EMBAIXADOR
DA UE EM BENGUELA ENCONTRA-SE COM SOCIEDADE CIVIL:
O
embaixador da União Europeia em Angola, Gordon Kricke e a sua delegação em visita a Benguela
desde ontem, manteve hoje, 24 de Setembro de 2015. um encontro com
representantes da sociedade civil, nos escritórios da ADRA.
O encontro,
aparentemente de auscultação, podendo mesmo ser apenas como uma mera
formalidade e de cortesia, pode no entanto transcrever outros sinais.
Obviamente
que para além da real praxe de cada representante, das organizações da
sociedade civil presentes, falar das suas actividades, dos seus desafios,
capacidades, estratégias, parceiros, etc, foi inevitável que vários assuntos de
actualidade viessem à mesa.
Lembramos
que o actual contexto, depois da resolução do parlamento europeu 2015/2839 de
10 de Setembro de 2015, tem movimentado muita energia, debate e posicionamentos[1].
Claro que
a referida resolução surge em sequência, clara, do agravamento da situação dos
direitos humanos em Angola. Este ano foi marcado pelo processo de Rafael
Marques, da condenação de Marcos Mavungo em Cabinda, a prisão dos activistas em
Luanda há já mais dos 90 dias definidos por lei para a prisão preventiva neste
tipo de casos e o processo de morro Sumi. Os mais emblemáticos mas, não
esquecer (alguns exemplos concretos):
1 -
Assalto à mão armada, a 18 de Fevereiro de 2015, da residência do coordenador
da OMUNGA, sem que até ao presente momento haja vestígios de resultados de
investigação nem de tomada de medidas concretas de protecção conforme
estabelecem os tratados de direitos humanos relacionados com os Defensores de
Direitos Humanos;
2 -
Perseguição aos activistas da SOS Habitat a 14 de Maio de 2015. Depois de um
dos perseguidores ter sido retido e levado à polícia, não existe qualquer
pronúncio de processo;
3 - O
activista Mário Faustino é detido a 2 de Maio de 2015, por 12 dias e novamente
preso a 27 de Maio e vindo a ser liberto apenas a 15 de Julho de 2015. De
acordo a informações, o mesmo terá sido torturado e ameaçado de ser atirado ao
mar ou ao rio;
4 - A 30
de Junho terá sido preso o capitão Zenóbio Lázaro Muhondo Zumba em sequência do
processo dos 15, tendo o director-geral dos Serviços de Investigação, Eugénio
Alexandre, negado a 16 de Julho de 2015 a detenção de mais cidadãos dentro do
referido processo, em declarações à Lusa;
5 - A 22
de Julho, dois activistas da OMUNGA, 2 activistas da SOS Habitat e um
jornalista da DW foram detidos na penitenciária de Calomboloca quando tentavam
visitar os activistas ali presos, dentro do processo dos 15;
6 - A 22 e
23 de Julho de 2015, os activistas da OMUNGA receberam mensagens de ameaças de
morte nos seus celulares;
7 - Foram
proibidas manifestações em Cabinda de 14 de Março e 11 de Abril, em Malange a 3
e 4 de Janeiro e a manifestação em Luanda de 2 de Maio dos ex militares. Da
repressão das manifestações em Malange resultou a prisão de 8 cidadãos.
8 - A 29
de Julho foi proibida e reprimida a manifestação em Luanda, presos
manifestantes enquanto a Rádio Despertar era cercada;
9 - A 8 de
Agosto é reprimida a manifestação das mães e familiares presos no processo dos
15, com ferimentos e detenção de jornalistas;
10 - É
reprimida a 17 de Setembro uma manifestação em Benguela previamente autorizada
pelo governo provincial tendo resultado na detenção e ferimentos de alguns dos
manifestantes[2];
Para além
da perseguição dos activistas e defensores de direitos humanos, às proibições,
repressão das manifestações, vivemos este ano bastantes exemplos de processos
contra jornalistas:
1 - A 4 de
Maio de 2015 a direcção provincial da investigação criminal de benguela
interrogou o jornalista Nelson Sul de Angola. Passados mais de 4 meses e nada
mais se falou de tal processo;
2 - A 11
de Maio, o jornalista da Rádio Despertar, Marcelino Gimbi, é detido em Malange
quando entrevistava moto-taxistas;
3 - Ainda em
Maio, a 18, a Voz da América divulga a notícia de que o jornalista Anastácio
Chiluvia, da Rádio Despertar, tenha denunciado ter sido ameaçado de morte;
4 - A 20
de Julho, o jornalista José Gama, do Club K, responde a mais um processo e é
impedido de regressar à África do Sul onde reside;
5 - O
jornalista angolano António Capalandanda pede asilo na África do Sul por temer
pela sua vida esperando pela decisão do governo sul africano até final de
Setembro[3].
Penso que,
depois desta breve e resumida pincelada, podemos estar mais ou menos à vontade
para entendermos a resolução do parlamento europeu.
Depois da
dita resolução, vivenciamos o momento da reacção. Por parte dos gestores do
sistema angolano foi uma imediata condenação e não aceitação da mesma. A 12 de
Setembro, a presidência emite um comunicado. Um debate é realizado "de
urgência" na TPA e os mídias públicos amplificam as declarações do regime.
No
entanto, precisamente ontem, a 23 de Setembro, o próprio Ministro da Justiça e
dos Direitos Humanos, Rui Jorge Mangueira rejeita que haja "violações dos
direitos humanos em Angola"[4],
enquanto noutra dimensão, o deputado Virgílio de Fontes Pereira, deputado do
MPLA, durante a 39ª Assembleia parlamentar ACP, em Bruxelas, defende as mesmas
posições da presidência da república e considera não terrem sido utilizados os
mecanismos previstos nos acordos de Cotonou.[5]
A TV Zimbo
realiza também um debate a 23 de Setembro, sobre a situação actual dos direitos
humanos em Angola, no qual participei, e onde obviamente, o assunto foi tema de
conversa.
Precisei
deste enquadramento para podermos perceber que algo mais que mero formalismo,
se tenha envolvido no encontro do embaixador da UE com a sociedade civil em
Benguela.
Por isso
acredito que este encontro teve também a intensão de mostrar coerência nas
recomendações contidas na resolução. Pude aproveitar a oportunidade para
reconhecer o imediato posicionamento da embaixada da UE em relação ao veredito
do julgamento de Marcos Mavungo[6].
Aproveitei também a oportunidade para expressar as minhas enormes expectativas
em relação ao papel que a UE possa ainda desenvolver no acompanhamento do caso
dos activistas presos em Luanda, depois dos 90 dias e, obviamente, para
dedicarem a máxima atenção ao processo de Kalupeteka e do caso do morro do
Sumi. Resumindo, expressei a enorme expectativa em que os defensores de
direitos humanos em Angola enquadram o novo panorama e do que esperam de acção
da UE.
Claro que
falámos também da nova lei das associações privadas[7]
e do decreto presidencial nº 74/15 de 23 de Março que aprova o regulamento das organizações
não governamentais[8].
Fui perentório em afirmar que o dito decreto presidencial se encontra carregado
de espírito anti-democrático e de letra anti-constitucional, pelo que, a OMUNGA
se reserva ao direito de observar a sua desobediência, incorrendo
conscientemente no incumprimento do mesmo.
No entanto
a "pressão" não vem apenas da UE. Como podemos ir acompanhando as
informações, também os Estados Unidos começam, embora ainda com um maior
enfoque nos mecanismos diplomáticos, onde, o África Monitor faz referência ao
Relatório Anual do Departamento de Estado Americano, onde presta uma atenção
especial ao caso de Angola e a visita de 3 dias a Luanda do secretário
assistente para os Direitos Humanos, Democracia e Trabalho, Steven Feldstein[9].
O que
coloca, obviamente Angola nesta posição, liga-se de grande maneira com a sua
actual situação económica. A dependência do petróleo e todo o processo de
gestão obscura do país levou a um descalabro repentino e acelerado da ecónomia.
É assim que nos começámos a confrontar com o "zarpar" dos
estrangeiros em movimentos migratórios de retorno aos seus países, como no caso
de portugueses, brasileiros e cubanos.
Ainda
nesta linha, assisto com preocupação a visita a Angola de delegação do BM e do
FMI e às suas recomendações, que podem ter ainda um efeito mais nefasto para a
vida da maioria da populações. Na realidade devemos encarar que os cortes dos
gastos públicos devem estar ligados com os investimentos não prioritários, como
é o caso de gastos com as igrejas, como a Sé Catedral a ser construída no
Kuando Kubango, o monumento sobre a batalha do Kuito Kwanavale, os fardamentos militares
a importar da China[10],
equipamento militar à Rússia[11]
(já em 2013 a Rússia tinha concordado em fornecer equipamento militar a Angola
no valor de 1 bilião de dólares americanos), à Alemanha[12],
à Itália[13]
ou à França[14],
os gastos exagerados de ostentação, como o do novo avião da presidência[15],
os carros[16]
e apartamentos de luxo[17],
entre muitos outros.
Para além
da necessidade urgente de se controlarem estes gastos é necessário promover-se
a transparência e a fiscalização dos contratos. De forma a fiscalizarem-se as
obras e serviços contratados.
Deixei
para depois, e obviamente a base da ética de gestão, o verdadeiro combate à
corrupção e ao branqueamento de capitais. Infelizmente, assistimos ao abafar do
caso BESA, dos milhões em caixas de sapatos de Bento Camgamba, ao mais de um
milhão de dólares em avião da TAAG e aos muitos milhões de dólares namibianos.
O mercado informal continua a ser alimentado de divisas.
Preocupa-nos
também a pressão que as empresas petrolíferas estão fazendo e farão junto dos
representantes dos órgãos de soberania nacionais para que diminuam os pesos das
medidas impostas na exploração do petróleo. Esperamos no entanto que tal
abrandamento de imposições não venha a afectar as medidas trabalhistas nem
ambientalistas.
Ainda em
resposta à resolução dos euro parlamentares só podemos esperar que a diplomacia
angolana deverá estabelecer alianças com demais estados da ACP. Como todos
sabemos, a nível de constantes violações de direitos humanos e atropelos à
democracia, má gestão/governação e falta de transparência, infelizmente, não
somos os únicos a "olhar o céu"!
José
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24 de
Setembro de 2015
[1] - Resolução do Parlamento Europeu provoca debate em Angola, VOA, 15 de
Setembro de 2015 - http://www.voaportugues.com/content/resolucao-do-parlamento-europeu-provoca-debate-em-angola/2964796.html
[2] - Manifestação autorizada, reprimida em Benguela, RFI, 17 de Setembro de 2015 - http://www.portugues.rfi.fr/angola/20150917-manifestacao-autorizada-reprimida-em-benguela
[3] - Jornalista angolano pede
asilo na África do Sul, Club K, 31 de Agosto de 2015 - http://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=22040:jornalista-angolano-pede-asilo-na-africa-do-sul&catid=8:bastidores&lang=pt&Itemid=1071
[4] - Ministro da Justiça nega que haja violação dos direitos humanos no país - Rede Angola, 23 de Setembro de 2015,
http://www.redeangola.info/ministro-da-justica-rejeita-que-haja-violacao-dos-direitos-humanos-no-pais/
[5] - Transmitida em Bruxelas posição de Angola sobre Resolução do Parlamento
Europeu, Expansão,
24.09.2015 - http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/60734
[6] - Declaração do Porta-voz sobre o julgamento de José Marcos Mavungo em
Cabinda (Angola), União Europeia/Acção Externa, 14.09.2015 - http://eeas.europa.eu/statements-eeas/2015/150914_02_pt.htm
[7] - http://www.paaneangola.org/images/pdf/legislacao/Lei_das_Associaes.pdf
[8] - http://www.embangola-can.org/pdf/regulamento%20ONG.pdf
[9] - Estados Unidos e União Europeia "apertam" Angola por
desrespeitar Direitos Humanos, África Monitor, 23 de Setembro de 2015 -
http://www.africamonitor.net/pt/sociedade/eua-ue-apertam-angola-falhasdh015/
[10] - Angola compra fardamento militar à China por
quase USD 44,6 milhões, Rede Angola, 19.09.2015 - http://www.redeangola.info/angola-compra-fardamento-militar-china-por-quase-usd-446-milhoes/
[11] - Rússia pronta para intensificar cooperação militar com Angola, Sputnik, 01.08.2015 - http://br.sputniknews.com/defesa/20150801/1734684.html
[12] - "Fortalecimento militar de Angola pode
significar maior repressão", Terra, 24 de Fevereiro de 2015
- http://noticias.terra.com.br/fortalecimento-militar-de-angola-pode-significar-maior-repressao,1b2adfb424cbb410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html
[13] - Governo compra seis helicópteros a empresa italiana, Rede Angola, 09.07.2015 - http://www.redeangola.info/governo-compra-seis-helicopteros-empresa-italiana/
[14] - França disputa contratos militares angolanos com China e Rússia,
6 de julho de 2015, África Monitor - http://www.africamonitor.net/pt/seguran%C3%A7a-defesa/franca-vendasdefesangola015/
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