AS "ARGOLADAS" DO PRESIDENTE E AS ENCRUZILHADAS EM QUE NOS
METEMOS (texto completo publicado nas edições do Correio do Sul)
Quero, para começar, dizer que concordo complectamente com dois
pensamentos, distintos mas complementares, de dois dos nossos concidadãos.
Em primeiro lugar, concordo com Fernando Pacheco quando diz que o ideal
seria termos um processo de transição com José Eduardo no poder e, em segundo
lugar, mas com o mesmo nível de importância, com Rafael Marques quando apela
para que os cidadãos devam começar a pensar e trabalhar no processo de transição.
No entanto, enquanto para a real efectivação do primeiro pensamento,
pressupõe obviamente uma vontade política de José Eduardo dos Santos e um
envolvimento e empenho nesse processo, já, para o segundo, a necessidade de
estarmos envolvidos, de impulsionarmos ou provocarmos a transição, não
necessita a obrigatoriedade da vontade de José Eduardo dos Santos. Obviamente,
sendo eles aparentemente (e realmente) complementares, a necessidade de existir
um processo de transição é evidente e, por isso, exige de todos os cidadãos uma
acção cidadã, de impulsionar e de delinear o melhor caminho, onde, obviamente,
a vontade política e o empenho do actual presidente facilitaria e muito tal
processo e, mesmo, predispunha à existência de maiores probabilidades de
sucesso de um processo que, aparentemente poderia ser mais pacífico e
aglutinador.
Infelizmente, o que vamos assistindo é que realmente José Eduardo dos
Santos não pretende um processo de transição onde, nós, cidadãos, sejamos e
possamos ser realmente cidadãos. Tal evidência, começa, com o facto de que ele
próprio assume que esta matéria é de exclusividade (aparentemente) do MPLA (que
pode ser confundida com a exclusividade pessoal, dele), ou ainda, do grupo mais
restrito do comité central do seu partido (podendo até servir tal acto, como
legitimar uma decisão pessoal com uma decisão colectiva, mesmo que minúscula).
Infelizmente, já nos habituou a tal tipo de procedimentos quando os assuntos a
resolver sejam de interesse de todos. Exemplo recente teve a ver com a revisão
da Constituição.
Onde quero chegar: Que é obrigatório pensarmos, programarmos, estimularmos,
construirmos a transição (com ou sem a vontade, o envolvimento e o empenho de
José Eduardo dos Santos) que, obviamente, seria de todo indicado que pudesse ter
a participação de José Eduardo dos Santos ainda no cargo.
Esta possibilidade, não só, seria de todo o ideal para a construção de paz,
de angolanidade e de Nação, sustentável, como, sem cinismos, seria de todo o
ideal para o desfecho do seu percurso, de José Eduardo dos Santos, da sua
imagem, da sua consciência, da sua segurança e de quem o rodeia.
DOS SANTOS E AS POSSIBILIDADES
Depois de todo o tempo que usámos, da forma como usámos, em todo o nosso
percurso, desde mesmo o antes de o ser nosso (como o foi no tempo dos reinos),
enquanto hoje produto de fronteiras coloniais e de designação colonial (o nosso
nome de Angola, por exemplo), chegando ao agora do nosso presente, fica-me
perspicaz a pergunta: Que possibilidades tem José Eduardo dos Santos? Deixemo-nos
de cinismo porque, a sequência processual da transição, depende imediatamente e
complectamente, da resposta real a esta questão.
Colocando-me na pele de José Eduardo dos Santos, temeria o futuro,
logicamente, não me sentiria seguro. Por isso, sem contar com a morte, que de
tão natural, naturalmente possa ocorrer, haverá duas possíveis saídas.
1 - Iniciar um processo realmente participativo para a construção de
consensos para o que nos aflige, que nos afecta, que nos toca, que nos é de
todos (obviamente o melhor, o ideal mas que não antevejo nem coragem, nem
capacidades, nem valores e ética, infelizmente, em José Eduardo dos Santos para
esta aposta)
2 - A tentativa de ter sempre o poder sobre o poder (mantendo o mesmo, mas
pior)
Obviamente que, quem como José Eduardo dos Santos, chegou ao ponto a que
chegou, um aparente voltar a trás, exige imensa coragem. Por isso, um voltar a
trás teria que ser traduzido, não num voltar a trás de dar o braço a torcer,
mas num epopeico heroísmo de realmente marcar a história (que aliás é o que
sempre parece que pretende com as suas manipulações do poder e da
"história"). Nestes momentos lembro-me da sua resposta ao jornalista
da SIC a 6 de Junho de 2013, que
transcrevo parte, não deixando de parte nada, nem os risinhos, aqui descritos
como kkkkkkkkk:
"É evidente que a reconciliação nacional pressupõe em primeiro lugar a
percepção de que é preciso colocar os interesses gerais, os interesses da
Nação, acima de qualquer interesse particular e assim guiar(-nos) os valores
essenciais. Como os valores da Pátria, do Perdão, da Reconciliação (kkkkkkk),
da Paz (não é?) e da procura da defesa da Vida como um bem supremo. Por outro
lado, foi necessário igualmente recorrer ao princípio duma aplicação
equilibrada do esforço de guerra com a negociação, a negociação política. Mas
uma negociação que tivesse em conta os interesses de todas as partes e se
procurasse uma solução de equilíbrio e nalguns casos consensual para os
problemas nacionais.
E como se faz isso na prática (kkkkkkkkk)?
(kkkkkkkk) na prática é dialogando, é compreendendo a vontade dos outros e
procurando levá-los prá razão (kkkkk), para soluções racionais (não é assim?)
(kkkkkkkk) que acabem por trazer conforto a todos e que acabem também por criar
um quadro em que todos possam encontrar uma realização pessoal (kkkkkkk), a
realização dos seus sonhos individuais mas também, dentro de um contexto mais
geral do sonho do todo o povo angolano."
DOS SANTOS E AS APOSTAS
Ao contrário do que propomos ser o ideal, que seria o envolvimento sincero
de José Eduardo dos Santos no processo de transição de Angola, ele tem vindo a
apostar de forma descarada, numa posição de força. Ou seja, em vez de conduzir
um processo de transição que seja o de pacificação, tem agravado os seus
litígios com os descontentes, os que pensam diferente, os que aspiram outra
Angola.
Assim decidiu investir na força em Cabinda. Reprimindo as manifestações e
os defensores de direitos humanos. A condenação de Marcos Mavungo a seis anos
de prisão é exemplo flagrante disso. Outro exemplo é a actual situação do
advogado Arão Tempo também em Cabinda em que está inclusivamente impedido de
viajar para Angola. Na realidade, deveria ele mostrar indícios de boa vontade,
como por exemplo revogar a decisão de proibição das actividades de Mpalabanda
e, promover um processo de discussão sobre Cabinda, envolvendo todas as partes,
especialmente a sociedade civil sem envolvimento no conflito militar, seja de
Cabinda, como de Angola.
Outro flagrante deslise negativo do presidente da república, liga-se com o
caso do morro do Sumi. Em vez de humildemente e justamente ter realmente aberto
as portas a todos para que de uma forma transparente se investigasse o
ocorrido, camuflou-se em inflamados discursos querendo mostrar que o leão ainda
ruge.
Apenas pretendo apontar aqueles casos que realmente mais gastaram tinta
nestes últimos meses e por isso, sem dúvidas, aponto aqui o trambolhão do
presidente com o caso da detenção dos activistas em Luanda. Foi tal o trambolhão
que se escangalhou todo por inteiro. Precisamente, contráriamente ao que deveria
ser, desmascarou a submissão do judiciário aos seus apetites. Deixou ficar mal
na fotografia, a procuradoria e agora vai borrar os juizes na pintura. Fechou
ele próprios as portas, trancou-as à chave e deitou-as fora. Não deixou
qualquer espaço de manobra para negociação e revisão de posicionamentos. Claro
que este caso vai ainda trazer muitas “indisposições temporárias” ao camarada
arquitecto.
Outro descuido, mas aparentemente propositado, foi em abrir o jogo no seu
combate às organizações da sociedade civil, principalmente àquelas que abordam
os direitos humanos. Fê-lo e sem vergonha, através do seu decreto que
regulamenta as ONGs. Em vez de respeitar realmente a sociedade civil e de a
proteger, ele demonstra o seu mal estar em relação a este tão importante sector
da promoção da mudança, querendo quase que considerar que este sector pode ser
potencialmente promotor de terrorismo e de lavagem de dinheiro. É este o
espírito do dito regulamento e da lei que em vez de proteger tão importante
direito consagrado na constituição, o da participação e o da associação, prefere
apontar, o exercício de tal direito, como a clara evidência de ameaça
terrorista. Não podiamos esperar outra coisa de quem possa ter declarado que a
democracia nos foi imposta ou, não menos estravagante, que os direitos humanos
não enchem a barriga.
Ainda me parece importante realçar neste espaço, o processo autárquico. Durante
a “indisposição temporária” do arquitecto da paz, podémos saber que esta
história do processo autárquico, para aqueles que ainda estavam esperançosos,
mesmo com todas as tendências apresentadas pelo presidente, mesmo no seu anterior
pronunciamento sobre “o estado da nação”, ficou agora atirado definitivamente
para o esquecimento. Claro, se esperarmos pela acção do presidente da
república. Mas obviamente que este adiamento premeditado das eleições
autárquicas são real sintoma de que José Eduardo dos Santos não quer perder o
controlo do país no seu tudo e no seu todo.
É assim visível que, a nível político, os disparos do presidente, ao encerrar
as portas para um processo participativo e consensual, remete-nos para um
caminho de maior confrontosidade.
Não vou sequer, neste espaço, abordar as cabeçadas na parede que o presidente
tem dado no que se refere às questões económicas, financeiras e sociais.
AS HIPÓTESES
Como está visto que a ideia de Fernando Pacheco não tem lugar com o
presidente que temos, antes pelo contrário, e como o mesmo não é imorrível, é
lógico que o fim chegará ao seu fim. Só precisamos levantar as hipóteses do
como e do quando.
1 – José Eduardo dos Santos decidirá, ele próprio, a sua sucessão usando o
silêncio cínico do bureau político do seu partido.
Nesta situação, acredito, que pela experiência que tivemos com a própria
sucessão do Agostinho Neto, os descontentamentos na elite do partido, militar e
conómica, farão o gosto ao dedo e provocarão o golpe final.
Não acredito que, por exemplo, o filho de José Eduardo dos Santos venha a
ter a mesma sorte que o pai. Se nos lembramos, a nomeação de José Eduardo dos
Santos enquanto presidente do país na altura do vasio deixado pelo Agostinho
Neto, se encaixava numa estratégia de que tendo-se no poder um jovem como ele,
poderia vir a ser facilmente controlado pela velharia do MPLA (o partido).
Evitava-se assim a luta entre os velhotes pelo poder (decidir sobre quem teria
que ser escolhido) e ao mesmo tempo o poder não fugia-lhes das mãos. Mas vimos
que José Eduardo foi astudo e estratega suficiente para desmoronar essa
hipotese e assumiu, ano após ano, ser o senhor poderoso do “partido” e do
“país”. Os velhotes de então foram inteligentemente devorados.
Se eu me lembro desta experiência, não acredito que os actuais e novos
velhotes, não se previnam em relação a esse assombrado futuro e que por isso
não cortem os pescoços dos sucessores (não entendam isto literalmente!)
2 – Outra possibilidade, é que os urubus no poder, os generais e toda a
equipe, começem a provocar o afundamento do presidente, provocando processos de
descarrilamento da situação económica e outros que venham a deteriorar ainda
mais a imagem do presidente, podendo chegar ao ponto de o obrigar a ter que
abandonar o cargo, por falta de bases de apoio.
Neste aspecto, quero reflectir sobre dois casos muito recentes. Um que tem
a ver com a recente greve dos taxistas (motoristas) e a outra com as enormes
oscilações no mercado informal de câmbio de moeda.
Em relação ao primeiro, começo por querer reflectir sobre os porquês e os
comos. Pelo que consta, e acompanhei na média, a greve deveu-se a uma tentativa
de protestar contra a corrupção que existe por parte dos agentes da polícia de
trânsito e que se tem ligado muito com a falta de parágens para os taxis.
Outra coisa que ainda me apercebi, aparentemente não houve uma preparação
prévia quer da apresentação da reinvindicação nem tão pouco definição da
paralisação. Então como é que num mesmo dia e numa mesma hora, centenas de
taxistas (condutores) paralizaram a cidade em torno duma mesma reinvindicação?
Que mecanismos utilizaram de mobilização e comunicação entre si para que quase
por empatia tomassem tal decisão?
Se a grande maioria dos taxistas que paralizou Luanda, eram apenas os
motoristas das viaturas, não os seus proprietários, porque decidiram reclamar
por prejuizos que são causados aos seus patrões?
Para mim, existe uma mafia por trás que demonstrou ao presidente que afinal
o camarada não tem poder real sobre o dia-a-dia do cidadão. Ele controla o
macro, mas não domina a vida real. Controla (aparentemente) o petróleo, os
diamantes, a banca, etc, mas afinal o país pode parar num único dia paranto os
azulinhos.
Com o mesmo propósito, me parece, que se analisa o caso do mercado informal
da moeda, ou dos kinguilas. Muitas vezes me pergunto, sendo este um mercado tão
informal, como tão coincidentemente e tão imediatamente, a taxa do câmbio nesse
mercado se torna tão homogénea. Se de manhã cedo num determinado ponto da
cidade o kinguila estabelece um determinado preço, à mesma hora e noutro ponto
distante da cidade o kinguila, um outro, estabelece precisamente o mesmo preço?
E quando o dólar subiu até 30 mil kwanzas e desceu despois a 20 mil? Quem
define nesse mercado e que mecanismos exerce? Se sabemos que na realidade o
abastecimento deste mercado não é feito pelos humildes cidadãos, quem é afinal
a sua fonte? O que me pareceu foi que, também, tal como com os taxistas
(motoristas) alguma mafia quiz mostrar que esse espaço real da vida real não
tem controlo do presidente e que em apenas umas horas toda a ecónomia pode ser
desestabilizada, tão somente isso.
Alguém se lembra da greve dos camionistas no Chile que ajudou o golpe de
estado contra Allende? (a diferença é que lá ele era um democrata e realmente
escolhido pelo povo, enquanto cá, é o tão somente cá!!!)
Portanto parece-me que os golpes de estado no nosso país poderão ser na
realidade económicos, os antecipados, ou realmente militares, caso José Eduardo
não consiga definir bem a sua sucessão.
CAMINHOS E SAÍDAS
Perante estes cenários e porque todos eles não são nada animadores só
temos, enquanto cidadãos e sonhadores, ser ainda promotores de mudanças mas
estarmos prontos para que estejamos seguros e protegidos em qualquer umas
dessas mudanças causadas por quem domina o poder.
Outra solução ou caminho, pelo menos teórico, seria através das eleições.
Os partidos da oposição ganharem as eleições. Infelizmente eu não confio que
isso seja possível.
Se conhecemos como conhecemos, o nosso presidente, que se tem agarrado ao
poder por décadas, será que ele se vai deixar ganhar por eleições? Claro que
não. Ele pode manipular os resultados para que haja algum aumento de deputados
da oposição mas o seu partido manterá a maioria absoluta, ou então tinha andado
a perder tempo todas estas décadas.
Mas realmente nesta via há uma possibilidade. É contra a candidatura de
José Eduardo dos Santos haver uma candidatura pela cidadania. Se fosse possível
a aliança de todos os partidos da oposição, com as forças realmente
democráticas da sociedade civil, dos movimentos sociais, das igrejas, dos
cidadãos da cultura, numa única frente, não deixaria hipóteses a José Eduardo
dos Santos. Ou assumiria a fraude, assumindo à força o poder ou sentir-se-ia
obrigado a abandonar o poder. Só aí!
Se calhar o mano Luaty está a aglotinar a força nacional nessa direcção.
Por isso, o melhor para o Zédú é não deixar o nosso mano morrer!
LIBERDADE PARA OS PRESOS POLÍTICOS JÁ!
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