Decorreu hoje em Luanda, 25 de Novembro, na sala Luanda do
hotel Trópico, a mesa redonda REFLECTIR CABINDA.
Um dos prelectores foi o deputado Raúl Danda que falou sobre
“A Situação Económica em Cabinda”.
“REFLECTIR CABINDA”
A SITUAÇÃO
ECONÓMICA DE CABINDA
Conferência Organizada pela ONG “OMUNGA”
Luanda, 25 de Novembro de 2014
Raúl M. Danda
Minhas Senhoras,
Meus Senhores:
É
para mim uma grande honra estar aqui, hoje e nesta manhã, em resposta ao
convite que me foi gentilmente formulado pela OMUNGA, muito particularmente
pelo incansável activista José Patrocínio, seu Coordenador, que me escolheu
para falar sobre Cabinda, minha terra amada, e muito especificamente na
vertente económica.
E
aqui estou para, com a modéstia de quem não veio aqui para dar lições, talvez
nem para dizer coisas novas, trocar impressões com todos os participantes sobre
uma terra que quem manda no país nunca quis ouvir.
De
protectorado português, por força do Tratado de Simulambuco, Cabinda já foi
Distrito de Angola, esta considerada província portuguesa, feita província mais
a norte do norte de Angola, por força de um acordo de Alvor que seria morto
quase à nascença, tendo, dessa morte, sobrevivido apenas duas coisas: o facto
de Cabinda ter sido considerada “parte integrante e inalienável de Angola” e a data
de 11 de Novembro de 1975, retida como aquela em que Angola ascenderia à
independência da colonização portuguesa. Dos cabindas, o único regime que
governou Angola nos últimos e únicos 39 anos de existência do país, ninguém
quis ouvir. Ninguém quis saber. Hoje, Cabinda ficou reduzida a um “caso”: “O
Caso Cabinda”, sem que o único poder instalado no país tenha, alguma vez,
traduzido isso para português.
A
OMUNGA, a quem devo felicitar por “ousar” reunir hoje inteligências, vontades e
curiosidades para abordar uma questão feita “tabu”, transformada em assunto
quase do fórum pessoal do Presidente da República, convidou-me para falar da situação
económica do enclave. No entanto, não me é possível fugir da vertente política
como forma de traduzir – ou pelo menos tentar traduzir – o sentimento de um
Povo a quem hoje se impõe uma vivência que chega a ser pior àquela que impunha
o chamado “colono”.
Pronunciar
a palavra “enclave” tem sido, por si só, motivo para pôr o cabelo em pé a muito
boa gente, e mesmo fazer-se uma alusão “positiva” à colonização portuguesa,
evocando o facto de que até mesmo os portugueses tinham “proibido” falar em
“enclave” porque, de Cabinda ao Cunene, haveria “um só povo e uma só nação”.
Ainda na passada sexta-feira, 21 de Novembro de 2014, ouvíamos isso mesmo do
ministro da Administração do Território que, com orgulho incontido, lia um
longo parágrafo de um documento da autoridade colonial portuguesa que dá sustento
a essa tese. Não citou, contudo, o Artigo 1º da Constituição Política da
República Portuguesa, que vigorou até à altura da independência de Angola.
Mas,
etimologicamente, o termo “Enclave”, que vem do francês medieval “enclaver”
– que significa “cercar” – e do latim vulgar “inclavare” – sinónimo de
“fechar”, não devia meter medo a ninguém, sendo entendido apenas no seu
contexto geográfico.
Falar
de Cabinda, quando se é cabinda, tem sido uma coisa complicada, quase proibida.
Qualquer reclamação que se faça vale-nos os epítetos de “separatistas”,
“independentistas”, etc. E eu pergunto: o “independentismo” não morará na
cabeça daqueles que isso nos chamam?
A
minha experiência parlamentar, iniciada em 2008, tem-me mostrado duas coisas:
qualquer colega meu, Deputado, pode falar de Cabinda – nos raríssimos momentos
em que isso ocorre – e a atitude será considerada normal, quase passando
despercebida. Qualquer colega poderá falar da sua província, as vezes que
quiser, o tempo que quiser, e isso será visto com naturalidade; com
normalidade. Mas quando sou eu a falar de Cabinda, mesmo sabendo-se que fui
eleito pelo círculo provincial de Cabinda (mesmo se não fosse o caso), os meus
colegas pertencentes à força política maioritária começam a questionar porque
razão falo de Cabinda. Como se isso fosse proibido. Talvez seja por isso que os
meus quatro colegas de círculo provincial não abrem a boca. E nas raras vezes
que o fazem será apenas para dizer que “tudo vai bem”, contrariamente aos
deputados dos outros 17 círculos eleitorais. E mesmo assim, dizem-nos que temos
todos a mesma liberdade; que somos todos os mesmos irmãos, “de Cabinda ao
Cunene”.
SITUAÇÃO ECONÓMICA DE
CABINDA
Na sequência da chegada à foz do Rio Congo (hoje Zaire) de
exploradores, missionários e comerciantes portugueses, no Século XV, a acção
comercial iria depois expandir-se aos reinos do Ngoyo, Kakongo e Loango,
situados dentro e para além do território que hoje é Cabinda.
Com o passar dos anos, colonos de várias nacionalidades,
nomeadamente portugueses, ingleses, holandeses, entre outros, mas sobretudo
esses, viriam estabelecer postos de comércio, fábricas de extracção de madeira
e de óleo de palma, em Cabinda. Com o desenvolvimento do comércio, cresceu a
presença europeia, o que resultou em conflitos entre potências coloniais
rivais.
No quadro dessa "corrida europeia para África",
muito particularmente para Cabinda, Portugal viria a concluir, em Fevereiro de
1885, com os chefes dos três citados reinos, o ultimo de diversos tratados – o
Tratado de Simulambuco – que daria a Cabinda o estatuto de Protectorado da
Coroa Portuguesa, sob permissão dos príncipes e governantes de Cabinda,
reservando, dessa forma, os direitos de governação do território.
Por ocasião da conhecida Conferência de Berlim, realizada
no mesmo ano de 1885, a atribuição de Cabinda a Portugal seria
internacionalmente confirmada, adoptando-se a designação de “Congo Português”.
Nessa altura, nasceriam igualmente outros dois congos, sendo o Congo Belga
(ex-Zaíre e actualmente República Democrática do Congo, após a destituição de
Mobutu Sese Seko Kuku Gbendo Wa Zabanga), e o Congo Francês (que depois se
chamaria Congo-Brazzaville e hoje apenas República do Congo).
No quadro do sistema colonial estabelecido em Angola,
Cabinda ganhou uma visível importância económica que levou a um significativo
desenvolvimento sobretudo da cidade de Cabinda (conhecida por Tchowa, pelos
autóctones), que chegou a ser dotada de um porto e de um aeroporto.
Dos produtos agrícolas, a situação mudou consideravelmente
quando, em 1967, foram descobertos importantes jazidos de petróleo ao largo da
costa de Cabinda, o que levou Portugal a promover de imediato a sua exploração.
É preciso sublinhar que, quatro anos antes, em 1963,
surgira a FLEC – Frente de Libertação do Enclave de Cabinda, no
Congo-Brazzaville, da fusão de vários grupos que, no território, reivindicavam
a independência de Portugal.
Após o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, em
Portugal, o MPLA obteve rapidamente o controlo militar de Cabinda, defendendo a
continuação do enclave como parte integrante de Angola, e procurando
neutralizar os militantes da FLEC. A guerra pós-colonial que se iria instalar
entre o MPLA e a UNITA e a acção armada da guerrilha da FLEC, viriam a fazer do
petróleo de Cabinda o recurso económico vital para a sobrevivência do novo regime
político, que investiu fortemente na protecção militar das instalações de
extracção do crude, valendo-se durante muito tempo de unidades cubanas
de elite.
Até ao fim da era colonial, Cabinda produzia quantidades
importantes de madeira e café, e mais reduzidas de cacau e óleo de palma, tendo
havido, inclusive, um investimento no turismo, na zona litoral.
Em consequência do conflito prevalecente desde 1974, em
Cabinda, estas actividades económicas foram perdendo força. A agricultura
voltou a ser, no essencial, de subsistência. Em contrapartida, a extracção de
petróleo foi intensificada e, em 2010, o petróleo extraído em Cabinda
representava cerca de 70% do crude exportado por Angola.
É importante dizer que, apesar de o petróleo ser o
principal recurso natural de Cabinda, o território também é notável pelas suas
madeiras de elevada qualidade, possuindo igualmente um solo rico em ouro, diamante,
manganês, titânio, urânio, fosfato, ferro, argila, cal e burgau. Com a grande
Floresta do Maiombe e não só, Cabinda possui uma flora e uma fauna invejáveis. Banhado
pelo Oceano Atlântico, Cabinda conta, por outro lado, com uma significativa
actividade pesqueira, que vai perdendo intensidade como malefício da exploração
petrolífera, com os danos causados ao ambiente pelos derrames de algum modo
constantes que ocorrem no seu mar e as restrições à pesca impostas pela
actividade da exploração petrolífera em si.
Apesar de o petróleo ter sido inicialmente descoberto em
Angola, em 1955, na bacia do Rio Kwanza, a indústria petrolífera apenas
“levantou voo” na década de 1960, quando a Cabinda
Gulf Oil Company descobriu as reservas offshore de Cabinda.
O
PETRÓLEO E OS DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO
O petróleo de Cabinda, longe de ser uma bênção, tem sido
uma verdadeira maldição. Se, por um lado, ele serve de motivo para reprimir
qualquer tendência de autonomia local, por outro lado o povo de Cabinda
continua a ver o desenvolvimento trazido pelo petróleo com a mesma facilidade com
que cada um de nós aqui vê as suas orelhas.
Numa terra onde jorra o petróleo, falta gás butano para as
cozinhas, petróleo iluminante para os candeeiros dos mais pobres, havendo
períodos em que se formam filas enormes de viaturas e motociclos à procura de
combustível.
O Governo cria fundos que, em teoria, visam fomentar o
empreendedorismo, mas não se vê
beneficiários desses fundos.
O aligeiramento da carga fiscal, relativamente aos
produtos ali importados, que devia ser proporcionado pelo chamado estatuto especial para Cabinda, sofre
um agravamento, se tivermos em conta o facto de que a ausência de um porto
obriga a que as importações se façam através do porto de Ponta Negra, República
do Congo (Brazzaville), o que força o pagamento de direitos naquele país.
O Porto de Águas Profundas, prometido ainda nos anos 1970,
durante o Primeiro Congresso do MPLA, continua a ser um parto difícil, tendo
levado ao assistir do lançamento de várias “primeiras pedras”, andando dos
estudos para o lançamento da pedra, e regressando aos estudos, num verdadeiro
movimento cíclico.
O actual porto, localizado na cidade de Cabinda (Tchowa),
fica longos períodos inoperacional fruto das areias trazidas pela corrente do
Rio Zaire, que obrigam a constantes e muito onerosas operações de
desassoreamento. Por outro lado, informações dadas pelas próprias autoridades
portuárias de Cabinda apontavam para o facto de esse porto ter um período anual
de funcionamento efectivo de cerca de 6 meses, por causa das marés altas, das
chamadas calemas.
Para o desenvolvimento industrial de Cabinda, o Orçamento
Geral do Estado vem inscrevendo verbas, nos últimos anos, para a construção do
chamado “Polo Industrial do Fútila”, apesar de o mesmo se encontrar localizado
não no Fútila, mas no Malembo. A verdade, no entanto, é que, apesar dos muitos
milhões de dólares alocados todos os anos a esse projecto, quem for a Cabinda
não saberá dizer o que significa esse “Polo Industrial”.
Apesar de o Plano de Desenvolvimento do Executivo, para
Cabinda, para o período 2013-2017, mencionar como “acções de implementação
imediata” a requalificação e a modernização da cidade capital de Cabinda, a
construção de uma nova urbanidade, o surgimento de polos de desenvolvimento, a
construção do porto de águas profundas, a melhoria no abastecimento de água e
de energia eléctrica, a instalação de centros de desenvolvimento produtivo nos
municípios, entre outras, a concretização dessas promessas está longe de ser
uma realidade.
Cabinda situa-se num eixo que pode muito bem constituir-se
em plataforma para servir os países da região (Congo Brazzaville, RDC, Gabão,
etc.), podendo servir, inclusive, algumas capitais europeias. Outras zonas de
Angola vêm os seus aeroportos transformados em aeroportos internacionais, mas
essa condição é sistematicamente negada a Cabinda, apesar do seu pequeno
aeroporto (com mais parque e jardim do que aeroporto) receber, uma vez ou
outra, aeronaves provenientes de países vizinhos. Os cabindas entendem isso
apenas como mais um travão ao negado desenvolvimento.
O empresariado local, que tem no Estado o principal e,
muitas vezes, o único cliente, vê a remuneração dos serviços prestados passado
para a dívida pública, num ambiente económico em que não se percebem muito bem quais
as prioridades eleitas pelo Executivo local. O facto é agravado pela
concorrência perigosamente desleal feita por certos agentes do Estado, que
asfixiam as iniciativas dos pequenos empreendedores que, além da dificuldade de
acesso aos créditos, das elevadas taxas de juro a que têm de fazer face,
passando pelas garantias bancárias onde a exigência é cada vez maior, têm, do
outro lado da concorrência, agentes a quem o dinheiro vem parar às mãos como
que por artes mágicas. Ora isso vai matando, aos poucos, esse sector importante
para a criação de emprego e do consequente desenvolvimento, exacerbando o
surgimento de “pequenos monopólios”.
10%
DAS RECEITAS PETROLÍFERAS PARA CABINDA
Em 1996, o Governo Angolano decidiu afectar a Cabinda um
“bónus” correspondente a 10% do volume de receitas mensais provenientes da
exploração petrolífera, fixado em 72 milhões de dólares anuais, à razão de 6
milhões de dólares mensais. Esse montante fixo, que curiosamente é resultante
de diferentes variáveis, era directamente depositado nas contas do Governo
Provincial de Cabinda, pelas empresas petrolíferas a operar no território,
nomeadamente as associadas da Cabinda
Gulf Oil Company.
No entanto, as regras de atribuição do referido “bónus”
viriam a ser alteradas, nos termos do Artigo 8º do Decreto Presidencial nº 30/10,
de 9 de Abril. Ou seja, em vez dos depósitos directos nas contas do Governo
Provincial, essas receitas – atribuídas também à província do Zaire – passariam
a ser fixadas no OGE, sendo uma das fontes de financiamento dos orçamentos dos
respectivos governos provinciais e das administrações municipais (Nº 1), e
seria o Ministério das Finanças a disponibilizar, mensalmente, nos respectivos
planos de caixa, as quotas financeiras dessas verbas.
Mesmo assim, esse “bónus” viria a ser suspenso, sem
qualquer explicação, por parte do Executivo, durante o consulado do General
Mawete João Baptista.
Em Agosto de 2012, num discurso verdadeiramente
eleitoralista, o Presidente da República iria prometer às populações de Cabinda,
não só a reposição dessas verbas, mas também o retorno à gestão autónoma desses
chamados “10% das receitas petrolíferas”. Passada a febre eleitoral, os
cabindas rapidamente iriam concluir que as modalidades não iriam mudar coisa
nenhuma.
Em termos desses “10%”, para o exercício económico de 2013,
a lei que aprovava o Orçamento Geral do Estado inscrevia, para Cabinda,
receitas avaliadas em cerca de 17.6 biliões de Kwanzas (cerca de 183 milhões de
dólares); no OGE de 2014 essa verba iria manter-se nos 17.6 biliões de Kwanzas;
tendo baixado no OGE ara o exercício fiscal de 2015 para 14.9 biliões de
Kwanzas (cerca de 150.7 milhões de dólares). Em Cabinda, os relatos em meios
oficiais têm feito menção que essas receitas não têm sido alocadas.
O desenvolvimento económico de Cabinda tem sido um
verdadeiro problema. Um problema que nem o “estatuto especial” conseguiu
resolver; um estatuto gerado pelo memorando de entendimento assinado em 2006,
no Namibe, entre o Governo Angolano e o senhor António Bento Bembe, actual
Secretário de Estado dos Direitos Humanos, depois de ter sido Ministro sem
Pasta.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
O tema que aqui trazemos poderia levar-nos horas, mas a
escassez do recurso “tempo” aconselha a que ele seja utilizado com
racionalidade. Por essa razão eu ficarei por aqui, com a possibilidade de, no
debate que se segue e outros que certamente virão, podermos continuar a
reflectir Cabinda, nesta e noutras vertentes.
Eu agradeço a vossa amável atenção.
Bibliografia:
- “Avaliação das operações da indústria petrolífera de Angola” – OSISA
- Decreto Presidencial nº 30/10 de 9 de Abril (DR de 9 de Abril de
2010, I Série Nº 66
- Lei do OGE para 2013, 2014, 2015
- Constituição Política da República Portuguesa de 19 de Março de
1933
- Revista Ngonje Nº 16 – Ano 13