Mas, quando penso num tema destes, a primeira preocupação que me ocorre é a da necessidade de uma precisão de conceitos, para saber o que é isso de ser jovem e o que é que significa a expressão “participação política”.
A juventude é um momento de passagem entre a adolescência e a vida adulta. É, por isto, um conceito cronológico, um momento do desenvolvimento biológico e intelectual do homem. Embora neste capítulo, Jean-Paul Sartre afirmasse que “ a juventude não é uma idade mas uma maneira de estar na vida”. E, neste sentido, segundo o filósofo francês, podia-se ser adulto e manter-se um espírito jovem, e ter-se juventude física e ser-se espiritualmente velho. O fundador do existencialismo entendia pois a juventude como a condição de irreverência em relação aos desafios da vida e a velhice como o conformismo. Ou seja, para Sartre a juventude é ao mesmo tempo um estilo de vida e uma força inconformista, renovadora.
A juventude, sendo um momento do percurso social do Homem que está ligado a determinadas percepções e expectativas, tem sempre um papel preponderante, porque afinal, não há sociedade sem juventude. O papel dos jovens sempre foi fundamental na história política e social do país e, não pode deixar de constituir um factor determinante na transformação social do país.
Grandes líderes nacionais, africanos, americanos, asiáticos e europeus começaram por ser militantes de organizações juvenis, começaram por ter participação em movimentos associativos, em vários domínios (político, cultural e social, estudantil e outros) que funcionaram para eles como verdadeiras escolas de formação cívica.
Nelson Mandela começou por ser membro da juventude do ANC, Agostinho Neto, antes mesmo de ter militado no Mud-juvenil, fez parte da juventude evangélica da Igreja Metodista e participou no jornal cultural do Liceu Salvador Correia, o Estudante. Muitos dos militantes nacionalistas passaram primeiro, e fizeram uma espécie de aprendizado nas organizações juvenis religiosas. A maior parte dos actuais dirigentes políticos passaram por organizações de jovens. O actual Presidente da República foi dirigente de uma organização juvenil. A participação nos movimentos estudantis proporciona aos jovens uma outra visão do mundo. O célebre movimento de estudantes de Maio 1968, em França, mudou o mundo. O movimento de resistência dos estudantes de Soweto mudou a África do Sul e levou ao fim do apartheid.
Definir “participação política” implica descortinar dois conceitos, o de “participação” e o de “política”. Começo por encontrar uma definição de “política” para depois pensar o entendimento de “participação” e, consequentemente, de “participação política”.
Quando se fala de política não rara vezes a primeira coisa que se faz é esclarecer a origem etimológica da palavra do grego politiké (cujo sentido seria o de ciência dos assuntos da polis). Muitas abordagens do tema, definem a política como sendo a organização do poder numa comunidade. Em sentido lato, a política é a forma de organização e funcionamento de uma sociedade. A política é pois uma forma de defesa do interesse comum dos membros de uma comunidade. A política, como forma de organização e funcionamento da polis, visa um interesse universal que diz respeito a todos e não apenas a alguns, como é o caso das formas pré-politicas identificadas por Aristóteles, como é a oikos.o Somente num sentido restrito, a política é associada às lutas pelo controlo e exercício do poder.
Afinal, este conceito não é estanque, e tem evoluído com o decorrer dos tempos, correlacionando-se com outros conceitos. A ideia de que a política refere-se a questões do interesse comum da comunidade, está associada à ideia de espaço comum, de espaço público, onde intervêm uma pluralidade de autores interessados na melhor gestão da res publica. Mas, também está ligada às formas de decisão sobre esse interesse comum.
A política teria assim, três sentidos; o de forma de domínio, o de tecnologia da gestão do interesse comum e o de uma relação de poder.
A participação é entendida como a possibilidade de fazer parte dessa res publica, da sua gestão, dos processos de escolha e decisão. A participação política deve pois ser entendida como fazer parte do espaço público, das escolhas e decisões políticas que dizem respeito a todos.
Apurados os dois conceitos que balizam o nosso tema, creio que para falar da “participação política da juventude angolana”, temos que o fazer em dois momentos: (1) a juventude e a sociedade (relação formação, integração, alienação) e (2) a relação da juventude com a política, ou seja, o processo de tomada de consciência da juventude que a levará à apropriação da política e do espaço público. Para, finalmente, tirar algumas e breves conclusões.
I. A juventude e a alienação na sociedadeÉ comum afirmar que cada sociedade constrói a sua juventude à sua própria imagem (FORACCHI, Marialice M., 1965, O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira, São Paulo, Nacional). O nosso país está refém de um poder de predação desde algum tempo. E, desde há alguns anos que se tem a ideia de que os jovens apenas se deixam atrair por “maratonas”. Esta instituição (a “maratona”) foi uma criação do partido de poder para “alienar” os jovens que no dealbar da independência se apresentavam muito implicados com os destinos do país, com as ideias revolucionárias, com o inconformismo.
As representações da sociedade angolana refém dessa economia política de predação seriam tendentes a valorizar e a estimular determinados comportamentos dentro de limites que ela própria estabeleceu e que são os limites da sua legitimação e da sua continuidade, destruindo a capacidade de autonomia da juventude.
Por isto, é que hoje, a ideia que se tem é que os jovens não se interessam pela política, ou pelo menos, não têm participação política. São apáticos em relação aos destinos do país e remetem essa tarefa que lhes é estranha para o “boss do cadeirão maior”. A vida dos jovens poderia pois resumir-se a um estado contemplativo, de pouca entrega para o saber, de permanentes sentadas alcoolizadas, onde se discute futebol, música, o enredo de um esquema e uma ou outra cena cómica da vida.
Esse desinteresse dos jovens pela política estaria associado ao facto de eles não encontrarem nos políticos nenhuma proposta que os seduz, pois estes não reflectem no seu discurso as principais preocupações dos jovens. Estas preocupações seriam a pobreza, o acesso à educação, ao emprego e à habitação.
É claro que os jovens mostram também uma grande desinformação sobre a política, já que os seus meios de (des)informação são os órgãos de comunicação social do Estado, com uma preferência pelos programas de diversão, a despeito dos formativos ou informativos.
A ausência de mecanismos que estimulem a participação dos jovens é consabida. Da mesma maneira que poucos são os mecanismos de participação de todos os cidadãos no espaço político.
Estudos sobre os jovens mostram que estes são mais afoitos a participar em associações religiosas ou desportivas. O que demonstra que não há menor participação dos jovens por falta de disposição ou mesmo desinteresse, mas sim porque não há mecanismos que estimulem e promovam o acesso à informação e a inclusão das pessoas, e nomeadamente dos jovens, na política do país.
A pressão da sociedade para que os jovens se afastem da política, não de uma carreira no Estado (isto é, no partido-Estado) é grande. À esta pressão (sociedade/jovem) contrapõe-se a uma pressão dos jovens sobre a sociedade. O equilíbrio destas duas forças está na sua conjugação e auto-preservação. Mas há um momento em juventude e sociedade hão de ter fricções, choques pois a sociedade nem sempre consegue cumprir com os seus compromissos para com a juventude (ou pelo menos com aquilo que a juventude acha que é o compromisso da sociedade em relação a ela). A percepção que os jovens têm de si mesmo é que eles não contam para nada, mesmo quando se repete o slogan (esvaziado): “a juventude é futuro de uma nação”.
Mas, apesar desse olhar devolutivo de sinal negativo, a juventude representa uma força dinamizadora do sistema social. E por isso vai procurar transforma-lo. A escolha dos meios e dos objectivos pode ser condicionada pela maneira como se lidar com os jovens no presente. “Quem semeia ventos, colhe tempestades! – diz o ditado.
Que imagem a sociedade está formando no jovem? E qual a imagem devolutiva do jovem sobre a sociedade? Pela sua função a juventude, sendo uma sua criação, não será reflexo da sociedade que ela contesta. Pelo contrário, a sociedade é que será o reflexo da sua juventude. Há pois um “parto” anunciado da juventude em relação à sociedade. Este nascer de (que implica em termos simbólicos um separar-se de e um corte do cordão umbilical) não significa uma perda mas uma superação da sua “alienação” do espaço público.
Na medida da sua consciencialização sobre a sua “alienação” do espaço público, a juventude vai dotar-se de mecanismos de superação que o conduzam a autonomia (auto + nomos).
II. A juventude e a políticaUm desses mecanismos é a participação política. Pois, a etapa da vida que é a juventude é um momento privilegiado para o despertar para as questões da polis. É normalmente o tempo das interrogações fundadoras do ser humano e, entre estas, estão as referentes a vida da comunidade de pertença.
Vimos, no entanto, que os canais de socialização dos jovens não estimulam a sua participação no espaço público e, nomeadamente na esfera política ou na gestão da res publica. Também porque o país vive um momento particular de desenvolvimento e os nossos jovens estão mais tolhidos por necessidades primárias, já que as suas expectativas não são correspondidas.
É comum acusar os jovens de hoje de não ter mais utopias, de serem muito consumistas, imediatistas, interesseiros, de estarem completamente alienados pelo sistema que os formatou, incorporou e os absorve. Para essas pessoas apenas as gerações passadas são a grande referência.
Mas, a juventude é uma espécie de barómetro social, onde o mercúrio sobe ou desce em função do aquecimento social. Uma sociedade asséptica, cujo cordão sanitário político (mantido por uma policia de contra-inteligência) não permite a menor manifestação dos jovens está em sinal de alerta vermelho. Tudo vai bem, ou tudo vai mal.
O que temos que saber é o porque dessa maneira de estar na sociedade da juventude de hoje, e, nomeadamente em relação à política.
Acontece que a política continua a ser associada a uma actividade de risco. A velha expressão; “Xé menino não fala política”, contínua a perdurar.
Todas as iniciativas de participação em associações ou fóruns locais que não sejam entendidos como prolongamentos da governação (que é entendida como uma coisa diferente da política) e como auxiliares do “governo”, são vistas com desconfiança, são cooptadas, controladas ou perseguidas.
Glosando Dom Hélder da Câmara, célebre bispo brasileiro que se opôs à ditadura militar, pode-se dar pão aos pobres, mas não se pode questionar o porquê dos pobres não terem pão”. As coisas são como são e por isso não devem ser questionadas - este é um pensamento impulsionador do conformismo que está subjacente à actuação do poder político no país.
O que quer dizer que há também necessidade de alteração da organização política do país, de maneira a modificarmos a estrutura de poder político e a construir uma sociedade aberta, de livre iniciativa e emulação de ideais, também no espaço político, de modo a incluir nos processos de decisão e execução das políticas públicas a pluralidade de sujeitos e, particularmente todos aqueles que são directamente interessados ou atingidos por esta política pública.
A juventude tem a potencialidade de ser a principal camada social a promover este reordenamento político, tanto pela sua disposição em participar na construção do seu próprio destino, quer pela sua importância e expressão sociais.
III. Conclusão
Tem pois que romper com o conformismo. E assumir uma cidadania activa, em casa, na escola, no bairro, no município, na província e no país.
A juventude deve desde já construir a sua intervenção social unificada, de modo a exercer maior influência de decisão sobre a política em geral, seja nos movimentos sociais e reivindicativos, seja na política institucionalizada. Isto é gerador de grandes e importantes conquistas sociais para todo o país e para todos (jovens, famílias, comunidade).
Permite promover a inclusão política que é uma das componentes da cidadania activa. O país precisa de investir em políticas sustentadas para a juventude sobretudo quando se sabe que a estrutura etária do país é muito jovem, perfazendo cerca de 60% da população menor de 18 anos.
A própria sociedade precisa dessa participação e intervenção dos jovens, pois ela permite uma renovação dos quadros dirigentes. A experiência mostra que os jovens que participam dos movimentos associativos, sociais e reivindicativos acabam por ocupar posições de relevo na sociedade.
A juventude organizada e consciente dos seus direitos e deveres promove sempre renovação e transformação. Enquanto que a juventude alienada do seu papel social reproduz o modelo da sociedade vigente e, não só perpetua formas de injustiça, como hipoteca o seu (e o nosso) futuro. Pois a ausência de jovens na política provoca desequilíbrios na sociedade.
A juventude angolana não é amorfa, tem é mostrado uma outra realidade que os poderes pretendem ignorar. No gera, não participa em movimentos associativos, sociais e reivindicativos mas organizou formas de resistência próprias através do espaço cultural (indumentária, música e teatro) e nas comunidades locais (familiares, linguísticas ou religiosas). Para além disto, é preciso considerar o silêncio que também uma forma de manifestação e a expressão do seu protesto.
Por isso, a juventude é uma etapa cronológica da vida, é uma entidade inerente ao homem social, é uma potencialidade rebelde e inconformista mas sobretudo sintetiza a possibilidade de uma força de pronunciamento no processo histórico de desenvolvimento do país.
O que precisa é assumir o seu lugar e tempo. As gerações passadas podem ser referência para os jovens de hoje, mas não podem coloniza-los, impedindo que estes cumpram o seu próprio tempo.
Cada geração tem o seu tempo e contexto e deve vivê-los. Assumindo a sua autonomia e visão crítica própria.