C/c – Conselho Superior da Magistratura – LUANDA
Ministro
da Agricultura e Desenvolvimento Rural – LUANDA
Ao Exmo.
Sr. Juiz Presidente do
Tribunal Constitucional
Att: Sr. Rui Ferreira
A
N G O L A
ASSUNTO: CARTA ABERTA SOBRE A APLICAÇÃO DO N.º 5 DO
ARTIGO 179.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA
É com enorme preocupação que
temos acompanhado nos meios de comunicação social e nas redes sociais um
assunto que liga o nome do Exmo. Sr. Juiz Presidente à compra de enormes
quantidades de terreno (9767 ha de forma directa e 7299 ha e 7646 ha em nome de
seus filhos), como também a ser proprietário de milhares de hectares de terras
(2000 especificamente da fazenda Sete Quintas) também no Kwanza Sul.
Antes de entrarmos nos
aspectos da Constituição, gostaríamos de expor a nossa opinião em relação a
esses enormes latifúndios que cada vez mais vão rompendo que nem cogumelos um
pouco por todo o país em nome do crescimento económico, da diversificação da
produção, da sustentabilidade alimentar, da concorrência e consequente baixa de
preços e do poético “combate à fome e à pobreza”.
Infelizmente, e começando pelo
poético, tais latifúndios não têm de maneira alguma conseguido acabar e nem
sequer diminuir a fome e a pobreza e, como mau agoiro, tem precisamente
provocado o perverso resultado inverso, aumentado a fome e a pobreza.
Por outro lado, têm estes
enormes latifúndios pouco contribuído para a sustentabilidade alimentar,
continuando o sector camponês a produzir uma enorme fatia da produção agrícola
e alimentar. Ao mesmo tempo não têm conseguido baixar os preços dos produtos já
que continuam mais altos que os importados, mesmo com o proteccionismo da
presidência da República em proteger a classe aburguesada através da
“acumulação primitiva do capital”, aumentando taxas de importação, que apenas
veio aumentar o peso ao bolso do cidadão comum (não o protegido)
Não garantem, estes enormes
latifúndios, sustentabilidade ecológica já que exigem técnicas intensivas que
ferem grandemente o meio ambiente através dos agro-tóxicos, do elevado nível de
mecanização e dos transgénicos e variedades laboratoriais.
Se não só não conseguem
alcançar os prometidos e lunáticos objecticos, trazem ainda consigo outros
males que contradizem o espírito da Independência, da construção da Paz e da
Justiça Social, essência que deve orientar a nossa Constituição que é argumento
do papel de defesa do Exmo. Sr. Juiz presidente e do Tribunal Constitucional
que o representa.
A essência da luta pela
independência foi a luta pela terra e pelo direito ao território, se
considerarmos o Estado, a Nação, como tendo os elementos básicos o território e
os cidadãos que aí criam relações, as instituições, as leis, as regras e os
símbolos.
Por essa linha, a terra,
enquanto propriedade primária do Estado, é pertença de todos e não apenas de
autorizada gestão para alguns, os protegidos.
A relação das pessoas no meio
rural com a terra, ultrapassa as relações de produção tal como um mero urbano
vê uma fábrica. Estabelecem-se relações de história, laços de cultura, numa
simbiose entre homem, terra e natureza. É isto que reconhece a lei tentando
assim defender esta relação primordial, defendendo os direitos dos camponeses à
terra.
Estes grandes latifúndios de
milhares e milhares de hectares, quebra de forma impositiva o equilíbrio
encontrado e promove e gera novos e graves conflitos e desequilíbrios.
Retira ao camponês a sua
dignidade transformando-o em mero empregado ou arremessando-o para as terras
menos produtivas ou obrigando-os a encherem as enormes filas de ex. camponeses
que se dirigem à procura de solução e engrossando o oceano de desempregados,
mal empregados ou escravizados, nas grandes cidades.
Ao contrário do que deve ser o
propósito do Tribunal Constitucional, este procedimento corrompe e vai contra
os preceitos básicos da Constituição que é a de uma Angola de Paz e de Justiça
Social.
Outro aspecto grave é o facto
de que este processo de privatização e de reconhecimento dos grandes
latifúndios espezinha, mais uma vez, os princípios da luta pela independência,
como já nos referimos, porque baseia-se precisamente usando as demarcações de
terrenos do tempo colonial. Todos nós sabemos do nojento processo de demarcação
no tempo colonial dos grandes latifúndios e torna-se injusto que 39 anos após a
independência se mantenha o croquis colonial de demarcação dos grandes
latifúndios precisamente em flagrante desrespeito aos camponeses minimizando o
valor da terra a tão-somente enquanto uma unidade de produção, parecendo um
mero acto de substituição de um colono por outro colono de “pós independência”.
A OMUNGA sentiu-se obrigada em
fazer e partilhar esta reflexão porque o assunto envolve terra (milhares e
milhares de hectares) e um nome duma figura cuja posição em Angola remete-o
para o grupo daqueles que precisamente mais deveria sentir a luta pela posse da
terra e pelo respeito da dignidade do camponês em Angola.
Exposto isto, passamos ao
assunto que é a base desta CARTA ABERTA.
No MAKA ANGOLA de 1 de
Novembro de 2014, sob o título Presidente do Tribunal Constitucional Justifica
Posse de Terras[1],
o jornalista Rafael Marques traz-nos a matéria e a justificação do Exmo. Sr.
Juiz Presidente.
Diz no referido artigo que “em
requerimento datado de 4 de Dezembro de 2012, a Fazenda Ulunga S.A., representada
por Rui Ferreira, requereu pareceres institucionais para a legalização de 9,767
hectares na Anhara do Calundo, comuna do Lonhe. Os requerimentos foram
submetidos ao ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Afonso Pedro
Canga, ao governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito
Teixeira, entre outras entidades.
No mesmo dia, 4 de Dezembro de
2012, o filho do presidente do Tribunal Constitucional, Nilson Roberto Manita
Ferreira, de 27 anos, seguiu os mesmos procedimentos para a legalização de 7299
hectares, na Anhara do Tchilesso. Trata-se de uma propriedade contígua à
nordeste das terras requeridas pela Fazenda Ulunga S.A.
Por sua vez, outro filho do
magistrado, Rui Miguel Manita Ferreira, de 26 anos, também requereu às mesmas entidades,
no mesmo dia, a legalização de 7,646 hectares na área de Caumbundo. Essas
terras são contíguas, à sul, às terras solicitadas pelo pai e pelo irmão
Nilson.
A 21 de Março de 2013, a
Fazenda Ulunga S.A., representada “pelo senhor Rui Constantino da Cruz
Ferreira”, escreveu novamente ao ministro da Agricultura e do Desenvolvimento
Rural, Afonso Pedro Canga. Invocou a necessidade “de adquirir o direito de
superfície” dos 9767 hectares.
No requerimento, o
representante da Fazenda Ulunga solicita ao ministro para que “se digne emitir
o seu parecer e mandar passar o referido documento em conformidade”.
Em resposta, o ministro Afonso
Pedro Canga respondeu favoravelmente aos três pedidos e deu instruções para que
os processos de aquisição sejam céleres, conforme informações fidedignas
obtidas por este portal.”
Continua
o artigo ‘Começa primeiro por referir a
posse, há 10 anos, da fazenda da família, no município do Waku-Kungu, com cerca
de 2000 hectares. Chama-se “Sete Quintas” e, neste momento, já é pequena para a
sua criação de gado e produção de cereais.
“O meu gestor [da Fazenda Sete
Quintas] chegou à conclusão de que a área é pequena e sugeriu-me uma associação
com outras pessoas para a aquisição de mais terras”, explica.
Sobre os requerimentos em seu
nome, enquanto representante da Fazenda Ulunga, o magistrado esclarece que “foi
o meu gestor quem preparou o processo da Fazenda [Ulunga]”.Adianta que “já foi
feita a instrução para se corrigir a situação, porque, como magistrado, não
posso assumir outras funções”.
Rui Ferreira informa que “não
há ainda um pedido formal” para a aquisição do direito de superfície.
“Eu não serei requerente de um
pedido oficial de terras ao governador ou ao ministro. Confirmo que há, de
facto, intenção para a aquisição dessas terras, mas não fui eu quem a
endereçou”, continua.
“Quando tomei conhecimento de
que havia requerimentos em meu nome, pedi que se corrigisse a situação”,
reitera o presidente do Tribunal Constitucional.
Rui Ferreira fala dos seus
planos no papel de fazendeiro. “Tenho interesse nessas áreas [terras no Lonhe].
Estou com outras pessoas e quero expandir.” Neste momento, está a proceder à
substituição do gado importado do Brasil, devido aos prejuízos que tem
registado com a raça Nelore proveniente deste país sul-americano, por outras
raças importadas da Namíbia e da África do Sul.’
De
acordo ao transcrito é notório que o Exmo. Sr. Juiz Presidente do Tribunal
Constitucional de Angola exerce de forma activa e simultaneamente funções
empresariais privadas, neste caso no ramo da agricultura e pecuária, violando o
número 5 do artigo 179.º da Constituição de Angola.
Nesta
conformidade, tal violação de princípio constitucional enegrece a sua imagem,
enquanto Juiz Presidente da referida instituição, enegrece a imagem do próprio
Tribunal Constitucional, enegrece a imagem do Estado angolano, enegrece a
imagem de todos nós cidadãos que defendemos a ética e a moral e pretendemos um
país com instituições geridas por pessoas honestas e rectas que nos transmitam
confiança e nos façam acreditar em tais instituições que é o que precisamos todos
nós cidadãos angolanos.
Nesta
conformidade apenas cabe-nos a obrigação de exigir, em nome dum Estado de
Direito e Democrático e do exercício pleno e consciente da cidadania:
1 – Que o Sr. Rui Ferreira se
demita imediatamente da função/cargo de Juiz Presidente do Tribunal
Constitucional;
2 – Que o Conselho Superior da
Magistratura instaure imediatamente um processo disciplinar referente ao
assunto por força da Constituição, do número 5 do artigo 179.º e da alínea a)
do número 1 do artigo 184.º
3 – Que o Ministro da
Agricultura e do Desenvolvimento Rural revogue imediatamente as decisões favoráveis
dos pedidos de legalização, em requerimentos datados de 4 de Dezembro de 2012
em nome (a) da Fazenda Ulunga S.A., representada
por Rui Ferreira, para a legalização de 9,767 hectares na Anhara do Calundo,
comuna do Lonhe, em nome (b) de Nilson Roberto Manita Ferreira (filho do Juiz
Presidente), de 27 anos, para a legalização de 7299 hectares, na Anhara do
Tchilesso. Trata-se de uma propriedade contígua a nordeste das terras
requeridas pela Fazenda Ulunga S.A. e de (c) Rui
Miguel Manita Ferreira, de 26 anos (filho do Juiz Presidente), que solicitou a
legalização de 7646 hectares na área de Caumbundo. Essas terras são contíguas,
a sul, às terras solicitadas pelo pai e pelo irmão Nilson.
José A. M. Patrocínio
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