A descentralização administrativa tem sido implementada com base na hipótese de que ela venha resultar em decisões que tenham impacto na satisfação das necessidades e prioridades locais. A democracia representativa ainda tem sido o principal mecanismo para a resolução de tais prioridades locais. Também é sabido que a maior parte dos sistemas de governos locais normalmente oferecem poucas outras oportunidades de participação dos cidadãos na vida pública e de prestação de contas pelos respectivos governos locais (eleitos ou indicados).
Em Angola, a questão chave neste momento e que deve ser preocupação de muitos de nós, é acerca da natureza e estrutura da futura Governação Local Descentralizada. Embora a Constituição venha a ser revista, provavelmente o processo vai preocupar-se mais com o tipo de relações entre os diferentes níveis de Governo. Estamos quase todos anciosos de que o rápido processo em direcção à desconcentração e descentralização venha continuar e, que a forma/estrutura das Autarquias Locais venham igualmente merecer uma discussão. Certamente que as actuais experiências "pilotos" sobre governação municipal participativa a serem apoiadas pelos diversos actores (ADRA, DW, CARE, Save the Children) incluindo agências do Governo (FAS) e das Nações Unidas (PNUD) irão alimentar este processo. Se as eleições autárquicas ao nível local serão com base nos eleitores do respectivo território (município) ou com base em listas partidárias, esta será uma questão chave a debater-se durante este período de revisão da Constituição. Duas hipóteses: primeira, se as eleições autárquicas forem com base nos eleitores locais a vantagem é que os membros eleitos terão uma relação mais directa com os eleitores, serão facilmente cobrados pelos eleitores das responsabilidades assumidas e os eleitores terão a quem pedir contas (importante para uma governação local, porque ao nível nacional já existem os partidos políticos como representantes dos eleitores). Segunda, se forem com base em listas partidárias, não haverá muitas garantias de ligação entre os membros eleitos e os eleitores, porque os eleitos tenderão a prestar mais contas e atenção a quem os colocou na lista (distanciam-se dos problemas dos cidadãos, incluindo dos militantes).
Basicamente, a maneira como a Constituição determinar a forma de eleição do Presidente da República, provavelmente também determinará o tipo de Autarquias Locais! O risco é o da transferência do poder partidário do nível central para o nível local e, isso pode influenciar negativamente na democracia participativa ao nível local. Está aberta pelo próprio Governo, mais uma oportunidade para a Sociedade Civil e o Sector Privado participarem deste importante exercício de revisão da nossa Constituição. O nível de autoridade, alocação de recursos e linhas de responsabilidades (sobretudo a prestação de contas) dos diferentes níveis do Governo também precisarão ser identificados e clarificados pela "nova" Constituição. Que níveis (municipal, provincial, parlamentar, Chefe de Estado) serão eleitos ou indicados, ou ainda escolhidos através de uma certa combinação daqueles níveis? Isto também precisará de ser definido. Provavelmente haverão alguns dilemas. E a própria descentralização ficará apenas ao nível do município ou também a outros níveis? Também é outra questão. As autoridades tradicionais aparecerão como cidadãos eleitores, nas listas partidárias ou terão um tratamento especial?
Antes das eleições de 1992, os debates à volta da Constituição haviam sugerido recomendações de vários partidos políticos, dentre elas a eleição dos governadores provinciais e várias outras propostas que iam desde alguma forma de federalismo a um sitema presidencial altamente centralizado. E foi a oposição que "persuadiu/pressionou" a colocação deste debate na prateleira e ser retomado logo após as eleições parlamentares ( na esperança de que viesse a ter uma posição mais forte). Naquela altura, a Comissão Constitucional criada tinha uma representação proporcional baseada na distribuição de assentos parlamentares. Desta vez, apesar da recém criada Comissão para a revisão da Constituição continuar a ter representação de todos os partidos com assentos parlamentares, de todo o modo, o peso já não é o mesmo! E aquelas propostas feitas em 1992 voltarão ao actual debate ou não?
Finalmente, a intensão de avançar rapidamente com a reforma constitucional, mesmo antes das eleições presidenciais, sugere que há uma intensão consolidar ou pelo menos tornar oficial a concentração de poderes presidenciais que têm sido acumulados desde as eleições de 1992.
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