SITUAÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS: DEBATE NA ZIMBO
Ontem teve
lugar mais um debate da Zimbo, onde o tema foi "a situação dos direitos
humanos em Angola".
Desde já
agradecer à Zimbo pelo convite e também à importante alavanca em que se
constitui ao iniciar, de forma corajosa, este tipo de espaço de confrontação e
construção colectiva de ideias.
Por outro
lado, estender mais uma vez, os meus cumprimentos aos demais componentes da
mesa (só tenho aqui o contacto do .......) e aos telespectadores que de alguma
forma participaram, assim como àqueles que, durante e depois, foram partilhando
ideias nas nossas famosas redes sociais, como o Celso pelo seu tão construtivo
comentário na sua página.
Devo
também reconhecer, que o representante do ministério da justiça e dos direitos
humanos demonstrou uma enorme flexibilidade e compreensão sobre o actual
quadro. Lembro aqui aspectos de que ele assumiu como aspectos importantes a
resolverem-se com urgência, a melhoria da situação do respeito do direito à
manifestação, da liberdade de imprensa e de expressão e dos processos de
demolições, desalojamentos forçados e expropriações de terras.
No
entanto, continua a ser visível que ainda não se digeriu a resolução do
parlamento europeu e o relatório de Ana Gomes. Para mim, não merece, para já,
mais adiantamentos.
Infelizmente
não se teve tempo para abordar o caso do Sumi, que me parece ser de extrema
importância.
O
representante do ministério garante que medidas estão a ser tomadas no que toca
ao branqueamento de capitais e à corrupção, que eu, pessoalmente, continuo a
ter dúvidas em poder acreditar já que nada nos transpira nessa área.
Garantiu
também que processos foram avançados (julgo que na ordem de muitas dezenas)
para responsabilização de cidadãos envolvidos em crimes nas Lundas (famosas
denúncias de Rafael Marques) e que muitos foram condenados. Garantiu mesmo que
Rafael Marques por tal facto, tenha assumido a sua responsabilidade de "acusação
difamatória" em tribunal. Também nesta matéria aguardo por confirmações.
Por outro
lado, acha que muito está a ser feito, embora muito tenha que ainda melhorar.
Aqui, pareceu-me que se mantem no velho discurso, que se esconde na
argumentação do contextualismo histórico, da guerra recente e da actual
situação de debilidade económica relacionada com a baixa do preço do petróleo.
A minha pergunta é sempre a mesma. Será que qualquer um de nós cidadãos, quando
perante o facto do cometimento de um crime, ou mesmo só de suspeita (caso dos
activistas presos), poderemos evocar essa mesma lógica em tribunal em nossa
defesa?
Continua-se
a referir ao Estado como algo para o além, esquecendo-se que o Estado,
precisamente, envolve expressamente e fundamentalmente os cidadãos, no
território, relacionando-se com regras estabelecidas, escolhendo órgãos de
soberania (gestores escolhidos pelos cidadãos) e identificando-se com símbolos.
Penso que este demais comum esquecimento é que tem permitido aceitar o
autoritarismo, o populismo e a continuação do status quo. Isto leva, também e
de arrasto, a expressões, como as que ali pude ouvir, de que "o executivo
tem feito um enorme esforço económico" para realizar determinadas acções,
delinear certos programas e projectos.
Só como
lembrete, o esforço (esse) é realmente desenvolvido, pelo elemento fundamental
do Estado, os seus cidadãos.
Apenas me
interessa, aqui e agora, concentrar-me num assunto que durante o debate foi
levantado e parece-me, que merece de mim mais alguma atenção especial. Tem a
ver com o que foi colocado sobre se existe ou não independência do judiciário e
se podemos falar de julgamentos e condenações injustas.
Gostaria,
neste caso, concentrar-me nos actualmente mais emblemáticos casos que possam
relacionar-se com esta matéria. O caso da condenação de Marcos Mavungo a 6 anos
de prisão, em Cabinda e a continuada detenção de activistas em Luanda
(conhecido como caso dos 15 +1+1). Esqueço-me propositadamente e provocatoriamente,
do caso do morro do Sumi, já que o mesmo não chegou a ser debatido ontem.
No debate,
pude expressar o meu pensamento de considerar injusta a detenção de Marcos
Mavungo, a sua prisão preventiva prolongada, as condições de detenção e a sua
condenação. Embora tivessem, no debate, querido lembrar que esta é apenas uma
fase do processo e que, caso o Tribunal Supremo venha a declarar inocência,
conforme eu estou convencido, Marcos Mavungo poderá recorrer por processos indemnizatórios.
Marcos Mavungo perdeu desde já a sua liberdade por longos meses e os seus
filhos, o seu carinho e calor de pai.
Marcos
Mavungo, conjuntamente com outros cidadãos de Cabinda, tinha preparado uma
manifestação para expressar o seu descontentamento à forma como tem sido gerida
Cabinda. O governo de Cabinda, emitiu a sua decisão de proibição. Aqui, penso,
que foi unânime no debate, nenhum governo provincial tem poderes discricionários
para proibir a realização de uma manifestação e portanto o exercício deste
direito. O processo que leva à condenação de Marcos Mavungo, podemos ver que
começa injustamente. Sei também que posteriormente à demonstração desta posição
do governo de Cabinda, os organizadores ainda reuniram-se com representantes de
instituições públicas locais onde demonstraram a sua insistência em realizar a
referida manifestação. "Ameaçaram" exercer o seu "direito à
desobediência civil" caso vissem-se impedidos realmente de exercer o seu
direito à manifestação.
Precisamente
na manhã do dia da manifestação, antes que a mesma realmente se concretizasse,
Marcos Mavungo é detido quando se encontrava na sua igreja. Depois disso
começaram a ouvir-se uma série de acusações. Tentou-se relacionar a Marcos
Mavungo alguns engenhos explosivos que, pelo que sei não foram provados nem a
sua autoria em relação a alguns folhetos que se diz terem sido encontrados
abandonados por alguns cidadãos que se puseram em fuga e portanto nunca
identificados.
Pelo que
me expressei, fica claro que considero, desde logo, a detenção e a acusação
feita contra Marcos Mavungo como injustas.
Marcos
Mavungo vai a tribunal que conclui que não existem provas e, espantosamente, o
mesmo é de novo conduzido à prisão onde permaneceu por 6 meses. Para além de
considerar injusta a decisão de que o mesmo seja de novo conduzido à cadeia
para continuação do processo de investigação, as suas condições de detenção são
realmente desumanas e inaceitáveis. Marcos Mavungo é doente e não consegue ter
nessas condições o devido tratamento médico.
De acordo
às informações que recolhi, Marcos Mavungo volta a julgamento sem que tenham
realmente alterado qualitativamente o conjunto de provas e assim, condenado a 6
anos de prisão. Mais uma vez fica-me claro que toda esta fase do processo
iniciou, foi conduzida e culminou da forma mais injusta.
Para os
legalistas presentes no debate, devemos nós cidadãos deixar que os tribunais
façam o seu papel, sem qualquer intromissão, opinião ou condenação e deixar que
se passe para a segunda fase do processo. O recurso junto do tribunal supremo.
Só para
quem possa não conhecer o valor da liberdade, da dignidade e da justiça, pode,
realmente, acomodadamente calar-se perante esta situação.
Este caso,
no meu ver, é um dos flagrantes exemplos de julgamentos injustos.
O outro
caso, no meu ver e entender, demonstra bem a falta de dependência do judiciário
em relação à presidência da república.
Todos nós
pudemos acompanhar a detenção dos 15 activistas em Luanda e a forma brutal como
a mesma se efectuou. Sem mandato de prisão e nem de busca, os jovens foram
detidos, quando se encontravam reunidos a discutir modalidades de se derrubar
uma ditadura por métodos não violentos. Casas foram arrombadas, bens
apreendidos, activistas e familiares brutalizados.
O
acompanharmos estas informações, damos conta da injustiça e ilegalidade com que
foi levado o processo da sua detenção.
Depois
disso, a primeira declaração pública sobre esta matéria foi prestada pelo
concidadão José Eduardo dos Santos, enquanto presidente do MPLA. É o primeiro a
confirmar que as detenções se relacionavam com a tentativa de golpe de estado e
vai mais longe, fazendo comparações com o trágico acontecimento que marca a
nossa história relacionado com o 27 de Maio de 1977.
Sendo o
mesmo concidadão, o presidente da república é obvio que esta sua posição
pública relaciona com a posição da presidência da república. Assim, estava
feita a condenação destes activistas.
Se
puxarmos pela memória lembrar-nos-emos que em seguida, o procurador-geral da
república vai encontrar-se com líderes das bancadas parlamentares para
apresentar as "provas irrefutáveis" que ligavam os activistas à
tentativa de golpe de estado. Como acto contínuo, tem encontro, com o corpo
diplomático, com o mesmo propósito. Importante lembrar também que estas
iniciativas do procurador foram a "mando" do presidente da república.
Também
através dos órgãos de comunicação social, o procurador informa ter recebido a
queixa que accionou a procuradoria a avançar o processo de investigação e
posterior detenção.
Aqueles
que defendem que em Angola existe separação de poderes, consideram, para além
de que se deve deixar o judiciário trabalhar neste processo sem
questionamentos, que se torna improcedente os diversos recursos à presidência
da república para que intervenha na libertação imediata dos activistas ou
"presos políticos".
Esta posição
foi ouvida no debate de ontem, incluindo do representante do ministério da
justiça. Gostei de vê-lo a exemplificar que o executivo não envia
"bilhetes" para os juízes forjarem as decisões.
Feliz, ou
infelizmente. não temos memória curta e por isso podemos ver que os factos
desmentem o nosso amigo, já que:
1 - É o
presidente da República quem publicamente formaliza a acusação (golpe de
estado);
2 - É o
presidente da República quem "mandata" o procurador-geral para violar
o princípio do "segredo da justiça" e mostrar as "provas
irrefutáveis" quer aos deputados como ao corpo diplomático (provas que os
advogados de defesa não tiveram acesso);
3 - Se na
altura da detenção e apreensão de bens, já existiam "provas
irrefutáveis" que ligam os activistas a uma "flagrante tentativa de
golpe de estado", como passados mais de 90 dias, ainda a procuradoria não
concluiu o processo de investigação e não formalizou a acusação?
4 - Quem
apresentou, neste caso, queixa à procuradoria para que esta tão de pronto
avançasse o processo de investigação e de detenção dos activistas? Não
poderemos concluir outra possibilidade que não seja a do presidente da
república.
5 - Se
assim for, e assim julgo que seja, quem mais que o presidente da república para
retirar a queixa, fechar o processo e libertar os "presos políticos"?
6 - Havia
ou não "provas irrefutáveis" de "tentativa flagrante de golpe de
estado"? Se as provas afinal não são tão irrefutáveis porque se mantem os
activistas presos enquanto continua o processo de investigação? Há eminente
perigo de que os mesmos possam fugir do país, atrapalhar o processo se forem
investigados em liberdade? Se sim, podem argumentar? Tal motivo justifica a sua
detenção em "solitárias" com resumido tempo de acesso ao sol?
7 -
Reconhecem os "legalistas", o nosso sistema de justiça e os
comentadores, o "direito" ao exercício pleno do nosso "direito à
desobediência civil"? É o exercício deste tão importante direito que se
confunde com "arruaças", "provocação", "desordem
pública" e "tentativa de golpe de estado"?
LIBERDADE
PARA OS PRESOS POLÍTICOS JÁ!
23/09/015
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