12/11/2014

CARTA ABERTA AO JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


C/c – Conselho Superior da Magistratura – LUANDA
         Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural – LUANDA

Ao Exmo.
Sr. Juiz Presidente do
Tribunal Constitucional
Att: Sr. Rui Ferreira

                        A N G O L A

ASSUNTO: CARTA ABERTA SOBRE A APLICAÇÃO DO N.º 5 DO ARTIGO 179.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA

É com enorme preocupação que temos acompanhado nos meios de comunicação social e nas redes sociais um assunto que liga o nome do Exmo. Sr. Juiz Presidente à compra de enormes quantidades de terreno (9767 ha de forma directa e 7299 ha e 7646 ha em nome de seus filhos), como também a ser proprietário de milhares de hectares de terras (2000 especificamente da fazenda Sete Quintas) também no Kwanza Sul.

Antes de entrarmos nos aspectos da Constituição, gostaríamos de expor a nossa opinião em relação a esses enormes latifúndios que cada vez mais vão rompendo que nem cogumelos um pouco por todo o país em nome do crescimento económico, da diversificação da produção, da sustentabilidade alimentar, da concorrência e consequente baixa de preços e do poético “combate à fome e à pobreza”.

Infelizmente, e começando pelo poético, tais latifúndios não têm de maneira alguma conseguido acabar e nem sequer diminuir a fome e a pobreza e, como mau agoiro, tem precisamente provocado o perverso resultado inverso, aumentado a fome e a pobreza.

Por outro lado, têm estes enormes latifúndios pouco contribuído para a sustentabilidade alimentar, continuando o sector camponês a produzir uma enorme fatia da produção agrícola e alimentar. Ao mesmo tempo não têm conseguido baixar os preços dos produtos já que continuam mais altos que os importados, mesmo com o proteccionismo da presidência da República em proteger a classe aburguesada através da “acumulação primitiva do capital”, aumentando taxas de importação, que apenas veio aumentar o peso ao bolso do cidadão comum (não o protegido)

Não garantem, estes enormes latifúndios, sustentabilidade ecológica já que exigem técnicas intensivas que ferem grandemente o meio ambiente através dos agro-tóxicos, do elevado nível de mecanização e dos transgénicos e variedades laboratoriais.

Se não só não conseguem alcançar os prometidos e lunáticos objecticos, trazem ainda consigo outros males que contradizem o espírito da Independência, da construção da Paz e da Justiça Social, essência que deve orientar a nossa Constituição que é argumento do papel de defesa do Exmo. Sr. Juiz presidente e do Tribunal Constitucional que o representa.

A essência da luta pela independência foi a luta pela terra e pelo direito ao território, se considerarmos o Estado, a Nação, como tendo os elementos básicos o território e os cidadãos que aí criam relações, as instituições, as leis, as regras e os símbolos.

Por essa linha, a terra, enquanto propriedade primária do Estado, é pertença de todos e não apenas de autorizada gestão para alguns, os protegidos.

A relação das pessoas no meio rural com a terra, ultrapassa as relações de produção tal como um mero urbano vê uma fábrica. Estabelecem-se relações de história, laços de cultura, numa simbiose entre homem, terra e natureza. É isto que reconhece a lei tentando assim defender esta relação primordial, defendendo os direitos dos camponeses à terra.

Estes grandes latifúndios de milhares e milhares de hectares, quebra de forma impositiva o equilíbrio encontrado e promove e gera novos e graves conflitos e desequilíbrios.

Retira ao camponês a sua dignidade transformando-o em mero empregado ou arremessando-o para as terras menos produtivas ou obrigando-os a encherem as enormes filas de ex. camponeses que se dirigem à procura de solução e engrossando o oceano de desempregados, mal empregados ou escravizados, nas grandes cidades.

Ao contrário do que deve ser o propósito do Tribunal Constitucional, este procedimento corrompe e vai contra os preceitos básicos da Constituição que é a de uma Angola de Paz e de Justiça Social.

Outro aspecto grave é o facto de que este processo de privatização e de reconhecimento dos grandes latifúndios espezinha, mais uma vez, os princípios da luta pela independência, como já nos referimos, porque baseia-se precisamente usando as demarcações de terrenos do tempo colonial. Todos nós sabemos do nojento processo de demarcação no tempo colonial dos grandes latifúndios e torna-se injusto que 39 anos após a independência se mantenha o croquis colonial de demarcação dos grandes latifúndios precisamente em flagrante desrespeito aos camponeses minimizando o valor da terra a tão-somente enquanto uma unidade de produção, parecendo um mero acto de substituição de um colono por outro colono de “pós independência”.

A OMUNGA sentiu-se obrigada em fazer e partilhar esta reflexão porque o assunto envolve terra (milhares e milhares de hectares) e um nome duma figura cuja posição em Angola remete-o para o grupo daqueles que precisamente mais deveria sentir a luta pela posse da terra e pelo respeito da dignidade do camponês em Angola.

Exposto isto, passamos ao assunto que é a base desta CARTA ABERTA.

No MAKA ANGOLA de 1 de Novembro de 2014, sob o título Presidente do Tribunal Constitucional Justifica Posse de Terras[1], o jornalista Rafael Marques traz-nos a matéria e a justificação do Exmo. Sr. Juiz Presidente.
Diz no referido artigo que “em requerimento datado de 4 de Dezembro de 2012, a Fazenda Ulunga S.A., representada por Rui Ferreira, requereu pareceres institucionais para a legalização de 9,767 hectares na Anhara do Calundo, comuna do Lonhe. Os requerimentos foram submetidos ao ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Afonso Pedro Canga, ao governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, entre outras entidades.
No mesmo dia, 4 de Dezembro de 2012, o filho do presidente do Tribunal Constitucional, Nilson Roberto Manita Ferreira, de 27 anos, seguiu os mesmos procedimentos para a legalização de 7299 hectares, na Anhara do Tchilesso. Trata-se de uma propriedade contígua à nordeste das terras requeridas pela Fazenda Ulunga S.A.
Por sua vez, outro filho do magistrado, Rui Miguel Manita Ferreira, de 26 anos, também requereu às mesmas entidades, no mesmo dia, a legalização de 7,646 hectares na área de Caumbundo. Essas terras são contíguas, à sul, às terras solicitadas pelo pai e pelo irmão Nilson.
A 21 de Março de 2013, a Fazenda Ulunga S.A., representada “pelo senhor Rui Constantino da Cruz Ferreira”, escreveu novamente ao ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Afonso Pedro Canga. Invocou a necessidade “de adquirir o direito de superfície” dos 9767 hectares.
No requerimento, o representante da Fazenda Ulunga solicita ao ministro para que “se digne emitir o seu parecer e mandar passar o referido documento em conformidade”.
Em resposta, o ministro Afonso Pedro Canga respondeu favoravelmente aos três pedidos e deu instruções para que os processos de aquisição sejam céleres, conforme informações fidedignas obtidas por este portal.”
Continua o artigo ‘Começa primeiro por referir a posse, há 10 anos, da fazenda da família, no município do Waku-Kungu, com cerca de 2000 hectares. Chama-se “Sete Quintas” e, neste momento, já é pequena para a sua criação de gado e produção de cereais.
“O meu gestor [da Fazenda Sete Quintas] chegou à conclusão de que a área é pequena e sugeriu-me uma associação com outras pessoas para a aquisição de mais terras”, explica.
Sobre os requerimentos em seu nome, enquanto representante da Fazenda Ulunga, o magistrado esclarece que “foi o meu gestor quem preparou o processo da Fazenda [Ulunga]”.Adianta que “já foi feita a instrução para se corrigir a situação, porque, como magistrado, não posso assumir outras funções”.
Rui Ferreira informa que “não há ainda um pedido formal” para a aquisição do direito de superfície.
“Eu não serei requerente de um pedido oficial de terras ao governador ou ao ministro. Confirmo que há, de facto, intenção para a aquisição dessas terras, mas não fui eu quem a endereçou”, continua.
“Quando tomei conhecimento de que havia requerimentos em meu nome, pedi que se corrigisse a situação”, reitera o presidente do Tribunal Constitucional.
Rui Ferreira fala dos seus planos no papel de fazendeiro. “Tenho interesse nessas áreas [terras no Lonhe]. Estou com outras pessoas e quero expandir.” Neste momento, está a proceder à substituição do gado importado do Brasil, devido aos prejuízos que tem registado com a raça Nelore proveniente deste país sul-americano, por outras raças importadas da Namíbia e da África do Sul.’
De acordo ao transcrito é notório que o Exmo. Sr. Juiz Presidente do Tribunal Constitucional de Angola exerce de forma activa e simultaneamente funções empresariais privadas, neste caso no ramo da agricultura e pecuária, violando o número 5 do artigo 179.º da Constituição de Angola.
Nesta conformidade, tal violação de princípio constitucional enegrece a sua imagem, enquanto Juiz Presidente da referida instituição, enegrece a imagem do próprio Tribunal Constitucional, enegrece a imagem do Estado angolano, enegrece a imagem de todos nós cidadãos que defendemos a ética e a moral e pretendemos um país com instituições geridas por pessoas honestas e rectas que nos transmitam confiança e nos façam acreditar em tais instituições que é o que precisamos todos nós cidadãos angolanos.
Nesta conformidade apenas cabe-nos a obrigação de exigir, em nome dum Estado de Direito e Democrático e do exercício pleno e consciente da cidadania:
1 – Que o Sr. Rui Ferreira se demita imediatamente da função/cargo de Juiz Presidente do Tribunal Constitucional;
2 – Que o Conselho Superior da Magistratura instaure imediatamente um processo disciplinar referente ao assunto por força da Constituição, do número 5 do artigo 179.º e da alínea a) do número 1 do artigo 184.º
3 – Que o Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural revogue imediatamente as decisões favoráveis dos pedidos de legalização, em requerimentos datados de 4 de Dezembro de 2012 em nome (a) da Fazenda Ulunga S.A., representada por Rui Ferreira, para a legalização de 9,767 hectares na Anhara do Calundo, comuna do Lonhe, em nome (b) de Nilson Roberto Manita Ferreira (filho do Juiz Presidente), de 27 anos, para a legalização de 7299 hectares, na Anhara do Tchilesso. Trata-se de uma propriedade contígua a nordeste das terras requeridas pela Fazenda Ulunga S.A. e de (c)  Rui Miguel Manita Ferreira, de 26 anos (filho do Juiz Presidente), que solicitou a legalização de 7646 hectares na área de Caumbundo. Essas terras são contíguas, a sul, às terras solicitadas pelo pai e pelo irmão Nilson.


José A. M. Patrocínio

____________________
      Coordenador

Sem comentários: