26/03/2009

CRISE GLOBAL ECONÓMICA: Efeitos e Desafios para Angola

Se quisermos de facto entender a presente crise que assola o mundo, teremos que ver as eventuais semelhanças que ela tem com a “Crise de 1929”, historicamente conhecida como “A Grande Depressão”, que pode ser caracterizada do seguinte modo:

1. Iniciou nos EUA tendo, depois, propagado para todo o mundo capitalista de então.
2. O dia 24 de Outubro de 1929, uma Quinta-Feira, um dia que passou a ser considerado a “Quinta-Feira Negra”, é tido como o seu início, altura em que as cotações da Bolsa de Nova York caíram drasticamente. Da noite para o dia, milhares de accionistas perderam elevadíssimas somas de dinheiro. Alguns até ficaram mesmo na miséria.
3. Altas taxas de desemprego: ¼ da força de trabalho norte-americana deixou de ter emprego. Mas, em 1940, havia ainda 15% da força-de-trabalho sem emprego. Evolução do desemprego nos EUA: em Abril de 1930 eram 3 milhões os desempregados; em Outubro do mesmo ano eram já 4 milhões; em 1931 eram 7 milhões; 11 milhões em Outubro de 1932; 14 milhões no início de 1933.
4. Redução drástica do produto interno bruto (PIB).
5. Quebra na produção industrial que, globalmente, se viu reduzida em 45%. Por exemplo, a produção de aço caiu cerca de 60%, a produção de automóveis caiu 70%.
6. O valor das acções no mercado financeiro caiu drasticamente, levando bancos e indústrias à falência.
7. Reduziram-se as exportações, e os grandes proprietários agrícolas, por exemplo, deixaram de poder saldar as dívidas contraídas no período de euforia. Os bancos optaram pelo confisco das terras. As instituições bancárias também deixaram de receber o pagamento dos industriais, pois estes tinham reduzido também a sua produção. Por isso, faliram.
8. Em geral, os preços dos principais produtos caíram (deflação).

Os efeitos da Grande Depressão não se fizeram sentir uniformemente em todos os países, tendo uns sido mais fustigados que os outros. Para além dos EUA, os países mais penalizados foram a França, Reino Unido, Alemanha, Austrália, Itália, e, sobretudo, o Canadá. A União Soviética, uma economia recentemente fechada ao capitalismo, escapou aos efeitos da Grande Depressão. Decorria, então, o 2º Plano Quinquenal da era soviética.

Qual a situação antes da Crise de 1929:

1. Como o mercado consumidor estava em expansão, estava-se num período de superprodução. Os EUA exportavam muito para os países europeus que tinham sido destruídos pela Primeira Guerra Mundial. Por causa da destruição, houve não só um impacto negativo sobre a produção desses países, mas também uma retracção do consumo.
2. Como as empresas americanas estavam a obter grandes lucros, o valor das suas acções ia crescendo, o que deu origem à criação das chamadas “sociedades anónimas”. Foi nessa altura que surgiram também empresas encarregues apenas de gerir e de investir dinheiro.
3. Deu-se uma forte expansão do crédito e o parcelamento do pagamento das mercadorias, o que gerou grande actividade especulativa.
4. Porém, com a recuperação das economias europeias, os EUA passaram a exportar menos para a Europa.
5. Eis, pois, esta teoria explicativa da crise: baixa da procura e existência de superprodução, que teve consequências sobre os preços, que baixaram. A baixa dos preços provocou a quebra das cotações das bolsas.
6. Outra teoria explicativa: o Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill terá levado o Reino Unido, em 1925, a retomar o uso do padrão-ouro. Consequência: uma massiva deflação no Império Britânico, e o colapso do comércio internacional.
7. Há também quem assuma o facto de, pelo chamado Acto da Tarifa de Smoot-Hawley, se ter aumentado os impostos sobre cerca de 20 mil produtos.
8. Também se atribui tal responsabilidade à política monetária da Reserva Federal norte-americana, baseada na redução das reservas monetárias com vista a reduzir uma suposta inflação. Mas, na época, o que se estava a dar era precisamente o contrário, havia deflação. Esta é a teoria do economista Peter Temin, etc.

Como se saiu da Crise:

1. O Presidente Franklin Roosevelt acreditava no papel do governo para a saída crise. Pelo contrário, o ex-Presidente Herbert Hoover acreditava nas forças espontâneas do mercado, sobretudo, o comércio.
2. Roosevelt fez aprovar um pacote legislativo, que ficou para a história como o “New Deal” (Novo Acordo), para apoio às famílias e pessoas singulares mais necessitadas; criação de emprego através de parcerias entre governo, empresas e consumidores; reformulação do sistema económico e governamental dos EUA.
3. Criaram-se agências governamentais para administrar os programas de ajuda social, muitas dessas agências com carácter descentralizado pelos estados da União.
4. Criaram-se agências para fomentar o emprego em actividades como a construção de aeroportos, escolas, hospitais, pontes, represas, etc. Mesmo assim, as taxas de desemprego permaneceram altas durante toda a crise e mesmo depois.
5. Estabelecimento de leis anti-monopólio.
6. Introduziram-se reformas de carácter fiscal e financeiro e passou a supervisionar-se melhor a actividade de trabalho.
7. Introduziu-se uma maior regulação das transacções e do comércio bancário.
8. Regulou-se o comércio bolsista para se evitar actividades especulativas.
9. Protegeram-se os mais débeis fornecendo-se pensões mensais para os reformados e deu-se ajuda financeira temporária aos desempregados.
10. Estimulou-se o comércio doméstico pela redução de algumas tarifas aduaneiras sobre produtos estrangeiros.
11. Gradualmente, abandonou-se o padrão-ouro, fortalecendo-se o papel do dólar.

A Crise Global actual:

1. A bolsa de Nova York, conhecida por Wall Street, colapsou e os seus impactos fizeram-se sentir sobre as suas congéneres europeias. As bolsas asiáticas também foram afectadas por esta crise financeira, tida como a mais grave desde a Grande Depressão.
2. A presente crise desenvolve-se desde o ano 2007, altura em que algumas instituições de crédito norte-americanas começaram a sentir falta de liquidez, por causa do volumoso crédito malparado criado no sector imobiliário. Foi no sector imobiliário que se verificaram os maiores desequilíbrios.
3. Segundo alguns analistas e economistas, a responsabilidade pela actual crise terá sido da política monetária que a Reserva Federal norte-americana implementou. A política monetária da FED baseou-se na utilização de taxas de juro de referência muito baixas, para embaratecer o crédito cedido à economia e, assim, estimular o seu crescimento.
4. A propagação da crise ao continente asiático deu-se, sobretudo, pela perda de valor dos títulos transaccionados nas bolsas.
5. Ficou bem visível a grande vulnerabilidade do sector financeiro europeu, vivendo as mesmas dificuldades que o dos Estados Unidos da América.
6. O Japão também entrou em recessão, e a economia da China, que cresceu, durante a última década, a taxas de dois dígitos, está ela também a conhecer uma acentuada desaceleração.
7. A desaceleração do crescimento económico chinês tem, sobretudo, a ver com a redução das suas exportações, muitas delas direccionadas para os EUA e para a Europa. Mesmo assim, prevê-se ainda um crescimento mais forte na economia do continente asiático, do que a economia mundial. O Banco Mundial fala numa contracção severa do crescimento da economia mundial, 5% abaixo do seu potencial.
8. O FMI prevê um crescimento da economia africana na ordem dos 3%, logo abaixo dos 5,4% do ano passado.
9. Um recente relatório do BM alerta para o perigo de a actual crise vir a afectar duramente os países em vias de desenvolvimento, e também para riscos sociais e políticos nestes países.
10. O comércio mundial vai registar a sua maior quebra dos últimos 80 anos.
11. A produção industrial mundial vai decrescer cerca de 15% relativamente ao ano de 2008.
12. 94 dos 116 países em vias de desenvolvimento estão a registar um abrandamento económico, e, mesmo com a redução dos preços dos bens alimentares, a pobreza está a aumentar em 43 países. Nem sempre a queda dos preços dos produtos alimentares nos mercados mundiais se reflecte positivamente nos consumidores, de tal modo que o preço do milho caiu 32% num trimestre, e, contudo, o preço no consumidor só baixou 1%.
13. Os países em vias de desenvolvimento nem sempre beneficiam da descida dos preços das matérias-primas, como, por exemplo, o petróleo, diz ao BM,
14. O Banco Mundial alerta para uma falta de liquidez por parte dos países menos desenvolvidos na ordem dos 700 mil milhões de usd, o que lhes vai dificultar o pagamento das importações que realizam, assim como para cumprirem os encargos com as suas dívidas.
15. No início da presente crise, correram risco de falência prestigiados bancos europeus como o belga-holandês FORTIS, o franco-belga DEXIA (contaminado pela crise na sua filial americana), o britânico BRADFORT & BINGLEY, o alemão HYPO REAL ESTATE, e o maior banco italiano, o UniCREDIT. Tais bancos foram objecto de algum tipo de intervenção por parte dos bancos centrais dos respectivos países, ou foram adquiridos, na totalidade ou em parte, por outros bancos mais saudáveis.
16. É minha convicção que o actual intervencionismo do Estado na vida das empresas privadas, quer sob a forma de nacionalização das empresas, quer sob outra qualquer forma de injecção de dinheiro, de modo algum significa o fim do capitalismo. Ele põe, sim, em causa, os fundamentos da variante mais liberal do capitalismo, uma variante que propõe a completa ausência do Estado nos negócios privados, nalguns casos pondo até em causa a sua actividade reguladora. Foi esse o modelo que se impôs nos Estados Unidos da América, nos últimos anos, um modelo que é muito do agrado dos sectores mais direitistas do Partido Republicano.
17. Para os neo-liberais, o mercado tem sempre plena capacidade para, sozinho, promover as afectações mais correctas dos recursos. Para eles, a intervenção do Estado provoca distorções no processo de afectação dos recursos e gera perdas de eficiência.
18. As reticências colocadas por muitos deputados na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos à aprovação do Pacote de Estabilização proposto pelo Secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, mostraram essa enorme relutância ao intervencionismo do Estado. A compra de títulos privados pelo Estado é o equivalente a uma invasão do seu “santuário”. Eles afirmam que a presente situação decorre de uma reacção típica do mercado – um mercado que depura os menos eficientes e os menos prudentes, deixando-os a mercê dos mais capazes e eficazes.
19. O sector mais progressista do Partido Democrata exigiu ao Estado uma maior atenção para a situação difícil das famílias. Esses deputados exigiram, assim, a inclusão no Pacote de Estabilização de um montante que salvaguarde os interesses dos contribuintes e não apenas o dos grandes financeiros de Wall Street.
20. Pelo menos aparentemente, a injecção de liquidez na economia privada por parte dos Estados não põe em causa as regras europeias de concorrência. É isso o que dizem agora os decisores políticos europeus, flexibilizando a interpretação das regras em que assenta o modelo europeu.
21. A crise evoluiu e contaminou o sector real da economia. Devido à descida na procura, o preço internacional de algumas matérias-primas, como a prata, o milho, o cobre, o petróleo, baixou.
22. Qualquer recessão implica uma menor actividade económica. Por sua vez, uma menor actividade económica repercute-se sobre todo o tipo de consumo. A energia foi dos primeiros consumos a ser atingido, em especial, o petróleo, com a consequente queda dos seus preços. Daí que o preço do petróleo esteja hoje a rondar os 40 usd, muito longe dos 147 usd do mês de Junho.
23. O Pacote de Estabilização do novo Presidente americano, Barack Obama, ainda não surtiu o efeito desejado, e reconhece-se mesmo que ele deve ser complementado com outras medidas estruturais, o que já vai acontecendo.
24. As bolsas financeiras continuam a conhecer maus momentos. Em todo o mundo, inúmeras empresas estão a falir, agravando a situação de desemprego.
25. Toda a Europa e também a Ásia estão a ser altamente penalizados. Por exemplo, a China vê a sua economia a desacelerar, prevendo-se um crescimento económico de apenas 1 dígito, o que constitui uma excepção, face à performance que vinha conhecendo nas últimas décadas onde teve taxas sempre próximas dos 10%. A China declara ter perdido 20 milhões de postos de trabalho, até agora, e viu encerrarem-se milhares de empresas.
26. A solução para a presente crise passa por acções em diversas frentes, que vão do estímulo ao consumo (pela injecção de liquidez no sistema financeiro), mas, igualmente, pelo estímulo ao investimento (feito, por exemplo, por meio de uma política fiscal adequada), pela reestruturação do sistema de ensino e investigação (que promovam uma melhoria na competitividade das empresas americanas). É assim que pensa o Presidente Barack Obama.
27. É consensual a ideia de que a crise só será debelada por força da acção conjunta dos países mais importantes do mundo. Mas também quase ninguém tem dúvidas de que, assim como os EUA foram quem iniciou este ciclo de crise, ela também não será completamente ultrapassada sem que os EUA se reabilitem. As razões são simples: quando os bancos norte-americanos retiraram os seus activos dos bancos europeus, estes afundaram; a crise na China aprofundou-se porque as exportações chinesas para o mercado norte-americano se contraíram.

Angola e a Crise actual:

1. Os efeitos da crise económica e financeira repercutem-se, naturalmente, sobre Angola, já porque Angola é uma economia aberta, muito dependente das suas relações com o exterior, quer como país exportador, quer como importador.
2. O impacto mais imediato e mais notório teve lugar sobre o sector petrolífero, por um lado, porque os preços internacionais do petróleo caíram abruptamente (estavam em 147 usd o barril, e hoje rondam os 40 usd), por outro lado, porque, na tentativa de contrariar a descida do preço, a OPEP (de que Angola já é um membro de pleno direito), optou pela redução da sua quota-parte. Com isso, o nosso país perdeu receita (pelo preço e pela redução da produção). O segundo sector a ser atingido foi o dos diamantes, com preços também a tombarem para valores incomportáveis para a manutenção saudável dessa indústria. (Mais vale deixar os diamantes repousarem no subsolo e no leito dos rios do que ir buscá-los, para depois os vender a um preço que nem consegue cobrir a totalidade dos custos de produção).
3. Os impactos sobre o petróleo e o diamante foram suficientes para aconselhar as autoridades nacionais a procederem à revisão do OGE mas, também, ao redimensionamento de um conjunto de actividades constantes do Plano Nacional aprovado.
4. Caso a crise persista e os preços internacionais do petróleo se mantenham muito baixos, o impacto sobre este sector pode ser ainda mais acentuado, levando à selagem de alguns poços, em especial, aqueles cujos custos de actividade forem mais elevados. Teremos, então, seguramente, pelo menos, desemprego temporário na área.
5. Prevejo, para breve, impactos em outros sectores económicos, como o do comércio automóvel, com as vendas a reduzirem, por redução dos rendimentos e, por conseguinte, do poder de compra. As pessoas terão uma menor propensão para a compra de viaturas. A Toyota Angola, pela voz do seu Director Comercial já aventou esta hipótese, mesmo que as vendas até agora não tenham reflectido sinais de contracção.
6. O sector da restauração é outro dos que poderá ser afectado pela crise em curso: menos gastos em hotéis, em restaurantes e bares, etc. O comércio em geral é muito sensível nas épocas de crise, a começar pelo comércio de bens não essenciais.
7. Não tenho dúvidas quanto ao impacto da crise sobre o sector imobiliário, ele já por si muito especulativo em Angola, onde se praticam preços por metro quadrado dos mais elevados do mundo. Aquelas empresas que não fazem reflectir os seus encargos com habitação nos impostos devidos ao Estado irão seguramente ter mais cuidado com a aquisição ou o arrendamento dos imóveis. Com a contracção dos rendimentos, as pessoas individuais terão menor capacidade para fazer face aos elevados custos da habitação, reduzindo a sua procura nos segmentos mais próximos da chamada classe média. Por dificuldades no financiamento (e o Estado não pode desculpar-se com isso, pois, na altura, a crise estava em curso e eram perfeitamente previsíveis os seus impactos em Angola), o Estado não irá cumprir as promessas eleitorais do MPLA de construir cerca de 1 milhão de novas habitações – para não falar já da criação de 1,3 milhões de novos empregos em 4 anos (em recessão económica, o emprego nunca cresce, antes pelo contrário).
8. Mesmo que se dê alguma deslocalização de actividades industriais para Angola (em relação às quais eu tenho muitas dúvidas quanto à sua qualidade, competitividade e respeito pelas condições de trabalho e ambientais), elas não serão suficientes para ajudar a criar tal volume de emprego.
9. A produção agrícola pode vir a crescer e, com isso, substituir alguma importação, criando, assim, condições favoráveis ao desenvolvimento da agro-indústria. Mas, tudo isso levará algum tempo, talvez se venha a reflectir apenas depois da superação da actual crise.
10. Os bancos nacionais ou sedeados em Angola vão limitar os seus créditos ao consumo e, sobretudo, ao investimento, por falta de confiança. Em economia, a incerteza é relevante para a tomada de decisão, aumenta a aversão ao risco e eleva o custo do dinheiro. Afasta, pois, os bons investimentos, favorecendo os mais especulativos.
11. O financiamento por fundos externos tornar-se-á mais difícil, por falta de liquidez da grande maioria dos bancos internacionais. Sem financiamentos adequados a actividade económica torna-se mais morosa.
12. Em resumo, Angola sofrerá, de uma forma mais ou menos profunda, os impactos da crise, quer na sua dimensão financeira, quer na dimensão económica.


JUSTINO PINTO DE ANDRADE

QUINTAS DE DEBATE - BENGUELA, 19 DE MARÇO DE 2009

24/03/2009

O SISTEMA JUDICIAL E A CONSTITUIÇÃO - Inglês Pinto (O.A.A.)



O juiz é um homem que se move dentro do Direito como o prisioneiro dentro de seu cárcere.
Tem liberdade para mover-se e nisso actua sua vontade; o Direito, entretanto, lhe fixa limites muito estreitos, que não podem ser ultrapassados. O importante, o grave, o verdadeiramente transcendental do Direito não está no cárcere, isto é, nos limites, mas no próprio homem.
Eduardo Couture (1)

Ao iniciarmos este debate, importa antes de tudo tecer algumas considerações sobre a natureza e função do poder judicial e o seu enquadramento na constituição vigente e na futura carta constitucional. Para nós é bastante gratificante intervir neste processo de cidadania – a participação no debate constitucional, assim sede agradecemos o convite que nos foi formulado pela OMUNGA uma ONG bastante interventiva neste domínio, no contexto mais geral da promoção e defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.
1. Em linhas gerais a natureza e função social do poder judicial prende-se com a resolução de conflitos e, em alguns casos, com a composição de interesses e com a acção condenatória e sancionatória das condutas sociais violadoras das normas fundamentais da sociedade. A aplicação da lei em geral, como forma de garantia de uma convivência salutar entre os membros de uma comunidade.
2. Colocamos intencionalmente a função sancionatória em segundo plano…. Numa perspectiva democrática tem sido por muitos questionado a natureza deste poder, mormente no que se refere a forma de provimento dos cargos a eles inerentes. Tendo como divisa de quando mais directa for a escolha, por parte dos cidadãos, entenda-se, esclarecidos, dos titulares dos cargos relativos ao exercício dos públicos, melhor. Desde o legislativo ao judicial, passando pelo executivo desde o de nível central ao local. A denominada institucionalização da vontade do cidadão. Mais um ponto para reflexão.
3. O texto constitucional vigente (LC) consagra o poder judicial no Capítulo V, secção I com a epigrafe – Dos Tribunais, tidos como órgãos de soberania com competência administrar justiça em nome do povo, entenda-se, em nome do povo… consagrando nas secções seguintes outros órgãos de justiça como a PGR, o Provedor da Justiça, no entanto sem dar um tratamento bastante feliz dado pela então Comissão Constitucional que no “Anteprojecto de Constituição da República de Angola” (ALCRA), consagra no seu Capítulo VI – Das Instituições Essenciais à Justiça a advocacia”.
4. Numa perspectiva constituinte e de implementação ou efectivação de um texto constitucional o Sistema Judicial pode e deve ser tido como um instrumento imprescindível para a realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, do funcionamento das instituições públicas e sua estabilidade, um poder para os contrapoderes, n o estrito respeito pelo princípio da separação e interdependência de funções de órgãos de soberania, como a base para o normal funcionamento do Estado de direito democrático. – vide artigo 54º da LC e Alina g) do artigo 143º do ALCRA.
5. Com o fim de cumprir com as suas funções o poder judicial deve ser caracterizado pela:
- Acesso igual à justiça, com base no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei – artigo 18º o que implica o papel dos estado em criar as condições para que os cidadãos exerçam os seus direitos e cumpram os seus deveres – artigo 50º da LC;
- O reforço das capacidades do sistema;
- A necessidade de formação técnico-científico, mas dar a devida atenção a ética no exercício das profissões forenses;
- O acesso igual à justiça o mecanismo da Assistência Judicial que implica uma advocacia actuante;
- A celeridade processual;
- Há que rever a legislação processual de modo a simplificar, mas com a devida segurança, celeridade com segurança;
- A independência do poder Judicial face aos poderes políticos, económicos e financeiros, o que depende da capacidade dos magistrados, defendendo princípios básicos da profissão, julgar com independência, com imparcialidade;
- O Controlo interno e externo do Sistema Judicial;
- Uma nova atitude do cidadão perante a Justiça;
- O Acesso à justiça implica uma defesa de qualidade – o papel do advogado;
- O papel da Procuradoria-geral da República – o reforço da sua função de defensora da legalidade, sem colocar em segundo plano a acção penal. A defesa do cidadão e no caso de defesa do Estado este não esta acima do cidadão (apresentar as questões polémicas a este respeito);
- O papel do Provedor de Justiça; ( apresentar as questões polémicas a seu respeito face a situação da moral social e política da sociedade angolana – a questão da ética na sociedade angolana em particular na política);
- A questão da ética no Sistema de Justiça e outros órgãos auxiliares;
- O papel da sociedade civil no controlo
- A educação jurídica da comunidade é um dos aspectos importantes não só no processo constituinte mas na vida social no seu todo.
A participação da sociedade civil é indispensável ao processo e o sistema judicial deve ser devidamente consagrado no texto constitucional realçando-se a sua independência.
Estas são as linhas de força da intervenção, como é evidente com o complemento da intervenção feita de forma aberta e coloquial.

Benguela 05 de Março de 2009.


INGLÊS PINTO




OBS: Por questões técnicas não podermos transcrever toda a apresentação e apenas deixarmo-vos com a síntese. As nossas sinceras desculpas.

PROCESSO CONSTITUINTE: Participação da Sociedade Civil

O Fernando Macedo começou por expressar o agradecimento a todos e ao OMUNGA pelo convite para tratar de uma questão de extrema importância para todos os angolanos (PROCESSO CONSTITUINTE E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL), e depois adiantou:

Antes de tudo o mais, gostaria de balizar alguns conceitos. Presentemente, temos iniciado um processo constituinte. O processo constituinte significa o procedimento, os actos através dos quais se elabora e se aprova uma constituição, isto é, se faz uma constituição. O processo constituinte em sentido restrito é diferente de um processo de revisão constitucional. O processo de revisão constitucional é aquele através do qual se alteram partes de uma constituição em vigor – embora, possam existir processos de revisão cuja profundidade venha a ter como resultado uma nova constituição. Tal foi, efectivamente, o que se passou com as revisões constitucionais que tiveram lugar em 1991 e 1992 à Constituição de 1975. – Para haver revisão constitucional é preciso que uma constituição esteja em vigor e de acordo com as regras que ela mesma estabelece, o poder instituído, competente para o efeito, tenha assim a oportunidade de a alterar. O que nós estamos a fazer no presente momento histórico é completamente diferente do processo de revisão constitucional. Nós entrámos num processo em que vamos fazer uma nova constituição. Vamos, segundo o disposto no artigo 158.º da LCA em vigor, aprovar a Constituição definitiva de Angola.

Se vamos fazer uma nova Constituição o que dizer em relação à Constituição de 1975, em relação à Constituição de 1992 e em relação à Constituição definitiva (nova Constituição) da República de Angola. Minhas senhoras e meus senhores, quando se faz uma constituição, nós temos balizas, temos valores que queremos incorporar no texto constitucional. A Constituição de 1975 incorporou determinados valores, determinados princípios. Esses valores e princípios faziam parte de uma doutrina. Essa doutrina era o marxismo.

De 1975 até 1991, tivemos uma Constituição marxista. Com uma maneira de ver o mundo, princípios e regras completamente diferentes da nova Constituição provisória que, entretanto, por via de duas revisões constitucionais em 1991 e 1992 respectivamente, foi aprovada. Nova no sentido do seu conteúdo. O que é que mudou?! De 75 para 91 e 92, mudaram os princípios que informam a Constituição. A doutrina, em vez de ser a doutrina marxista, passou a ser a doutrina do constitucionalismo (liberal).

O constitucionalismo é uma doutrina que defende princípios de organização, funcionamento e relacionamento entre os órgãos do Estado, e de relacionamento entre os cidadãos e os órgãos do Estado completamente diferentes da doutrina marxista. Por exemplo, lembram-se os senhores e as senhoras que a Constituição de 75 não contemplava eleições multipartidárias, existia apenas um partido político! Não se consagravam os direitos fundamentais numa perspectiva de serem direitos que o cidadão pode usar contra o próprio Estado, na perspectiva do constitucionalismo (liberal). Os direitos fundamentais são direitos que cada um de nós tem e que em determinadas circunstâncias pode e deve usar contra o próprio Estado ou até reivindicar que o Estado os respeite e concretize. Vou dar exemplos. Se o Estado quiser limitar a nossa liberdade de reunião neste momento (nós estamos reunidos), para o fazer tem que ter alguma razão forte e fundamentada. Se nós estivéssemos aqui reunidos para arquitectarmos planos de assassinatos de pessoas, de roubos, furtos, para promover o ódio racial ou étnico, seria uma reunião ilícita. Nós estamos aqui de forma lícita, respeitando a lei. Estamos de forma pacífica a discutir ideias sobre o futuro político da República de Angola, do nosso país, no que concerne à feitura de uma nova constituição. Se porventura agentes da polícia se deslocassem a este local e dissessem: “os senhores têm que terminar esta reunião, não podem estar aqui reunidos”, na circunstância em que nós não estávamos a praticar nenhuma daquelas acções que eu disse, então os agentes da polícia estariam a violar um direito fundamental, o direito de reunião. E a polícia não teria competência para interromper a reunião que estamos aqui e agora a ter. Outro exemplo, quando dizemos que os cidadãos (cada um de nós) têm direito à educação, significa dizer que o Estado, na medida dos recursos disponíveis, deve construir escolas primárias, secundárias, do ensino médio, de ensino técnico-profissional e universidades. Ao mesmo tempo tem que contratar professores para ensinarem em todos esses níveis de instrução. Tem também, ao mesmo tempo, de criar as regras de acesso a esse sistema de educação. No sistema do ensino primário, a escolaridade é obrigatória, na universidade já se põe a questão de existirem provas de acesso. Em princípio há abertura para todos entrarmos para a universidade sob a condição reunirmos certos e determinados requisitos previamente estabelecidos e de passarmos nos testes de admissão.

Dizia eu que a Constituição de 1975 era uma Constituição informada pela doutrina marxista, a Constituição de 91/92 passou a ser informada pela doutrina do constitucionalismo. O constitucionalismo estabelece um modelo de criação e funcionamento dos órgãos do Estado completamente diferente, como por exemplo, o princípio da separação e divisão de poderes. No Estado marxista, à luz da Constituição de 75, o MPLA era o Estado, era o partido-Estado.

Porque razão vamos então fazer uma nova Constituição? Nós vamos fazer uma nova Constituição, porque no contexto da luta contra o colonialismo e da Guerra Fria, os senhores sabem que a administração colonial portuguesa a partir de determinada altura, 1974 – 1975, sob pressão da Revolução dos Cravos e sob pressão comunidade internacional e dos movimentos de libertação de Angola, FNLA, MPLA e a UNITA, foi forçada a conceder a independência a Angola, no quadro do Acordo de Alvor! Este acordo previa que nós angolanos, fizéssemos uma Constituição informada pela doutrina do constitucionalismo e não pela doutrina marxista. Era suposto ter sido eleita uma Assembleia Constituinte em 1975. Essa Assembleia Constituinte teria o mandato para elaborar e aprovar a Constituição de Angola. Os três movimentos de libertação organizados como partidos disputariam a eleição legislativa, para a formação da Assembleia Nacional, e realizar-se-ia também a eleição presidencial, para a escolha do futuro presidente de Angola.

Minhas senhoras e meus senhores conheceis bem a história de Angola e sabeis que isso não foi possível: o Acordo de Alvor não foi respeitado pelos movimentos de libertação de Angola. Um movimento de libertação nacional ganhou a Batalha de Kifangondo, apoderou-se da capital, proclamou a independência e anunciou a criação do novo Estado, que subsequentemente foi reconhecido pela comunidade internacional. A consequência do incumprimento do Acordo de Alvor foi uma guerra civil longa, no contexto da guerra fria, até que se produziu um equilíbrio entre as forças militares do Governo e da UNITA e se decidiu recomeçar a fundação do Estado com uma nova base de legitimação e legitimidade. O Estado marxista carecia de legitimidade democrática à luz da doutrina do constitucionalismo (liberal).

Esse recomeço tem um nome, chama-se Acordo de Bicesse. Em Dezembro de 1990, no quadro de Bicesse, ficou estabelecido que a UNITA deveria ter o direito de participar em actividades políticas num contexto em que tivesse lugar uma primeira revisão constitucional, que consagrasse o multipartidarismo, e a seguir, num processo alargado à participação de outras forças políticas, proceder-se-ia a uma segunda revisão constitucional, apurando as alterações introduzidas pela primeira revisão (Ver George Wright, The Destruction of a Nation – United States’ Policy Toward Angola since 1945, Pluto Press, London-Chicago,1997, p. 158). Efectivamente, em 6 de Maio de 1991 entrou em vigor a Lei de Revisão Constitucional n.º 12/91 e em 16 de Setembro de 1992 entrou em vigor a Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92. Na primeira, o MPLA fê-lo sem as contribuições de outras forças políticas. E na segunda, alargou-se o processo de revisão constitucional às opiniões de outras forças políticas através da Reunião Multipartidária, na qual de consensualizaram alguns princípios orientadores da transição constitucional e política. A Constituição de 75 foi morta em 1991e definitivamente enterrada em 1992. Deixou de existir! Porquê? Porque mudou completamente a doutrina subjacente à organização do Estado, conforme tive já a oportunidade de explicitar.

As revisões constitucionais de 1991 e 1992 foram concebidas para criar as condições políticas que tornariam o processo constituinte (elaboração e aprovação de uma constituição definitiva) num processo democrático, fundado na doutrina do constitucionalismo. Conseguimos facilmente enquadrá-las no processo de formação do Estado angolano se tivermos em conta que os processos políticos e militares são complexos, e estávamos perante um novo contexto cheio de pressões e ansiedades. Ficou acordado entre o MPLA e a UNITA (Acordo de Bicesse), e confirmado na Multipartidária, que a Constituição definitiva de Angola deveria ser elaborada e aprovada por uma Assembleia Constituinte democraticamente eleita em Setembro de 1992.

A Constituição de 91/92 chama-se Constituição provisória, porquê? Porque as forças políticas (MPLA e UNITA) que em 1990 – 1992 tinham poder militar, capacidade de imporem umas às outras determinadas condições, assim o decidiram. A nossa Constituição (em vigor) é provisória! Constituição provisória significa Constituição transitória, interina, temporária, que tem um tempo de vida predeterminado, limitado. A actual Constituição provisória de 1992 deixa de vigorar (de existir) quando a Constituição definitiva entrar em vigor, passar a ter força jurídica, isto é, for aprovada pela Assembleia Nacional, promulgada pelo Presidente da República e publicada no Diário da República.

Qualquer país que queira promover a estabilidade política não muda a Constituição com muita frequência, pode pontualmente produzir pequenas alterações por via de revisões não totais. A constituição é uma lei deveras importante que não deve ser mudada conforme as conveniências políticas e partidárias. É uma lei que deve ser feita com todo o rigor, com toda a coerência e que deve abranger um diálogo inclusivo, quer das forças político-partidárias, quer da sociedade civil e das igrejas, para seja possível conseguir-se um consenso em relação aos grandes princípios que lhe conferem identidade.

Parece-me que, conseguido esse grande consenso em relação aos grandes princípios, o modelo que vai ser seguido será a Comissão Constitucional receber as contribuições dos partidos políticos e da sociedade civil e ulteriormente, com o auxílio da sua Comissão Técnica, proceder à elaboração da Constituição definitiva.

Recapitulando, o quadro conceptual que explica o momento constitucional no qual nos encontramos passa pelo seguinte entendimento: Constituição de 1975, marxista, Constituição de 91/92, Constituições diferente baseada no constitucionalismo, mas Constituição provisória, porque no quadro das negociações que tiveram lugar entre 1990 e 1991 (Acordo de Bicesse) o Governo (MPLA) e a UNITA assim o determinaram. E em curso, depois do insucesso da aprovação da Constituição definitiva no período compreendido entre 1992 e 2008, um novo processo constituinte para aprovação dessa mesma Constituição.

Os senhores e as senhoras sabem tão bem quanto eu que a Assembleia Constituinte eleita em 1992, por incapacidade dos partidos políticos nela representados, não cumpriu a obrigação de elaborar e aprovar a constituição definitiva da República de Angola. A informação que eu tenho é de que os partidos políticos da oposição representados na Assembleia, ao tempo, decidiram boicotar a continuação dos trabalhos por duas razões. Primeiro, porque tinham acordado determinados princípios com o MPLA, que entretanto este partido não respeitou, nomeadamente o sistema de governo. Segundo, porque dessa maneira pretendiam pressionar o MPLA e o seu presidente a não mais adiar a realização das eleições legislativa e presidencial. Os partidos políticos da oposição, segundo o que se tornou público, decidiram e acordaram com o MPLA um sistema semi-presidencial em que o primeiro-ministro seria de facto o chefe do governo. Agora estamos numa situação em que o MPLA diz que a oposição é que não foi responsável, que foi ela que inviabilizou o processo. Essa é a leitura que eu tenho, cada um dos senhores em função daquilo que ouviu e viu, também terá a sua própria visão do que se passou. Eu não imponho aos senhores, nem a nenhum angolano, a minha visão, mas essa é a minha percepção. Se me disserem e apresentarem provas em contrário eu vou mudar a minha percepção da história desse processo constituinte falhado.

Nós estamos agora num processo constituinte que é uma nova tentativa de fazermos a Constituição definitiva, para o qual são chamados a participar vários actores. E a sociedade civil constitui, sem dúvida, um participante incontornável. Os partidos políticos que já têm assento na Assembleia Nacional (Assembleia Constituinte) têm o direito de participar directa e activamente com ideias, com projectos de constituição, e têm um tempo estabelecido por uma lei que foi criada recentemente, para o fazerem. E aqueles que não são membros de partidos políticos? Que não se sentem representados pelos partidos políticos, como é que participam no processo de influenciação da Constituição definitiva da República de Angola? Será que têm o direito de participar? Será que devem participar? Será que é importante participarem? Claro que é importante participarmos todos! E participarmos na medida das nossas capacidades, cada um de nós tem mais ou menos informação do que outro, cada um de nós tem mais ou menos habilitações literárias ou académicas, cada um de nós tem mais ou menos capacidade de se auto-superar (se tiver dinheiro pode ir à internet, aprender os conceitos que estive aqui a explicitar, ver a constituição de vários países, vai estudar o que é um sistema de governo e vai chegar às suas próprias conclusões). A nossa experiência do processo constituinte (elaboração e aprovação da Constituição) dos últimos 18 demonstra que o assunto mais difícil de tratar é o sistema de governo a consagrar.

Escolhemos um sistema presidencial, um sistema parlamentar, um sistema semi-presidencial, ou sistema semi-parlamentar? E vejam, normalmente, quando se faz uma Constituição, escolhe-se (aprova-se) um sistema de governo. Mas o sistema de governo, salvo sejam regras proibitivas previamente estabelecidas na Constituição, pode ser alterado. Todavia, deve existir um consenso em relação ao sistema de governo. Porquê? Agora vamos aprovar a Constituição definitiva, todos aqueles que não se sentirem identificados com o sistema de governo, por exemplo, se se escolher um sistema presidencial e existir um conjunto de cidadãos angolanos que não se revêem nesse sistema de governo, se a constituição não estabelecer este sistema de governo como insusceptível de alteração, como um limite de revisão, daqui a alguns anos, quando se alterar a composição da actual Assembleia Nacional, entra outra força político-partidária com possíveis apoios também no seio da sociedade civil e igrejas (aqueles que entendem que o sistema de governo deveria ser parlamentar ou outro), vão alterar a Constituição e vão mudar o sistema presidencial para o sistema parlamentar ou semi-presidencial. Passado algum tempo, mais alguns anos, volta a força política que tinha aprovado o sistema presidencial e ela também poderá, se não tiver esse freio na Constituição, voltar a consagrar o sistema presidencial. Não se pretende que numa Constituição, o sistema de governo seja alterado ao sabor das maiorias que vão ganhando as eleições legislativas. Então o que é preciso fazer? É necessário um debate sério. E, mais importante ainda, consolidarmos a prática política de respeito pela Constituição. Esta prática, esta postura, de respeito pela Constituição, será posta em causa se desrespeitarmos um limite material estabelecido pela Constituição provisória, para a aprovação da Constituição definitiva, a forma directa de eleição do Presidente da República.

Nós temos o direito de participar. Quais são os meios que poderão ser postos à nossa disposição para participarmos do processo constituinte, isto é, participarmos do processo de elaboração e de aprovação da Constituição, de maneira indirecta, porque só os deputados que compõem a actual Assembleia Constituinte o podem fazer de maneira directa? Se prestarmos atenção ao modelo que foi usado pela Assembleia Constituinte, que entretanto cessou o seu mandato com as últimas eleições de Setembro de 2008 e ulterior tomada de posse dos novos deputados, essa Assembleia aprovou uma resolução que estabeleceu os prazos e a forma como nós (sociedade civil) poderíamos participar. Podíamos enviar propostas, sugestões e até tínhamos a prerrogativa (dependendo da credibilidade e força de cada um) de solicitar audiências com deputados ou a própria Comissão Constitucional e dizer: “olhe, eu penso que a solução para o sistema de governo devia ser o semi-presidencialismo ou o presidencialismo ou o parlamentarismo) ”. Os senhores deputados iam recolher as nossas opiniões, estudar as nossas opiniões e incorporá-las ou não no futuro texto da Constituição.

Põe-se agora uma questão fundamental: será que os partidos políticos são obrigados a aceitar as propostas dos cidadãos ou podem dizer “não, isto não vamos aceitar, o que interessa é a nossa vontade”? Há um princípio fundamental nas democracias modernas que é o princípio da representação e, consequentemente, do império da vontade da maioria! Aqueles que exercem o poder nas democracias liberais modernas exercem-no em nome do detentor do poder, do verdadeiro titular do poder político, do poder do Estado – em linguagem popular, o dono do poder é o povo – E o povo não é uma abstracção! Segundo Canotilho (2003: 66), povo é definido “como uma grandeza pluralística formada por indivíduos, associações, grupos, igrejas, comunidades, personalidades, instituições, [e movimentos] veiculadores de interesses, ideias, crenças e valores, plurais, convergentes ou conflituantes”. Qual é razão para a convocação deste conceito neste lugar? Para quê? Para contrapor às tentativas de manipulação do conceito de povo tão em voga na nossa sociedade. O que é que significa isto? Significa que qualquer partido que acaba de ganhar a representação maioritária na Assembleia, seja de 80%, seja de 100%, tem que dialogar com o povo. Senão a Constituição que fizer poderá ser apenas uma Constituição de gabinete, dos técnicos desse partido, ou daquilo que os líderes desse partido decidem. Os processos constituintes podem ser mais ou menos democráticos ou mesmo não democráticos (Jorge Miranda). Se os senhores e as senhoras prestarem atenção à história, vão ver que há países em que a entidade que fez (elaborou e aprovou) a Constituição, que deu a constituição à comunidade, ao povo, foi um ditador! Foi uma junta militar, etc! Acontece! Há situações deste tipo. Nestas circunstâncias, embora a própria Constituição possa ser boa, possa ser uma Constituição que consagre todos os postulados do constitucionalismo (que é a doutrina que informa as democracias liberais modernas), nós dizemos que o resultado é bom mas o meio (o processo) não foi legítimo. Qual é o problema que se pode gerar quando temos um resultado bom mas um processo (procedimento) não legítimo? É uma grande probabilidade das forças políticas que não tidas nem achadas no processp caírem na tentação de refundarem o Estado. Fazerem as coisas de novo e à sua maneira! Parece-me que (e eu estou convencido disto) para o nosso processo constituinte ser um processo democrático, é preciso que os partidos políticos com assento na Assembleia Constituinte tenham a sensibilidade de dialogar com os cidadãos e de saber realmente o que é que estes pensam, pelo menos, em relação aos assuntos constitucionais mais controversos.

A última palavra caberá sempre àqueles que foram mandatados pelo povo para efectivamente tomarem as decisões definitivas. E aqui temos que ser pacientes porque a democracia (os processos constituintes) também tem regras. Se nós quiséssemos ter uma palavra, a título pessoal, para determinar as soluções finais, o que deveríamos fazer era criar um partido político ou incorporarmo-nos num partido político, sermos eleitos como deputados ou deputadas, para lá termos uma voz directa nesse processo. Salvo seja a disciplina político-partidária…

Mas a sociedade civil, se tiver uma grande capacidade de mobilização, pode influenciar a escolha do sistema de governo ou outras escolhas atinentes a outras matérias, conseguindo demonstrar que 51%, 60%, 70% ou 80% do eleitorado quer, defende, essa solução; seja ela o sistema de governo ou outra qualquer matéria constitucional.

Noto que há uma certa tendência de dizer: “não, nós fomos legitimados com 82% do voto dos eleitores e agora quem vai determinar as escolhas a inserir na Constituição somos nós os vencedores”. Com certeza, trata-se de um direito, todavia, condicionado à reserva de essa capacidade de decidir em última instância corresponder à vontade da maioria dos cidadãos, que se apercebe com o contacto com as ideias desses mesmo cidadãos.

Durante a campanha eleitoral, eu não me lembro, se tiver acontecido eu peço as minhas sinceras desculpas, não ouvi nenhum debate aturado, nenhum partido político na campanha eleitoral (das vezes que eu estive exposto à televisão e à rádio) a dizer que na Assembleia Constituinte vai aprovar o sistema de governo presidencial ou semi-presidencial ou sistema parlamentar. Eu não ouvi e nem vi! Não sei se os senhores ouviram e viram! Não houve um esclarecimento do eleitorado nem um debate contraditório, durante a eleição legislativa e constituinte em relação a essa matéria. Do meu ponto de vista deveria ter havido! Se não houve esse debate como é que os partidos que tem assento na Assembleia Constituinte, que dizem que representam a nossa vontade, vão saber quais são as ideias que estão verdadeiramente na cabeça da maior parte dos angolanos? Uma coisa é ter um mandato para exercer o poder político, outra coisa é saber que vontade professa a maioria dos cidadãos angolanos em relação a determinada matéria concreta. A representação implica permanente actualização do conhecimento sobre a vontade do povo: “representação como processo dialéctico entre representantes e representados no sentido de uma realização actualizante dos momentos ou interesses universalizáveis do povo e existentes no povo (não em puras ideias de dever ser ou em valores apriorísticos)” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 2003, p. 294).

Pelo acima exposto, parece-me estarmos perante um vício! Um vício de défice na actualização da representação. Será que a esmagadora maioria dos cidadãos angolanos foi informada de maneira eficaz acerca das várias escolhas disponíveis em relação ao sistema de governo e de forma inequívoca sobre a opção de cada um dos partidos políticos em particular? Note-se que quem estuda os processos constituintes também sabe que não há um quadro a 100% perfeito do exercício do poder constituinte. Todavia, é desejável e aconselhável que os processos constituintes se aproximem ao máximo da representação actualizante e da democraticidade. A redução dos processos constituintes à participação dos partidos políticos com representação na Assembleia Constituinte e às elites privilegiadas costuma ser frequente. A maior parte dos processos constituintes acaba por padecer desse vício (Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 22.ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2008, pp. 141-161). Mas não é desejável que assim seja! Podemos corrigir esse vício, sim podemos! Como? Fazendo com que o princípio da representação seja efectivamente praticado. Nós temos que ter um debate sério sobre as opções a inserir na Constituição definitiva. É preciso cumprir essa formalidade!

Para percebermos a importância do que acima expendi, vou introduzir dois conceitos que na gíria do Direito Constitucional são importantes! É a chamada «bondade intrínseca material de uma constituição» e a «bondade intrínseca formal de uma constituição». A «bondade intrínseca material» significa dizer que quando se aprova uma constituição, o conteúdo dessa constituição deve ser bom em si. Deve ser bom em si, porquê? Porque vai estruturar uma distribuição dos três poderes (legislativo, executivo e judicial) por diferentes órgãos e titulares e vai respeitar o princípio da separação de poderes, a não concentração de poderes excessivos num órgão ou numa pessoa e vai necessariamente consagrar os direitos fundamentais oponíveis ao Estado. Uma constituição vai sempre prever aquilo que é bom para a comunidade política através da explicitação do objectivo que esta se propõe atingir: “a construção de uma sociedade livre, democrática, de paz, de justiça e de progresso social”. Quando se faz uma constituição democrática (liberal), informada pela doutrina do constitucionalismo, aquilo que caracteriza o constitucionalismo nela tem que estar consagrado. Vamos ter uma Constituição que vai ser inspirada, que vai transportar valores, coisas que são boas para todos nós.

Atenção, nós não precisamos de estar todos lá presentes nos dias das discussões na Comissão Constitucional e dizer: “esta vírgula tem que estar aqui e a palavra casa deve estar ali”, não! O que é importante é que aqueles que são mandatados a fazer isso em nosso nome têm de facto de aprovar um conteúdo, pôr na constituição coisas que sejam boas para todos.

Ao mesmo tempo que existe o conceito de «bondade intrínseca material da constituição», há o conceito de «bondade intrínseca formal da constituição». Quer dizer que os procedimentos do processo de elaboração e da aprovação da Constituição devem ser justos. Um exemplo de um procedimento justo no procedimento constituinte é a promoção da abertura à participação de todos os cidadãos interessados em fazê-lo.

Eu penso que nós, provavelmente, vamos perder uma grande oportunidade de fazermos do processo constituinte em curso um hino à unidade nacional. Um hino à unidade nacional em que termos? No sentido de informar o cidadão, potenciando a sua participação activa ou passiva! Não é muito difícil gastar algum dinheiro e informar os cidadãos, com programas na rádio, na televisão, sobre o que é uma constituição, de forma simples, simplificando esses conceitos que eu e outros professores, quando ensinamos, utilizamos. É possível baixar essa linguagem à linguagem do cidadão comum para que o maior número possível de angolanos entenda o que está em causa e queira perceber que esse documento é importante para todos nós.

Que a Constituição definitiva, quanto ao processo da sua elaboração e aprovação e ao conteúdo que ela vier a consagrar, seja portadora da paz política. E que daqui para o futuro, que mais ninguém pense em pegar em armas para fazer valer as suas opiniões, por a nova ordem jurídico-constitucional incorporar a essência dos comportamentos a ter, dos procedimentos a seguir e a justiça que os informam. Quantas mais pessoas, numa comunidade política, conhecem a sua Constituição, tenham participado de forma passiva ou activa, de forma directa ou indirecta, no processo justo da sua discussão pública, maior é a propensão de nos identificarmos com essa Constituição. Isto é, nós dizemos: “eu dou o meu voto de confiança, porque o processo foi justo. Posso não ter contribuído com ideias, não participei porque infelizmente não tenho muitos estudos, não tenho conhecimentos sobre o assunto, mas pelo que pude ver e ouvir, estou contente, o seu conteúdo também é justo!”

Uma das grandes de fontes de problemas políticos dos processos constituintes em África (e no Terceiro Mundo) é a escolha do sistema de governo. Os partidos que têm as maiorias nas assembleias constituintes, que têm a competência de determinar as escolhas a inserir nas constituições, gostam de conduzir o processo constituinte de maneira autocrática. Escolher um sistema de governo à sua maneira, para beneficiarem o seu líder que se vai candidatar ou pretende manter no poder.

Os sistemas de governo têm regras predeterminadas. Nós precisamos de conhecer os sistemas considerados puros, o sistema presidencial norte-americano, o sistema parlamentar britânico, e depois ver os semi-presidencialismos e os semi-parlamentarismos. Conhecendo, de forma magistral, essas duas matrizes e os seus respectivos derivados, as regras que informam a criação, o funcionamento e relação entre os órgãos do Estado, teríamos, assim, depois, a possibilidade de fazer escolhas mais bem informadas, estudadas, ponderadas, projectando a estabilidade política no futuro.

Temo que o actual processo em curso venha a incorrer nessa tentação de criar um sistema de governo à medida do partido que tem a maioria. Se isto for feito nestes termos, será um grande erro… Teremos perdido uma grande oportunidade de criar bases sólidas para e edificação do Estado democrático de direito e de nos juntarmos aos países africanos que caminham de forma segura no sentido da consolidação do Estado constitucional democrático de direito.

Permitam-me que reafirme que me parece deveras importante que os partidos que neste momento estão representados na Assembleia Constituinte usem a esfera pública (‘saiam à rua’) para, pedagogicamente, informarem os cidadãos acerca do processo constituinte e das suas escolhas políticas sobre o sistema de governo e outras mais. Eu não vejo grande animação do debate público, nem da discussão, nem campanhas de informação no Jornal de Angola, na Rádio Nacional, nem na TPA. E este estado de coisas é mau! Os grandes esforços de debate são esforços animados por rádios privadas, por jornais privados e pela sociedade civil em conferências e palestras como esta que nós estamos a proferir neste momento. Temos que mudar a nossa mentalidade política e praticar a democracia. “A democracia aprende-se praticando”.

Obrigado!

17/03/2009

NOTA DE IMPRENSA


O mundo está mergulhado numa crise económica onde as principais potências mundiais não conseguiram estancar a actual situação, que foi generalizando, afectando os países em via de desenvolvimento que no caso, Angola não é uma excepção. Perante este panorama económico e político que o país está a viver, quais são os mecanismos e estratégias do governo para salvaguardar os interesses fundamentais dos cidadãos? Será que haverá sectores do governo que serão sacrificados com efeito da crise? Como garantir a justiça social na Constituição?

Com a ideia de estimular o espaço de debate, o OMUNGA, em colaboração com outras instituições da SC, decidiu levar a cabo um programa de debates consecutivos, que teve o seu início no dia 13 de Novembro.

QUINTAS DE DEBATE pretende juntar diferentes visões sobre temas da actualidade como política, economia e sociedade. Acompanhe:
No dia 19 de Março a partir das 15 horas, no salão do SOLAR DOS LEÕES - Benguela, será realizado mais um Quintas de Debate, com o tema
CRISE ECONÓMICA GLOBAL: Efeitos e desafios para a economia de Angola
Será o Prelector: Justino Pinto de Andrade


Poderão acompanhar ainda: No dia 02 de Abril de 2009
DESENVOLVIMENTO E CRESCIMENTO ECONÓMICO: Qual o significado? Convergências e divergências
Será o prelector: Guilherme Santos
PARTICIPE E DIVULGUE
José A. M. Patrocínio
Coordenador

O OMUNGA agradece a todos os prelectores por se disponibilizarem de forma voluntária a darem as suas contribuições, como ao Pambazuka e ao Club K pela abertura no acompanhamento e divulgação dos debates.

Conta com o apoio da Christian Aid e Promodes

Poderão ainda acompanhar os debates, acedendo aos textos, comentando, questionando, sugerindo ou criticando através do http://quintasdedebate.blogspot.com ou ainda www.club-k-angola.com e www.pambazuka.org. Para mais contactos podem aceder ao terminal telefónico +00 244 272221535, ao móvel +00 244 917212135 e aos email quintas.de.debate@gmail.com, omunga.coordenador@gmail.com.

A MULHER ENQUANTO SUSTENTÁCULO DA SOCIEDADE - Luisete Macedo Araújo

A candidata independente à presidência da República, orientou uma palestra dirigida aos moradores do B.º da Luz, realizada na escola Mutu ya Kevela, alusiva ao Março Mulher, a 07 de Março de 09.

Para todas as mulheres de Benguela, de Angola, de África e do mundo inteiro, gostaria de aproveitar esta soberba oportunidade para endereçar a minha palavra de solidariedade e compaixão. Nesta data quão especial que é o 8 de Março dedicada à Mulher, não vou tecer um discurso, quero sim juntar às demais, a minha mensagem enriquecida de muito significado.

Muito mais gostaria de fazer para além de contribuir com simples palavras, mas tenho fé que não tarda o dia, outra oportunidade se vai oferecer para contribuirmos de forma mais efectiva, com acções práticas que visem o melhoramento da condição de vida das mulheres de toda Angola. Pois, não considero este um dia somente de festa. O 8 de Março é uma jornada para reflexão, é um dia em que todos nós, mulheres e homens, somos chamados a dedicar um minuto de meditação à mulher como fonte geradora de vida e garante da perpetuidade humana.

O 8 de Março é um dia em que todos nós devíamos prestar juramento para não mais fazer sofrer aquela que todos nós devemos a nossa existência sobre a terra. Aquela que, nos momentos mais difíceis, nos momentos de dor e desespero sempre se predispõe ao nosso lado como mãe, simplesmente mulher ou fiel companheira. Nunca se falou tanto da mulher e se enalteceu seu papel na sociedade como agora em que o mundo da comunicação social não poupou esforços para divulgar mensagens e desenvolver temas que relembram os males de condutas conservadoras, ao mesmo tempo que traçam linhas para um entendimento muito mais cordial entre homem e mulher na nossa jovem sociedade.

E, este dia que todo o mundo reserva especial atenção à mulher em todos os estados, gostaria eu dedicá-lo muito particularmente para aquelas mulheres esquecidas que até aqui continuam prisioneiras dos preconceitos errados e que se colocam no estatuto de subservientes e vítimas de muitos humanos que ainda não compreenderam o valor da mulher na vida dos homens e das sociedades e o respeito e carinho que merece. Não nos esqueçamos: “Deus criou o mundo, mas é pela mulher que criou os homens”. Na África em especial, longe de ser amparada, “a mulher continua a ser a primeira vítima de todas as vítimas”, suportando dor ao gerar vida, dor ao ver o filho chorar, dor ao ser incompreendida pelo parceiro, dor ao ser estigmatizada pela sociedade como ser inferior e muitas vezes como criatura insignificante. Penso precisamente na mulher rural, a mulher do campo, aquela que tem que suportar sozinha, dia e noite as durezas da vida do quotidiano onde falta de tudo; aquela mulher que continua a transportar a lenha à cabeça, a transportar pesados bidões de água dos rios a longas distâncias e com o filho às costas, aquelas que continuam a sustentar sós a educação dos filhos e suas múltiplas vicissitudes.

Penso nelas e noutras como elas que ainda não se libertaram destes preconceitos erróneos alimentados por muitos homens não cultivados; homens que fazem da violência gratuita e por vezes selvagem, a solução de problemas que teriam um curso muito mais benéfico e proveitoso por via do diálogo e da compreensão mútua, tanto para um, como para outro, muito mais para os filhos que têm sido os mais prejudicados.

Caros cidadãos, eu também acredito que: é pelo trabalho na dimensão do ideal que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, mas é ainda e só, o trabalho árduo que poderá garantir à mulher uma independência concreta até aos próximos tempos. Angola continua ainda sob os efeitos de mais de duas décadas de guerra fratricida, em que os homens foram mortos e milhares de outros desaparecidos, e as mulheres forçadas a desempenhar o papel duplo de mãe e tutora e de chefe de família. Mesmo assim, nos múltiplos sectores e facetas da guerra, estiveram na primeira linha lado a lado com os homens, demonstrando valor igual.

Foi assim que a mulher desbravou caminhos e aprendeu na luta do dia-a-dia, a ser muito mais do que aquilo que os homens a caricaturaram ao longo de milhares de anos, como ser cuja missão é apenas a de natalidade. Mas, a história já provou que pode e por vezes muito mais e melhor. Porém, muito embora todas essas vitórias alcançadas só no final do século XX, fica muito difícil falar da emancipação da mulher.

Emancipação é algo tão complexo e tão complicado que, se for mal equacionada, tornamos a vida mecânica e a família como algo sem o sentido original de embrião propulsor de estabilidade da sociedade. Preferia de forma mais prudente ficar pela valorização da mulher no contexto do desenvolvimento, num palmarés igual ao do homem.

Segundo Kant: «O Homem não pode ser Homem senão através da educação; ele não é nada para além daquilo que a educação pode fazer dele». Por isso eu digo: Se no quadro das prioridades da reconstrução de um país, a educação e o ensino ocupa o lugar cimeiro, no meu entender, para que um país se levante e marche firme, é preciso investir na mulher. É pela educação e somente através dela que a mulher encontra todos os utensílios para atingir pelos próprios meios e caminhos as metas para sua verdadeira libertação.

Os países avançados já o provaram: uma sociedade com o maior número de mulheres instruídas, salvo algumas excepções, é uma sociedade com o número de meninos de rua muito reduzido, o aproveitamento escolar dos jovens muito mais elevado, a violência juvenil muito baixa e, indo mais além, diríamos mesmo, que muitos dirigentes não excederiam seus actos desumanos contra os seus, pois seriam muito melhor aconselhados pelas suas companheiras. Por isso, o meu apelo é: para além do apoio material, dos subsídios de maternidade, de assistência à mãe solteira e se pretendermos minimizar muitos males sociais, invistamos tudo quanto temos na educação e formação socioprofissional da mulher, para que ela possa exercer o papel pela qual vale sua existência para além de mãe; a mulher conselheira, protectora e guardiã do amor entre os homens, para que as sociedades encontrem a Paz e a concórdia que bem merecem.

Mulheres de Benguela, mulheres de Angola. Tenhamos coragem, fé em Deus e confiança em nós mesmas para desafiarmos o futuro com problemas muito mais sofisticados do que os do passado e que merecerão de todas nós, maior entrega e uma abordagem muito mais inteligente e realista.

Para terminar, há um ditado dirigido aos homens que diz: “Se quiseres ser respeitado e acarinhado pelo mundo, dê primeiro o carinho e o respeito à tua mulher.”

12/03/2009

CARTA A BARAK OBAMA

REPÚBLICA DE ANGOLA
PROVÍNCIA DE BENGUELA


Excelentíssimo
Sr. Barak Obama
Presidente dos Estados Unidos da América.


Sou uma cidadã comum angolana que acompanhou atentamente, como outros angolanos, a vossa eleição bem como a tomada de posse, a semelhança dos outros povos dos quatro cantos do MUNDO, e que aguardam com ansiedade que aconteça o mesmo nos seus países ainda dominado pelos a versos a democracia. MUDANÇA. O sonho de Luter king “ I HAVE A DREAM” e V.excia disse “WE CAN”. Os angolanos sonham por uma liberdade efectiva e agora inspirados pelo vosso pensamento, acreditam que finalmente também podem, porque tudo tem o seu tempo.

Sou cristã, mas católica romana que pretende dizer o seguinte, V.excia é tão ser humano como qualquer um, mas nunca nenhum outro comoveu e influenciou de forma positiva na nossa era, o Mundo, como Vexcia. Para mim parece um enviado de Deus para salvar o Mundo da tirania, em particular a África em que a democracia parece distar-se dela ainda 200 anos.

Aconteceu com o Papa João Paulo II depois da sua morte. O Mundo cristão e não cristão, reconheceu que tinha sido um homem de bem, que havia trabalhado afincadamente para unir todos os crentes, independentemente da sua opção religiosa.

V.excia, marcou o Mundo escrevendo com letras douradas esta grande viragem da história. Para mim não muito pela vossa descendência afro-americana, mas pela vossa mensagem de paz, de amor ao próximo. Advertindo o mundo da ganância para que se compadeçam com os outros e que saibam aceitar as decisões dos seus povos e não se impondo ao poder através de métodos anti democráticos. Vossa campanha marcada de humildade e pobreza, mas vincada de um triunfo e sem intenção de esmagar os adversários tal como acontece no nosso Continente.

De Vossa dignífica mensagem marcaram-me as seguintes frases: “todos são iguais e todos são livres, todos merecem uma oportunidade para atingir a felicidade…chegou altura de voltar afirmar o nosso espírito resistente…para aqueles que se agarram ao poder através da corrupção, da fraude e do silenciamento de dissidentes fiquem a saber que se encontram no lado errado da história, mas que vos daremos a mão se quiserem abrir o vosso punho.

O povo africano quer mudança mas “os cínicos não conseguem compreender que a situação mudou, que os argumentos políticos viciados, que durante tanto tempo nos consumiram, já não se aplicam”.– Citamos igualmente V.Excia

Voltando a Angola, nesta altura falar da situação sócio político do país é o que mais me interessa, porque é o que preocupa a sociedade angolana.

Angola realizou as eleições legislativas em 5 de Setembro de 2008, mas que na realidade as eleições foram realizadas dias 5 e 6 e em certas áreas mesmo até dia 7, em violação ao preceituado na lei eleitoral e marcadas por um número infindo de violações das regras democráticas.

Excelência, não escreveria para falar das eleições em Angola, mas sim da situação social e politica do meu país. Vossa eleição é o resultado claro do evangelho bíblico “todos os seres humanos são iguais perante Deus “.

Os angolanos após a guerra que assolou o país, esperavam ver um país pluripartidário de facto e não uma sociedade democrática formal. Onde todos os pressupostos democráticos fossem observados incluindo a liberdade de ser informado e formado. Os meios de comunicação estatal outra coisa não fazem, senão obrigar este povo a agradecer pelos míseros empreendimentos que o regime apresenta. A miséria, a pobreza sobem ininterruptamente, continuando o povo a viver abaixo de 1 dólar dia.

Este povo espera que Vossa vitória venha ser uma mola impulsionadora para um verdadeiro estado democrático e de direito, com separação de poderes; legislativo (livre da opressão do regime), executivo (capaz de assistir o povo em pé de igualdade sem que se olhe pela cor da camisola) e judicial (capaz de trazer ao país uma justiça de facto, ao invés de preso por roubar um pão e em liberdade por roubar milhões do erário público).

Excelência, vossa vitória, acredita, que abriu uma luz no fundo do túnel para os africanos.

A carta da ONU art. 1 nº 2 ”… no princípio da igualdade de direito e da auto -determinação dos povos…” convida as nações a respeitarem – se umas as outras. América a única potencia no presente, não pode continuar a observar pávida e serena má governação, a corrupção e a violação dos direitos fundamentais do homem, cujo valor supremo é a vida, sob influência dos sectores mais radicais ocidentais, por causa do petróleo e do diamante do Continente Africano.

Ainda o art.1 nº 3 ” … estimulando o respeito pelos direitos do homem e pela liberdade fundamentais para todos, sem distinção de raça sexo, língua ou religião.” Faltando para mim a politica. Na África quem pensa de maneira diferente perde até o direito ao pão, senão mesmo a vida.

Gostaria que o mundo livre ajudasse a sociedade angolana a ser mais justa e verdadeiramente aberta, com um povo informado e formado, porque Angola não tem comunicação social estatal credível. Ajudar os angolanos a ter uma TV privada e mais liberal.

A maioria dos governos africanos consideram os seus povos, como sendo uma manada de animais dentro de um curral, a mercê da vontade do pastor.

Um estado democrático e de direito de facto não deixa de honrar os compromissos com outros estados ao mudar de regime. O mundo considerado livre, devia deixar de ignorar os sofridos africanos, vítimas de regimes corruptos e ditatoriais. A democracia Angola, está em colapso. A liberdade ficou mais limitada. A liberdade americana tem e terá mais sentido ao ajudar diplomaticamente outros povos a serem igualmente livres.

Para terminar Senhor Presidente, direi “I have a dream to” tenho um sonho também, ser recebida por Vossa Excelência para transmitir directamente o sofrimento do meu povo. O sonho de Luter king foi realizado. Estou consciente que não passo de uma gota de água no oceano. Gostaria escrever a minha carta em inglês, para que ela fosse o mais fiel possível, mas a minha limitação quanto a língua, levou-me a fazê-la em português.

Louvarei a Deus para que esta carta aberta Vos chegue as mãos.

Deveras grata pela atenção em nome dos sofridos de Angola quiçá de África. Assino a Carta com o nome de minha mãe



BENGUELA, 28 DE JANEIRO

Teresa Feliciana




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