo do que é, da relevância destes dossiers para o país. O alargamento dos envolvidos. É um tema que toca a cada um de nós enquanto cidadãos do nosso município. A base de envolvidos nesta discussão deveria ser muito maior. Um exemplo concreto: “existe um grupo de reflexão sobre os aspectos de descentralização. É um grupo em Luanda que tem PNUD, outras agências das Nações Unidas, por acaso a ADRA faz parte, mas é a única organização angolana. Acho que a base para a discussão disto, deveria ser muito maior. A tendência também de alguns CACS que só se reconhece como os autores da SC, as ONGs. Quando na realidade existem outras formas organizativas locais que também não estão nesta discussão.

Porquê que insisto nos aspectos a clarificar e nos aspectos a superar? Porque na minha opinião eles vão ser fundamentais para duas coisas.

A primeira: a nossa maneira de olhar as administrações era mais como instituições detentoras de poder e autoridade, muito menos como instituições detentoras de deveres ou de obrigações estatais. Prefiro olhar para o meu administrador e dizer: “Tu tens deveres, tu tens obrigações para com o cidadão que vive neste município. Não apenas que tens autoridade.” Aí o debate será: “Quais são as administrações que reconhecem que o serviço público é uma obrigação do Estado para com o cidadão? E poderíamos falar mais ideias sobretudo sobre os CACS. Criar os CACS é uma obrigação. Fazê-los funcionar é uma obrigação! Viria ainda a ideia dos actores se são legitimados para o fazer, que habilidades precisam ter (podemos entender que às vezes não há habilidades) para trabalhar nesses espaços institucionais. Às vezes não há recursos e poderíamos pensar: Que recursos serão necessários (humanos, materiais e financeiros)? Será que conhecemos os dossiers e os direitos que eles tentam salvaguardar? Será que nós enquanto cidadãos também tentamos na nossa acção cívica, criar espaços, mecanismos de participação? Será que temos o afã de monitorar, de dialogar? Muitas vezes no debate m Angola, vai-se dizendo: “isto dá-se bem no espaço urbano mas no rural não.” Por exemplo vivo em Luanda, sou uma pessoa entusiasta e trabalho com pessoas que lidam com a descentralização, sei que o meu município recebeu 5’000’000,00 USD e se calhar sei muito menos do que isso. Pessoalmente tentei indagar e não há muitos mecanismos para tentar saber, tentar perceber, tentar contribuir. Como cidadão deveria saber mais. Sobre o uso indistinto dos conceitos, quero pensar que esta confusão é a articulação consciente de um determinado discurso com fins muito precisos. Tenho algumas dúvidas de pensar que é mera confusão, que não dominamos os conceitos. Não! Por trás de um conceito há várias ideias. Não é apenas confusão e é importante indagar. Clarificar aspectos e superar aspectos poderia ajudar a todos nós a saber o que temos por trás da ideia de descentralização.

A segunda: é a operacionalização da lei, de toda a legislação, das políticas, de ideia de UO. Quantos conhecem quais são estratégias para chegarmos à descentralização? Quantos conhecemos quais são as políticas que sustentam todas estas leis? O que está por detrás disto? Parto dum exemplo prático: Em 2006/7 havia uma ideia, “vamos avançar paulatinamente e alguns municípios vão ter acesso a 300’000,00 USD e vamos ensaiar o modelo de UO.” Lá para Junho de 2008 decidiu-se aumentar para 78 municípios e já não são 300’000,00 USD, são 5’000’000,00 USD. Este ano soubemos que são todos os municípios. Pergunto: Qual era o objectivo? Era testar? Qual era a meta? Será que o plano piloto tinha metas concretas? Quais eram os recursos que estiveram envolvidos? Foram os 5’000’000,00 USD, houve inversão na capacitação das administrações. Havia prazos? Por exemplo, são 5’000’000,00 USD, até quando, como é que vai ser? Parecendo que não, isto é muito importante. Tenho toda a curiosidade de saber o que se passou com os primeiros municípios que receberam os 5’000’000,00 USD, quais são as lições que aprendemos, o que funcionou bem e o que funcionou mal, justamente para poder contribuir daqui para a frente. Se isto não é claro para o cidadão ou para aqueles actores que gostariam de contribuir, fica muito difícil! Quando isto não é claro, para as próprias instituições, o desdobramento de competências das diferentes instituições envolvidas também fica meio difícil. O que está a fazer o Ministério das Finanças ligado à descentralização (se calhar até se pode saber)? Mas o que interessa se apenas um Ministério se está a preparar para isso? O que se está a fazer a nível dos serviços de saúde, dos serviços de educação, qual é o grau de articulação que eles vão ter ao longo deste processo de descentralização. Fica meio complicado se não soubermos! O acompanhamento do desempenho! Será que podemos saber, dos municípios que receberam 5’000’000,00 USD, quais os que tiveram bom desempenho, razoável ou negativo? A ideia de questionar e monitorar os resultados fica sem efeito. Perde-se ao longo do processo a previsão realista das necessidades. Se não havia compromissos de metas, recursos, fica muito difícil o feedback e fazer avaliação da melhoria dos serviços, como apresentar sugestões de melhorias. O que vamos mudar desta vez, fica difícil podermos opinar.

Interesse dos actores da SC
Há interesse de colaborar, sobretudo centrando-se nos CACS (a visão, a missão e os valores). Temos que construir. Isto é um processo novo para todo o país e precisamos todos de participar. A nossa contribuição pode ser num marco político, quando estamos bem informados podemos dar contributos. Podemos intervir no marco legal, dizendo o que funciona e o que não funciona a nível da legislação. Podemos contribuir para que haja uma orientação ao cidadão, porque se as forças da SC estiverem envolvidas vão fazer com que o processo não seja meramente de cariz técnico-administrativo ou burocrático. Como cidadãos, quais são as expectativas que temos para o processo de descentralização. Contribui para a questão da qualidade. Não há dúvidas que estruturas descentralizadas, mais próximas da localidade com capacidade de identificação de problemas, mas também de decisão, ajuda muito na inovação. A gestão é mais participativa. Há mais procedimentos, há mais processos. Este é um nível de intervenção da SC.

Há outro nível de contribuição, mas nunca se chega a este sem ter os primeiros, que é “a administração passa a focar no cidadão.” Gosto muito do princípio de quando se olha um administrador, ele não é uma fonte de autoridade, é uma fonte de deveres para com o cidadão. É claro que ele exerce esses deveres na base de uma certa lei. Está subjacente a ideia do foco no cidadão e os CACS podem permitir isto, a gestão feita focalizada no cidadão. Que haja no local capacidade de decisão. Para determinados problemas locais deixaríamos de ouvir muitas palavras de “que estamos a aguardar de orientações.” Reforça os CACS, os Fóruns e outras iniciativas. Dá iniciativa. Começam a surgir lideranças locais, lideranças genuínas. O risco de muitas ONG quererem falar em nome de todos. Isto também acontece na SC. Aparecem os falsos profetas que falam em nome de todos. Os CACS são uma ferramenta óptima de aprendizagem. Os administradores que souberem usar esses espaços podem dispor de espaços de aprendizagem contínua.

Que podemos oferecer?
Como actores da SC podemos oferecer muito. A identificar os hiatos. Porque num processo há sempre zonas que vão bem e zonas que vão pior. Actores que estão sobre o terreno trabalhando em várias zonas podem ajudar e podem ajudar também a monitorar o processo. Isto se aplica a vários níveis: decisores (que estão no poder executivo, legislativo e judicial), dos funcionários (quer do governo central, provincial, municipal e comunal) que tecnicamente têm que dar inputs para avançar e ao nível de outras organizações da SC quer na comuna, quer na província.

Podemos contribuir com ideias na legislação sobre a descentralização. Temos a tendência de omitir que a nível local existem formas organizativas que não são ONG e se a legislação não se precaver, não vai permitir que esses possam participar nos fóruns. Isto é uma questão muito precisa e precisamos de construir a ideia, podemos mostrar evidências que existem essas forças. A nível dos funcionários podemos chamar á atenção para os aspectos de implementação destas mesmas leis. Dizer: “no município tal não há CACS, o administrador alega tal.” A nível dos actores, dos nossos congéneres da SC, podemos também encorajar a ideia. Também às vezes se criam os espaços e as pessoas não participam ou porque têm um sentimento de impotência, ou porque não estão informados, não sabem o que diz o espaço, há uma certa confusão que gera receios e poderíamos encorajar as pessoas a participarem. Dar informação para que o façam conscientemente.

Estou convencido que para um desenvolvimento justo, harmonioso e democrático de Angola, a descentralização é como se fosse a nossa energia. O petróleo vai poder ajudar a construir muitas coisas, é verdade, mas a democracia precisa da energia da descentralização.