06/11/2011

DIREITO À TERRA, À HABITAÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA EM DISCUSSÃO EM BENGUELA

Mesa Redonda sobre o Direito à Terra e à Habitação e sobre o Acesso à Justiça



Benguela, 27 de Outubro de 2011

Conclusões e recomendações

Em Benguela, na sala de conferências do Hotel Luso, reuniram-se a 27 de Outubro de 2011, membros de comunidades vítimas de demolições e deslocações forçadas, activistas de ONGs, jornalistas e outros profissionais, para discutir o direito à terra e à habitação, e o acesso à justiça. Esta iniciativa foi organizada pelo Omunga com o apoio do NDI. Foram relatadas as seguintes situações de demolições e deslocações forçadas, que resultaram também em experiências de mobilização e advocacia em favor das vítimas:

• O recinto da Feira do Lobito tornou-se propriedade do MPLA e tem uma série de indivíduos que se consideram proprietários de lojas no local. População deslocada devido à guerra e outros colocados lá pelas autoridades foram-se instalando e vivendo no local. Tem sido colocada pressão sobre estes para abandonarem o local e chegaram a ser prometidos talhões. Como parte da pressão sobre estas pessoas, estas pessoas são referidas como sendo de partidos da oposição, como se isto não fosse um direito, e como se tivesse implicações no seu direito à habitação;

• O Centro de 16 de Junho situava-se junto ao banco (qual?), em Benguela, e albergava 130 crianças e jovens de rua desde 2001. Em 2007 estes foram transferidos daquele local para o bairro 27 de Março, onde estão até agora. Antes da transferência foram feitas promessas de casas, que nunca se materializaram. Vivem vários numa tenda que estão já em muito mau estado e não possuem nenhum documento que lhes dê segurança legal. Estas pessoas vivem numa situação de pobreza e vão lavando carros e fazendo outros biscates para sobreviver;

• O Bairro Bagdad, em Luanda começou a sofrer com demolições ilegais desde 2007. A 20 de Julho de 2009, de madrugada, a polícia e militares foram entrando no bairro e, quando vários moradores tinham saído para os seus empregos, casas foram demolidas e os seus pertences foram destruídos. 4.000 famílias foram atiradas para a rua sem qualquer respeito pelos seus direitos e bem estar. A pobreza, o desespero e mesmo a morte têm desde então afligido estas famílias que há 4 anos vive sem esperança de uma solução, e repetidas promessas que não são cumpridas.

• As demolições e deslocações na Huíla têm ocorrido na Chibia, Gambos, na Chavola e no Mutundo. Em 2010 pessoas tiveram casas demolidas e mesmo agora as populações da Chavola e Chimukua sofrem esse abuso contra os seus direitos, sendo vítimas de usurpação das suas terras. Em nome de projectos vários as populações são compulsivamente deslocadas ou o seu acesso a água e outros recursos tem sido, ilegalmente, bloquado. As populações e organizações que as apoiam têm contactado várias instituições e organizações, por vezes com resultados

• No caso da Chavola, Huíla, nos dias 18 e 25 de Outubro de 2011, a administração municipal do Lubango destruiu 26 casas, destruíram utensílios domésticos e levaram materiais. Nestes episódios detiveram ilegalmente um rapaz de 13 anos, que foi espancado e para cuja soltura teve de se pagar 7.000 kwanzas de suborno. Disparos foram feitos na altura com armas de guerra, para afugentar a população. Nesta zona chegaram, durante o tempo chuvoso, a retirar tendas que tinham sido distribuídas à população para os forçar a construir abrigos. Um activista já foi detido por exibir um vídeo sobre as demolições de casas no Lubango. Também aqui as populações, e em particular os mais vulneráveis, sofrem o desespero e frustração, resultando em mortes.

• A 19 de Abril de 2009 começaram a ser desalojadas populações da Ilha do Cabo, em Luanda. Tractores partiram casas e destruíram bens, a pretexto das Calemas. Os moradores criaram uma comissão e tentaram, junto das instituições públicas, obter justiça e o reconhecimento dos seus direitos. Apesar da promessa de que teriam casa num período de três meses, a maioria das pessoas estão ainda em tendas ou em casas de chapa que construíram. Muitas das coisas que tinham perderam-se. Também aqui se usou a acusação de ligação a partidos da oposição como arma contra o direito das populações;

• A comunidade de Cambamba, em Luanda existe desde 1969, com agricultores que cultivavam a área. Desde 1990 que estes foram cedendo e vendendo terrenos e a área evoluiu para uma zona residencial. Quando em 2004 o projecto Nova Vida decidiu estender o seu projecto habitacional começaram a demolir residências sem cumprir as regras básicas e a lei. Como resultado 800 a 900 casas foram destruídas e duas mil famílias foram desalojadas sem qualquer decisão judicial ou documento que permitisse uma tal operação. A comunidade reagiu divulgando a situação junto de instituições e organizações nacionais e internacionais tendo conseguido obter apoio jurídico. Em 2008 foram prometidas casas às populações vítimas destas demolições o que deveria ocorrer a partir de Setembro deste ano e estar concluído em 2012. Mais uma vez estas populações foram acusadas de serem da oposição;

• No prédio Magalhães, no Lobito, residem 36 famílias, desde 1988, altura em que o edifício estava abandonado. Apesar de residirem aqui na base de um contrato entre os proprietários e o CFB, onde muitos dos moradores trabalham, há uma decisão do tribunal dando ordem de despejo aos moradores. Os moradores sofreram com as várias mudanças de interlocutor por parte da empresa e com os serviços do seu advogado em relação a quem desconfiam ter, propositadamente, prejudicado o seu interesse, não pagando algumas custas do tribunal que, no entanto, os moradores pagaram. A administração municipal disponibilizou terreno para estes moradores mas estes não têm posses para construírem as suas casas.

Tomando em consideração estes eventos e outros do conhecimento de vários presentes, organizou-se um debate que resultou as seguintes conclusões:

1. É importante reconhecer e divulgar os casos de sucesso e as várias situações em que as instituições desempenharam o seu papel. No entanto continuam a ocorrer demolições sem compensação, e pessoas continuam a ser colocadas ao relento e sem receber as indemnizações a que têm direito.

A coragem e persistência das comunidades vítimas de abusos e o trabalho de vários activistas foi fundamental para a evolução que se tem verificado em Benguela. Constatou-se que nesta província tem havido progresso na atitude das autoridades, e em particular do seu governador, no respeito pela lei e na sensibilidade para a complexidade dos problemas criados com as demolições e deslocações forçadas. Constatou-se também o contraste da persistência do governo da Huíla e do seu governador que prossegue com as demolições em completo desrespeito e insensibilidade pelos terríveis impactos das suas acções sobre as famílias que delas são vítimas.

2. Ouviram-se, como se referiu acima, relatos de demolições e deslocações forçadas, e dos traumas, descontentamento, frustração e a desestruturação que causam nas famílias e, em particular, nas crianças. É chocante a insensibilidade com que se tratam os grupos mais vulneráveis – viúvas, idosos, deficientes físicos – que vêem assim agravada a sua situação. Tem-se agravado a pobreza, ao destruir o que uma grande número de angolanos constrói com as suas poupanças. Violações são também comuns nos processos de distribuição de terras. Destas acções resultam a perda de bens e até de vidas humanas. As acções feitas em desrespeito da legislação nacional e internacional, quando ficam impunes, geram um sentimento de frustração e desconfiança no sistema de justiça.

3. Para prevenir e reagir a estas situações é importante reforçar a unidade, a coordenação e a mobilização de todos. Quantos mais cidadãos se envolverem, tomando posição, sendo solidários com as vítimas e rompendo com a passividade face à injustiça, mais esta recuará. Com a mobilização da sociedade civil de todo o país poderemos reagir de forma mais eficaz sempre que houver situações de injustiça. Deve pois haver mais coordenação entre os vários envolvidos na defesa do direito à terra e à habitação, e na promoção do acesso à justiça.

As acções da sociedade civil devem ser feitas no âmbito da lei e recorrendo sempre às instituições legais. Mas tal acção não tem de ficar restrita apenas às instituições judiciais. O recurso a manifestações pacíficas, à divulgação das situações pela media, à sistematização e documentação dos resultados e das experiências de sucesso, entre outros, são um complemento importante que contribui para um melhor funcionamento da justiça.

Encorajamos por isso os cidadãos a continuarem a romper com a cultura do medo, apesar da intervenção da polícia ser muitas vezes um factor de intimidação e que dificulta o envolvimento de mais pessoas. O pleno exercício da cidadania deve por isso ser cultivado por todos.

4. A lei é um importante instrumento para ajudar a prevenir e corrigir as situações referidas acima. Entre outros aspectos ela garante que:

• Todos têm direito a assistência judiciária

• Todos têm direito à propriedade privada e à sua transmissão

• Só é permitida a expropriação de propriedade em situações de interesse público e, mesmo nestes casos, mediante uma justa indemnização

• Todos têm o direito de apresentar petições, denúncias ou queixas para defesa dos seus direitos e interesses.

No entanto, para tornar a lei mais presente é importante melhorar a celeridade dos tribunais evitando a impunidade que cria desconfiança no sistema. A divulgação da lei, contribui para que a população conheça os seus direitos e lute por eles.

5. Tomando em consideração o que foi referido recomenda-se às autoridades que:

• Cultivem uma prática sistemática de diálogo entre governantes e governados, e não apenas com a juventude;

• Se reforce a consertação entre os cidadãos e as administrações locais. Os planos que envolvam demolições ou deslocação devem ser evitados. Caso isso não seja possível deve comunicar-se com a população, planificar, e preparar as condições antes de se passar à acção. É necessário planificar e acompanhar estas operações e não repetir os erros cometidos.

• Respeito as normas e leis nacionais e internacionais;

• As instituições do estado funcionem na base da lei, de forma imparcial, isenta, responsável e previsível;

• Desenvolvam mecanismos para levar a informação aos cidadãos para que estes usem mais as instituições públicas e a lei;

• A media pública assuma as suas responsabilidades neste domínio contribuindo para a criação de uma sociedade melhor informada;

• O governo deve assumir as consequências dos erros que comete, ou que são cometidos em seu nome, e deve reparar os cidadãos pelos danos que lhes foram infligidos;

• Os agentes do estado devem abster-se de acusar cidadãos de serem de partidos da oposição como se isso fosse um crime ou disso resultasse alguma limitação no exercício de direitos.

6. Os partidos são instituições importantes que devem tomar posição nas questões de interesse público, independentemente de envolverem ou não os seus militantes. No entanto, eles têm uma função própria e não podem nem devem substituir as instituições do estado. É pois necessário despartidarizar o funcionamento das instituições do estado.

O partido no governo não pode deixar de assumir a sua quota de responsabilidade quando são cometidos abusos em seu nome, por pessoas por si nomeadas, em acções desencadeadas por erro ou para defender interesses pessoais.

7. Devem ser honradas as promessas feitas por agentes do Estado, de garantia do direito à habitação das vítimas de demolições e deslocações. Alerta-se para o facto de se terem esgotado os prazos prometidos às populações deslocadas da Ilha do Cabo, da Camama e de Bagdad.

Tendo-se construído novas residências com fundos públicos deveriam priorizar-se, na sua distribuição, aquelas famílias que foram vítimas de demolição das suas residências e que, até ao presente momento, ainda não tenham sido justamente compensadas.

8. Tendo tomado conhecimento de demolições que estão a ocorrer actualmente na Huíla, exigem o cumprimento da lei e a imediata paragem das demolições. Apela-se neste caso para acções de solidariedade por parte das organizações e pessoas de bem.

Sem comentários: