CARTA
ABERTA – A CONTÍNUA FRAGILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS EM ANGOLA
Lobito, 30.11.2017
A OMUNGA dirigiu uma
carta aberta ao Presidente da República onde aborda a actual situação do país
no que se refere a Direitos Humanos e à relações entre as instituições
públicas, nomeadamente as administrações e a polícia nacional e, os cidadãos.
Realça que as
movimentações em cargos chaves do país, embora importantes, necessárias e
estratégicas, carecem de transparência. A falta de esclarecimentos precisos à
população sobre as mesmas, revela falta de transparência.
Por outro lado revela
que as referidas mudanças não têm trazido impactos importantes na vida dos
cidadãos e apela para as exptactivas que se colocam no OGE para 2018.
Lembra ainda que “grande parte da população angolana tem muitas dúvidas
quanto à transparência do processo eleitoral que culminou com a declaração por
parte da CNE da vitória do MPLA com 61% e confirmado pelo Tribunal
Constitucional, do qual resultou a sua tomada de posse como presidente da
República. Por isso há que prever que a actual euforia e apoio popular às
mudanças em estruturas importantes e estratégicas, mas sem transparência e sem
mudança nas relações entre instituições públicas e cidadãos, nem na melhoria da
qualidade de vida da população, possa rapidamente transformar-se num
descontentamento e numa frustração alargada em que as consequências possam ser
imprevisíveis”.
Leia a carta na íntegra:
REFª:
OM/ 0311 /2017
Lobito,
30 de Novembro de 2017
Reference no.OBS. 383
C/c: Presidente da Comissão Africana
dos Direitos Humanos e dos Povos – BANJUL
Ao Exmo. Sr.
Presidente da República de Angola
L U A N D A
CARTA
ABERTA – A CONTÍNUA FRAGILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS EM ANGOLA
Exª
Foi
com alguma expectativa que acompanhámos os vossos discursos onde fora realçada
a importância da sociedade civil e a necessidade duma comunicação aberta entre
esta e os órgãos do aparelho do Estado.
Por
outro lado, criou-nos também expectativas com a introdução, em seus discursos,
do reconhecimento da importância do respeito, promoção e proteção dos Direitos
Humanos em Angola.
É
na base destes pressupostos, que a associação OMUNGA decidiu dirigir-se a Sua
Exª através desta carta aberta para abordar a actual situação de Direitos
Humanos em Angola, tomando em conta que nos encontramos em vésperas de
comemoração de mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos
a ter lugar a 10 de Dezembro.
Temos
vindo a acompanhar a quantidade de exonerações e de nomeações para cargos
importantes relacionados com a área de segurança nacional, financeira,
económica e politica. Muitas dessas mudanças eram desde já esperadas e
necessárias quer devido à importância estratégica para a vida do país, quer
para o equilíbrio de forças como para a marcação imprescindível da área de
poder do Presidente da República.
Estas
mudanças contaram e contam com grande apoio popular que realmente estava
cansado do sistema que tem vindo a vigorar no país. No entanto continua-se a
denotar a falta de comunicação com a população. Muitas dessas mudanças carecem
de esclarecimentos, de informações, de processos de investigação que tragam a
transparência de que tanto se necessita.
O
que é certo é que estas mudanças importantes e estratégicas, mas sem
transparência, não têm trazido melhorias directas na vida dos cidadãos e nem na
mudança qualitativa da relação dos cidadãos com as instituições do Estado.
Devemos
iniciar pela relação das administrações e da polícia nacional com os cidadãos.
Todos nós temos acompanhado o relatório produzido pelo activista e jornalista
Rafael Marques sobre os grupos de “esquadrão
da morte” que envolvem agentes dos SIC (Serviços
de Investigação Criminal) em assassinatos de presumíveis cidadãos relacionados
com o crime. Para além de tais actos constituírem grosseiras violações de
Direitos Humanos, tem tirado a vida ou provocado danos irrecuperáveis, quer
físicos e psíquicos, como também afectações financeiras de muitos cidadãos inocentes
e de suas famílias.
Tais denúncias merecem urgente investigação.
Ainda
mais recentemente, circulou nas redes sociais que a 28 de Novembro de 2017, na
rua direita da Robaldina, Km 9A, em
Viana, pelas 16H30, um jovem foi assassinado por presumíveis agentes dos SIC e
o seu corpo deixado no local. Antes
foram ouvidos mais de 16 disparos e 8 homens transportados num Land Cruiser
branco de vidros fumados de 5 portas que perseguiram o jovem até acabarem de
matá-lo com vários tiros.
Já
a 27 de Julho de 2017, a OMUNGA endereçou uma carta ao Comandante Municipal da
PN do Lobito a denunciar procedimentos levados a cabo por agentes da 1ª
Esquadra contra cidadãos moradores de rua tais como agressões, detenções,
furtos e maus tratos. O assunto ficou aparentemente resolvido com a direção
municipal dos SIC. Realmente tais procedimentos aparentemente tinham terminado
até que na madrugada de 25 de Novembro, por volta das 2 horas, 3 viaturas da
polícia, com agentes mascarados e comandados pelos senhores Cativa e Armindo da
1ª Esquadra do Lobito, efectuaram um “assalto”
às diferentes “paradas” na cidade do
Lobito (4) culminando na destruição e queima dos parcos haveres destes
cidadãos, incluindo dinheiro e documentos pessoais, como a detenção de 15
cidadãos que sofreram maus tratos, agressões e obrigados a limpar as foças, a
unidade policial e as viaturas da unidade. Os cidadãos denunciam ainda que
outros bens foram furtados pelos próprios agentes.
A
referida acção policial quer aparentar ser um acto no âmbito do asseguramento
da população escondendo assim uma intervenção preconceituosa e com base
discriminatória por parte da polícia nacional contra grupos de cidadãos
específicos, moradores de rua.
Devemos
lembrar que, o facto de cidadãos ainda necessitarem de viver nas ruas da cidade
do Lobito, sem a mínima dignidade e em condições de extrema pobreza deve ser
considerada responsabilidade da Administração do Lobito já que não cumpriu com
o compromisso do Governo Provincial de Benguela, na pessoa do então Governador
Provincial de Benguela, General Armando da Cruz Neto, de se construírem 300
habitações na área do então centro 16 de Junho, Bº 27 de Março, zona alta da
cidade do Lobito, para estes cidadãos.
Pelo
contrário, a Administração Municipal efectuou a venda de grande parte do
terreno que deveria ser utilizado para a construção das referidas habitações e
apenas construiu 88, estando assim um défice de 212 habitações que esperamos
que a Administração Municipal assuma a sua construção.
Entretanto,
a 13 de Novembro de 2017 por volta das 2horas, agentes da polícia nacional
atacaram cidadãos que ocuparam os terrenos que dizem pertencer à empresa SECIL,
na zona do Ténis, parte alta da cidade do Lobito. Ao mesmo tempo, invadiram
residências noutros locais onde “capturaram”
cidadãos que consideravam serem os líderes das referidas ocupações. Estas
acções realizadas durante a madrugada, sem mandatos de captura e com uso
excessivo de violência, constituem flagrante violação dos pressupostos
processuais jurídicos.
Mediante
a revolta dos populares, foram chamados reforços da unidade canina que iniciou
uma acção de extrema violência contra a população. De toda esta acção foram
detidos 15 cidadãos que foram depois julgados e condenados pelo Tribunal
Provincial do Lobito a 17 de Novembro de 2017. Mais uma vez se verifica o uso
do judiciário para legitimar a violência policial e a incapacidade das
administrações de resolverem de forma pacífica e negocial, os conflitos de
terras urbanas.
Por
outro lado continua-se a ver a justiça como um campo político. Isto é claro se
considerarmos as declarações do Ministro das Relações Exteriores, Manuel
Domingos Augusto, “em entrevista à Lusa e
à rádio francesa TF1 à margem da cimeira entre a União Europeia e a União
Africana” que decorre de 29 a 30 de Novembro em Abidjan, na Costa do
Marfim. Segundo O Jornal Económico, o Ministro terá dito que “enquanto o caso (de Manuel Vicente) não tiver um desfecho, o Estado angolano
não se moverá nas acções, que todos precisamos, de colaboração com Portugal”.
De acordo ainda a este jornal, o Ministro Manuel Augusto terá declarado que “este já não é um caso individual de justiça, é um caso do Estado
angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas
ações de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado
português verem se vale a pena esta guerra”.
Tais declarações do Ministro
Manuel Augusto aparenta um posicionamento de que Angola continua a negar a
justiça desde que seja para proteger determinadas entidades políticas mesmo que
os crimes de que sejam acusados sejam extremamente graves e que possam ter
prejudicado o Estado, a Nação e o Povo.
Por outro lado, preocupa-nos
grandemente a actual situação da saúde. A OMUNGA só este ano acompanhou 25
óbitos de cidadãos moradores de rua em unidades hospitalares do Lobito, por
tuberculose, uma vez que as mesmas unidades hospitalares não possuem
medicamentos e nem alimentação suficiente e adequada. A OMUNGA continua ainda a
acompanhar outros casos, quer de tuberculose, quer de HIV, recorrendo à compra
de medicamentos nos mercados informais. Infelizmente, são estes vendedores
ambulantes que são também alvo das perseguições policiais. Em vésperas de
aprovação do OGE para 2018, a população está preocupada com o que será alocado
à saúde e espera que o Estado angolano cumpra com os seus compromissos
internacionais no que refere ao percentual a cabimentar a este sector e a toda
a área social.
Esperamos assim, que haja um
reforço significativo e qualitativo do sector social, nomeadamente a saúde e
habitação social no âmbito da Protecção Social para os grupos sociais mais
desprotegidos e vulneráveis, tais como os moradores de rua e, uma diminuição
concreta nos orçamentos dos sectores de segurança e militar.
Angola
conseguiu ser eleita para o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e
conseguiu a eleição de uma Comissária para a Comissão Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos. Por tal razão deve mudar os procedimentos das instituições
públicas, nomeadamente as administrações e a polícia, no seu relacionamento com
os cidadãos.
É
importante recordar que grande parte da população angolana tem muitas dúvidas
quanto à transparência do processo eleitoral que culminou com a declaração por
parte da CNE da vitória do MPLA com 61% e confirmado pelo Tribunal
Constitucional, do qual resultou a sua tomada de posse como presidente da
República. Por isso há que prever que a actual euforia e apoio popular às
mudanças em estruturas importantes e estratégicas, mas sem transparência e sem
mudança nas relações entre instituições públicas e cidadãos, nem na melhoria da
qualidade de vida da população, possa rapidamente transformar-se num
descontentamento e numa frustração alargada em que as consequências possam ser
imprevisíveis.
Sem
qualquer outro assunto de momento, aceite Exmo. Presidente, as nossas cordiais
saudações.
José
A. M. Patrocínio
Director
Executivo