25/09/2015

EMBAIXADOR DA UE EM BENGUELA ENCONTRA-SE COM SOCIEDADE CIVIL


EMBAIXADOR DA UE EM BENGUELA ENCONTRA-SE COM SOCIEDADE CIVIL:
O embaixador da União Europeia em Angola, Gordon Kricke e a sua delegação em visita a Benguela desde ontem, manteve hoje, 24 de Setembro de 2015. um encontro com representantes da sociedade civil, nos escritórios da ADRA.
O encontro, aparentemente de auscultação, podendo mesmo ser apenas como uma mera formalidade e de cortesia, pode no entanto transcrever outros sinais.
Obviamente que para além da real praxe de cada representante, das organizações da sociedade civil presentes, falar das suas actividades, dos seus desafios, capacidades, estratégias, parceiros, etc, foi inevitável que vários assuntos de actualidade viessem à mesa.
Lembramos que o actual contexto, depois da resolução do parlamento europeu 2015/2839 de 10 de Setembro de 2015, tem movimentado muita energia, debate e posicionamentos[1].
Claro que a referida resolução surge em sequência, clara, do agravamento da situação dos direitos humanos em Angola. Este ano foi marcado pelo processo de Rafael Marques, da condenação de Marcos Mavungo em Cabinda, a prisão dos activistas em Luanda há já mais dos 90 dias definidos por lei para a prisão preventiva neste tipo de casos e o processo de morro Sumi. Os mais emblemáticos mas, não esquecer (alguns exemplos concretos):
1 - Assalto à mão armada, a 18 de Fevereiro de 2015, da residência do coordenador da OMUNGA, sem que até ao presente momento haja vestígios de resultados de investigação nem de tomada de medidas concretas de protecção conforme estabelecem os tratados de direitos humanos relacionados com os Defensores de Direitos Humanos;
2 - Perseguição aos activistas da SOS Habitat a 14 de Maio de 2015. Depois de um dos perseguidores ter sido retido e levado à polícia, não existe qualquer pronúncio de processo;
3 - O activista Mário Faustino é detido a 2 de Maio de 2015, por 12 dias e novamente preso a 27 de Maio e vindo a ser liberto apenas a 15 de Julho de 2015. De acordo a informações, o mesmo terá sido torturado e ameaçado de ser atirado ao mar ou ao rio;
4 - A 30 de Junho terá sido preso o capitão Zenóbio Lázaro Muhondo Zumba em sequência do processo dos 15, tendo o director-geral dos Serviços de Investigação, Eugénio Alexandre, negado a 16 de Julho de 2015 a detenção de mais cidadãos dentro do referido processo, em declarações à Lusa;
5 - A 22 de Julho, dois activistas da OMUNGA, 2 activistas da SOS Habitat e um jornalista da DW foram detidos na penitenciária de Calomboloca quando tentavam visitar os activistas ali presos, dentro do processo dos 15;
6 - A 22 e 23 de Julho de 2015, os activistas da OMUNGA receberam mensagens de ameaças de morte nos seus celulares;
7 - Foram proibidas manifestações em Cabinda de 14 de Março e 11 de Abril, em Malange a 3 e 4 de Janeiro e a manifestação em Luanda de 2 de Maio dos ex militares. Da repressão das manifestações em Malange resultou a prisão de 8 cidadãos.
8 - A 29 de Julho foi proibida e reprimida a manifestação em Luanda, presos manifestantes enquanto a Rádio Despertar era cercada;
9 - A 8 de Agosto é reprimida a manifestação das mães e familiares presos no processo dos 15, com ferimentos e detenção de jornalistas;
10 - É reprimida a 17 de Setembro uma manifestação em Benguela previamente autorizada pelo governo provincial tendo resultado na detenção e ferimentos de alguns dos manifestantes[2];
Para além da perseguição dos activistas e defensores de direitos humanos, às proibições, repressão das manifestações, vivemos este ano bastantes exemplos de processos contra jornalistas:
1 - A 4 de Maio de 2015 a direcção provincial da investigação criminal de benguela interrogou o jornalista Nelson Sul de Angola. Passados mais de 4 meses e nada mais se falou de tal processo;
2 - A 11 de Maio, o jornalista da Rádio Despertar, Marcelino Gimbi, é detido em Malange quando entrevistava moto-taxistas;
3 - Ainda em Maio, a 18, a Voz da América divulga a notícia de que o jornalista Anastácio Chiluvia, da Rádio Despertar, tenha denunciado ter sido ameaçado de morte;
4 - A 20 de Julho, o jornalista José Gama, do Club K, responde a mais um processo e é impedido de regressar à África do Sul onde reside;
5 - O jornalista angolano António Capalandanda pede asilo na África do Sul por temer pela sua vida esperando pela decisão do governo sul africano até final de Setembro[3].
Penso que, depois desta breve e resumida pincelada, podemos estar mais ou menos à vontade para entendermos a resolução do parlamento europeu.
Depois da dita resolução, vivenciamos o momento da reacção. Por parte dos gestores do sistema angolano foi uma imediata condenação e não aceitação da mesma. A 12 de Setembro, a presidência emite um comunicado. Um debate é realizado "de urgência" na TPA e os mídias públicos amplificam as declarações do regime.
No entanto, precisamente ontem, a 23 de Setembro, o próprio Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Jorge Mangueira rejeita que haja "violações dos direitos humanos em Angola"[4], enquanto noutra dimensão, o deputado Virgílio de Fontes Pereira, deputado do MPLA, durante a 39ª Assembleia parlamentar ACP, em Bruxelas, defende as mesmas posições da presidência da república e considera não terrem sido utilizados os mecanismos previstos nos acordos de Cotonou.[5]
A TV Zimbo realiza também um debate a 23 de Setembro, sobre a situação actual dos direitos humanos em Angola, no qual participei, e onde obviamente, o assunto foi tema de conversa.
Precisei deste enquadramento para podermos perceber que algo mais que mero formalismo, se tenha envolvido no encontro do embaixador da UE com a sociedade civil em Benguela.
Por isso acredito que este encontro teve também a intensão de mostrar coerência nas recomendações contidas na resolução. Pude aproveitar a oportunidade para reconhecer o imediato posicionamento da embaixada da UE em relação ao veredito do julgamento de Marcos Mavungo[6]. Aproveitei também a oportunidade para expressar as minhas enormes expectativas em relação ao papel que a UE possa ainda desenvolver no acompanhamento do caso dos activistas presos em Luanda, depois dos 90 dias e, obviamente, para dedicarem a máxima atenção ao processo de Kalupeteka e do caso do morro do Sumi. Resumindo, expressei a enorme expectativa em que os defensores de direitos humanos em Angola enquadram o novo panorama e do que esperam de acção da UE.
Claro que falámos também da nova lei das associações privadas[7] e do decreto presidencial nº 74/15 de 23 de Março que aprova o regulamento das organizações não governamentais[8]. Fui perentório em afirmar que o dito decreto presidencial se encontra carregado de espírito anti-democrático e de letra anti-constitucional, pelo que, a OMUNGA se reserva ao direito de observar a sua desobediência, incorrendo conscientemente no incumprimento do mesmo.
No entanto a "pressão" não vem apenas da UE. Como podemos ir acompanhando as informações, também os Estados Unidos começam, embora ainda com um maior enfoque nos mecanismos diplomáticos, onde, o África Monitor faz referência ao Relatório Anual do Departamento de Estado Americano, onde presta uma atenção especial ao caso de Angola e a visita de 3 dias a Luanda do secretário assistente para os Direitos Humanos, Democracia e Trabalho, Steven Feldstein[9].
O que coloca, obviamente Angola nesta posição, liga-se de grande maneira com a sua actual situação económica. A dependência do petróleo e todo o processo de gestão obscura do país levou a um descalabro repentino e acelerado da ecónomia. É assim que nos começámos a confrontar com o "zarpar" dos estrangeiros em movimentos migratórios de retorno aos seus países, como no caso de portugueses, brasileiros e cubanos.
Ainda nesta linha, assisto com preocupação a visita a Angola de delegação do BM e do FMI e às suas recomendações, que podem ter ainda um efeito mais nefasto para a vida da maioria da populações. Na realidade devemos encarar que os cortes dos gastos públicos devem estar ligados com os investimentos não prioritários, como é o caso de gastos com as igrejas, como a Sé Catedral a ser construída no Kuando Kubango, o monumento sobre a batalha do Kuito Kwanavale, os fardamentos militares a importar da China[10], equipamento militar à Rússia[11] (já em 2013 a Rússia tinha concordado em fornecer equipamento militar a Angola no valor de 1 bilião de dólares americanos), à Alemanha[12], à Itália[13] ou à França[14], os gastos exagerados de ostentação, como o do novo avião da presidência[15], os carros[16] e apartamentos de luxo[17], entre muitos outros.
Para além da necessidade urgente de se controlarem estes gastos é necessário promover-se a transparência e a fiscalização dos contratos. De forma a fiscalizarem-se as obras e serviços contratados.
Deixei para depois, e obviamente a base da ética de gestão, o verdadeiro combate à corrupção e ao branqueamento de capitais. Infelizmente, assistimos ao abafar do caso BESA, dos milhões em caixas de sapatos de Bento Camgamba, ao mais de um milhão de dólares em avião da TAAG e aos muitos milhões de dólares namibianos. O mercado informal continua a ser alimentado de divisas.
Preocupa-nos também a pressão que as empresas petrolíferas estão fazendo e farão junto dos representantes dos órgãos de soberania nacionais para que diminuam os pesos das medidas impostas na exploração do petróleo. Esperamos no entanto que tal abrandamento de imposições não venha a afectar as medidas trabalhistas nem ambientalistas.
Ainda em resposta à resolução dos euro parlamentares só podemos esperar que a diplomacia angolana deverá estabelecer alianças com demais estados da ACP. Como todos sabemos, a nível de constantes violações de direitos humanos e atropelos à democracia, má gestão/governação e falta de transparência, infelizmente, não somos os únicos a "olhar o céu"!
José Patrocínio
24 de Setembro de 2015



[1] - Resolução do Parlamento Europeu provoca debate em Angola, VOA, 15 de Setembro de 2015 - http://www.voaportugues.com/content/resolucao-do-parlamento-europeu-provoca-debate-em-angola/2964796.html

[2] - Manifestação autorizada, reprimida em Benguela, RFI, 17 de Setembro de 2015 - http://www.portugues.rfi.fr/angola/20150917-manifestacao-autorizada-reprimida-em-benguela

[3] - Jornalista angolano pede asilo na África do Sul, Club K, 31 de Agosto de 2015 - http://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=22040:jornalista-angolano-pede-asilo-na-africa-do-sul&catid=8:bastidores&lang=pt&Itemid=1071

[4] - Ministro da Justiça nega que haja violação dos direitos humanos no país - Rede Angola, 23 de Setembro de 2015,  http://www.redeangola.info/ministro-da-justica-rejeita-que-haja-violacao-dos-direitos-humanos-no-pais/

[5] - Transmitida em Bruxelas posição de Angola sobre Resolução do Parlamento Europeu, Expansão, 24.09.2015 - http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/60734

[6] - Declaração do Porta-voz sobre o julgamento de José Marcos Mavungo em Cabinda (Angola), União Europeia/Acção Externa, 14.09.2015 - http://eeas.europa.eu/statements-eeas/2015/150914_02_pt.htm
[7] - http://www.paaneangola.org/images/pdf/legislacao/Lei_das_Associaes.pdf
[8] - http://www.embangola-can.org/pdf/regulamento%20ONG.pdf
[9] - Estados Unidos e União Europeia "apertam" Angola por desrespeitar Direitos Humanos, África Monitor, 23 de Setembro de 2015 - http://www.africamonitor.net/pt/sociedade/eua-ue-apertam-angola-falhasdh015/

[10] - Angola compra fardamento militar à China por quase USD 44,6 milhões, Rede Angola, 19.09.2015 - http://www.redeangola.info/angola-compra-fardamento-militar-china-por-quase-usd-446-milhoes/

[11] - Rússia pronta para intensificar cooperação militar com Angola, Sputnik, 01.08.2015 - http://br.sputniknews.com/defesa/20150801/1734684.html

[12] - "Fortalecimento militar de Angola pode significar maior repressão", Terra, 24 de Fevereiro de 2015 - http://noticias.terra.com.br/fortalecimento-militar-de-angola-pode-significar-maior-repressao,1b2adfb424cbb410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html

[13] - Governo compra seis helicópteros a empresa italiana, Rede Angola, 09.07.2015 - http://www.redeangola.info/governo-compra-seis-helicopteros-empresa-italiana/

[14] - França disputa contratos militares angolanos com China e Rússia, 6 de julho de 2015, África Monitor - http://www.africamonitor.net/pt/seguran%C3%A7a-defesa/franca-vendasdefesangola015/

[15] - JES autoriza compra de avião de luxo, VOA, 05.05.2015 - http://www.voaportugues.com/content/dos-saantos-autoriza-compra-de-aviao-de-luxo/2750132.html

[16] - Carros de luxo para deputados angolanos custam 60 milhões de dólares, VOA, 26.10.2012 - http://www.voaportugues.com/content/article/1533906.html

[17] - Executivo angolano compra três apartamentos de cinco milhões de dólares para membros do Governo, VOA, 22.05.2015 - http://www.voaportugues.com/content/executivo-angolano-compra-tres-apartamentos-de-5-milhoes-de-dolares-para-membros-do-governo/2782831.html

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