09/07/2010

carta aberta a Bornito de Sousa

REF.ª: OM/ __ 181 __ /10
LOBITO, 09 de Julho de 10
C/c: Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional – LUANDA
Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Contas – LUANDA
Exmo. Sr. Procurador Geral da República – LUANDA
Exmo. Sr. Secretário de Estado para os Direitos Humanos – LUANDA
Exmo. Sr. Provedor de Justiça – LUANDA

Ao Exmo. Sr.
Ministro da Administração do Território

Att: Bornito de Sousa

L U A N D A
ASSUNTO: CARTA ABERTA SOBRE AS DEMOLIÇÕES EM SAURIMO – LUNDA SUL

Excelência

Melhores Cumprimentos

É com preocupação que a OMUNGA tomou conhecimento que entre os dias 08 e 09 de Julho de 2010, cerca de 50 habitações foram demolidas no bairro Tchizainga em Saurimo, Lunda Sul.

A 4 de Abril de 2010, o Exmo. Sr. Ministro, publicamente, em Menongue, pediu desculpas, em nome de Sua Ex.ª Sr. Presidente da República, às cerca de 3000 famílias vítimas de demolições no Lubango, levadas a cabo pelo Governo provincial da Huila. Na mesma altura expressou o compromisso do Executivo angolano não voltar a desrespeitar a legislação nacional e internacional referente a esta matéria.

Na ocasião e por várias vezes a OMUNGA apelou para a tomada de medidas que permitissem às vítimas o acesso rápido a condições dignas, incluindo indemnizações conforme plasmado na legislação nacional. Apelou ainda para a abertura de processos investigativos que permitissem responsabilizar criminal e disciplinarmente os seus autores.

Pelo que parece, tudo continua na mesma, em flagrante desrespeito à dignidade humana deixando pouco clara a intenção que levou o Exmo. Sr. Ministro a fazer tais declarações.

Passados pouco mais de 3 meses, confrontamo-nos novamente com acções de demolições. Agora na província da Lunda Sul.

A 3 de Setembro de 2009, foi aprovada e adoptada a Resolução 37/09 pela Assembleia Nacional e publicada no Diário da República N.º 167, I Série. Realçamos o seguinte:

f) o Estado angolano, no quadro da Política de Fomento Habitacional, aprovou e vem aplicando, não obstante alguns constrangimentos e dificuldades registados, através dos Programas de Construção de Habitação Social Dirigida, as medidas reputadas essenciais para proteger, respeitar e promover um nível de vida adequado para as famílias angolanas, garantindo-lhes o acesso à saúde, à habitação, à educação e as condições de vida e de meio ambiente saudáveis, respeitando as políticas de ordenamento do território nacional e o reassentamento das populações, atendendo aos programas urbanísticos;

g) a requalificação urbana do território nacional e de Luanda, em particular, a execução de projectos urbanísticos ou de outro tipo e as medidas de emergência em face ou risco de calamidades naturais, exigem do Estado acções necessárias para a criação de condições de habitabilidade condígnas para os cidadãos, incluindo, sempre que necessário, a mudança de populações para áreas seguras, assim como o combate à ocupação anárquica de terrenos e as construções ilegais, bem como a priorização do interesse público, sem prejuízo de indemnizações por expropriação a que houver lugar nos termos da lei.

Considerando que no intuito de aperfeiçoar o funcionamento das instituições e cuidar das populações angolanas, tratando-se com urbanidade, sem prejuízo da afirmação da autoridade do Estado;

Nestes termos, ao abrigo das disposições combinadas da alínea r) do artigo 88.º e do n.º 6 do artigo 92.º, ambos da Lei Constitucional, a Assembleia Nacional emite a seguinte resolução:

1.º - O processo de requalificação das urbanidades do País deve ser feito, sem prejuízo da observação da dignidade da pessoa humana e dos valores de solidariedade e da justiça social.
2.º - As demolições, quer em Luanda, quer em qualquer outra cidade, vila ou aldeia do País, quando necessárias, devems er conjugadas com a criação de condições mínimas e aceitáveis para o realojamento dos cidadãos afectados e com o diálogo e envolvimento dos mesmos nas soluções de alojamento.

3.º - Os órgãos competentes da Administração Pública devem agilizar os processos que permitam a célere aquisição do direito fundiário, de alvarás para construção e de todos os meios e instrumentos que permitam a rápida mas condígna reinstalação da população e a aquisição de terrenos para construção.

E ainda

7.º - Os órgãos competentes da Administração Pública, no prosseguimento das medidas de requalificação urbana, do reordenamento deo território, bem como na implementação do Plano Nacional do Governo, aprovado pela Assembleia Nacional, devemd esenvolver a sua acção de gestão e ordenamento do território urbano nacional, respeitando sempre as regras e normas procedimentais previstas nas leis internas e nas convenções internacionais para que sejam acautelados os direitos fundamentais dos cidadãos e os interesses legítimos de terceiros de boa-fé.

8.º - As autoridades competentes do Estado, além de fazerem respeitar a lei, devem informar e dialogar com os cidadãos, de maneira a minimizarem os inevitáveis constrangimentos resultantes das acções de requalificação urbana, incluindo as demolições legais, os despejos e o reassentamento condígno de cidadãos em Luanda ou nas suas localidades de origem.


Por outro lado, a 10 de Junho de 2010, Angola comprometeu-se perante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e no processo do mecanismo de Revisão Periódica Universal, aceitar e implementar a maioria das 166 recomendações que lhe foram feitas pelos diferentes Estados. Entre elas, salientamos:

130. Levar a cabo a indispensável reabilitação e reconstrução urbana em conformidade com a legislação relevante e os padrões internacionalmente aceites de direitos humanos (Portugal);

131. Adoptar medidas legislativas definindo estritamente as circunstâncias e salvaguardas relacionadas com acções de despejo e parar com todos os despejos forçados, até que tais medidas sejam estabelecidas (Países Baixos);

132. Considerar a intensificação de esforços para a obtenção de mais resultados nas áreas da redução da pobreza; direito à habitação condigna; direito à saúde, água e saneamento básico; e direito à educação para todos os sectores da sociedade (Malásia);

133. Continuar as suas políticas dirigidas à diversificação da economia, colocando uma ênfase particular na agricultura, pesca, produção manual e construção (Malásia);

134. Fazer um convite ao Relator Especial para o direito à habitação condigna, de forma a obter uma opinião ou conselho independente referente ao desenvolvimento de legislação e políticas conforme os padrões internacionais (Espanha);

135. Tomar as medidas necessárias para garantir que a acção de despejo seja a última saída e adoptar legislação e directrizes que definam, especificamente, as circunstâncias relevantes e as salvaguardas para o momento em que a acção de despejo for levada a cabo (Uruguai);

136. Providenciar a necessária assistência às pessoas despejadas, especialmente aos membros de grupos vulneráveis, incluindo mulheres, crianças e idosos (Uruguai);

137. Convidar o Relator Especial para habitação condigna a dar a sua assistência, como parte do esforço para garantir um padrão de vida digno, ao processo de criação ou reforma de legislação e políticas para as adequar aos padrões internacionais (Uruguai);

Pelo exposto, a OMUNGA apela para uma intervenção urgente no sentido de:
1 – Pôr fim imediato às demolições em curso em Saurimo;
2 – Avaliar o impacto e implementar um programa de compensação e de emergência para com as vítimas tomando em conta os princípios internacionalmente aceites;
3 – Investigar os factos, apurar responsabilidades criminais e disciplinares em relação aos autores.
4 – Desenvolver um plano de implementação das recomendações aceites pelo Estado de Angola no mecanismo de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
5 – Haver um pronunciamento público condenatório em relação a tal acção e, tal como para o Lubango, um pedido de desculpas em relação às vítimas.

Sem mais assunto de momento, queiram aceitar as nossas cordiais saudações.

José A. Martins Patrocínio
Coordenador Geral

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