A Revista Cibernética - "Teclando para a Mudança" na sua segunda edição, de Fevereiro, publicou uma entrevista a José Patrocínio, Coordenador da OMUNGA.
o Nasci na cidade do Lobito há cerca de 50 anos, no antigo Sindicato. Actualmente é a maternidade do Lobito mas, segundo corre boca, estas instalações já têm dono. Está localizada na Restinga perto do Hotel Términos e onde uma série de outras infra-estruturas já foram demolidas nesta área para a ampliação do referido hotel. Se calhar seria interessante conhecerem-se os proprietários deste hotel que, desde que nasci, sempre o conheci como o Hotel do CFB, Caminhos de Ferro de Benguela. Será que ainda é?
o Passei a minha infância no Lobito, especialmente no bairro da Luz onde iniciei a escola. Depois do 25 de Abril, fui pioneiro. Foi na OPA que aprendi a lidar com as armas de pau. Esta foi a primeira vez que tive que aprender a lidar com grandes perdas. Foi uma fase bastante estranha. Todos os meus amigos foram-se embora. Foi uma altura em que durante dias e noites só se ouvia o barulho dos martelos a encaixotar as coisas que o pessoal pretendia levar. O meu bairro ficou vazio e silencioso depois disso.
o Foi também nessa altura que aprendi a ter que fugir de casa em casa. O meu pai na altura, estava ligado ao MPLA e era sindicalista da Inter Sindical. Era uma pessoa marcada e portanto perseguida quer pela UNITA quer pela FNLA. A minha mãe já tinha umas malas preparadas e sempre prontas para a fuga. Cada noite dormíamos numa casa diferente. Sempre que alguém chegava e dizia que o meu pai já tinha sido localizado, mudávamos de casa. Não podia sair de casa nem sequer ir à janela. Foi também nessa altura que vi o meu irmão, com 16 anos, a sair de casa e ir para o CIR das FAPLA. Comecei a lidar com a guerra e as armas. O meu irmão foi prá frente do Balombo.
o Quando os Sul-africanos entraram em Benguela, de madrugada, a minha mãe estava de guarda à ponte da Catumbela. Foi o comandante Monty que avisou que tinha-se que fugir. Foi tudo muito estranho pra mim. Era de madrugada e eram dezenas de carros em fuga em direcção primeiro Sumbe, depois Porto Amboim e finalmente Luanda. Para fugirmos muitas das pessoas tiveram que ir ao porto e retirar os carros que estavam lá para ser embarcados. Teve-se que arrombar as bombas de gasolina para se conseguir o combustível.
o Em Luanda, nos primeiros dias, ficámos hospedados no hotel Kate Kero, no largo Serpa Pinto. Depois conseguimos ficar numa clínica de recuperação neuropsicológica que estava abandonada no Miramar. Ali perto de onde é hoje a embaixada dos Estados Unidos. Era no fim de contas uma psiquiatria para gente rica que estava abandonada. O ambiente e o local era muito estranho. Ficamos aí cerca de uma dezena de famílias.
o Como vê, quando era criança, fiz parte dos primeiros deslocados em Angola. A vida em Luanda nessa altura não era nada fácil. As bichas para se conseguir qualquer coisa, principalmente produtos da tropa portuguesa, no Jumbo, eram enormes. Comia-se muito arroz e peixe-espada, famoso “cinturão das FAPLA”.
o Passei a independência em Luanda ao barulho dos abuses que arrebentavam a norte e ao sul da capital.
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2. Pessoalmente, crês em que ideologia política, sócio-económica? E és religioso?
o Pessoalmente acredito que um mundo diferente é possível. Para isso acredito que uma democracia diferente é possível. Não me preocupo em acreditar ou não acreditar em ideologias. Tento ser coerente é com os valores em que eu admito que devo acreditar. Tenho uma concepção da vida e do mundo mas não professo nenhuma religião. Acredito no processo da vida e dou-me sentido ao facto de eu acreditar que existo.
o Os meus pais ajudaram-me muito na construção do meu eu. Fui sempre educado nos valores da honestidade e do respeito. Como se pode ver pelo meu passado, absorvi muito os valores de justiça e a nossa aproximação ao MPLA baseava-se muito nisso. Acreditávamos verdadeiramente nos ideais do MPLA. Teríamos uma independência onde se implantasse a justiça. Onde os trabalhadores teriam o seu verdadeiro respeito e o seu grande papel na construção do país. Hoje não é isso que acontece. Ainda acredito na aliança operário-camponesa!
o Só para dar um exemplo, o meu pai era amigo do Kundy Paiama, que foi Comissário provincial de Benguela. O Kundy Paiama chegava mesmo a fazer referências ao meu pai em comícios. Mostrando-o como um bom exemplo de cidadão. Nós não podíamos falar mal do Kundy Paiama em casa. Se eu chegasse a casa a dizer que os meus amigos rastas tinham sido presos pela tropa do kundy Paiama e ficado com as cabeças rapadas, ou que as minhas amigas tinham sido presas por causa de estarem de bikini na praia, o meu pai ficava muito zangado. Dizia que era mentira. Que isso eram manobras do inimigo. Que era provocação do imperialismo, etc. Acredito que se o meu pai hoje pudesse ressuscitar e ver o seu amigo como proprietário de casinos preferiria voltar a morrer.
o Acredito nos valores da solidariedade e não acredito no capitalismo como sistema que traga as soluções, antes pelo contrário, acredito na possibilidade de sistemas mais sociais e cooperativos e de respeito e integração ao ambiente.
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A entrevista foi conduzida por Pedrowski Teca
Os link: Encontre aqui na íntegra: http://issuu.com/revistacibernetica/docs/revista_cibernetica_15_de_fevereiro_de_2012
Revista Cibernética – Teclando Para a Mudança
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