25/10/2011

DIÁLOGO SIM, FRAUDE NÃO! - Deputado Raúl Danda

Intervenção na Sessão Plenária sobre a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais

Senhor Presidente,
Ilustres Colegas Deputados,
Caros Membros do Executivo:




Quando olho para o Projecto da Lei Orgânica sobre asa Eleições Gerais, fico profundamente preocupado com o que leio.

Os nossos colegas do MPLA estão a propor que o registo eleitoral se faça apenas em Angola, dizendo claramente que não há registo eleitoral no exterior. Entretanto, a Constituição da República diz que o registo é “oficioso e obrigatório”. Onde é que fica a oficiosidade do registo que, a menos que o português se nos esteja a escapar, impõe ao Estado a obrigatoriedade de assegurar ao cidadão angolano esse registo? O nº 2 do Art. 2º desta lei, além de violar o princípio da igualdade constitucional, discriminando os angolanos mesmo no exterior, fala de “cidadãos angolanos que se encontrem no estrangeiro por razões de serviço, estudo, doença ou similares....”... Alguém me pode, por obséquio, dizer o que se está aqui a querer dizer com esse “similares”? E como é que se pensa exercer o direito de voto por correspondências, conforme indicado no nº 3 desse mesmo Art. 2º?

A lei agora em discussão pretende que se permita a votação quer com o cartão de eleitoral, quer “com outro documento válido, idóneo e com fotografia”. Em 2008, todos tinham de ter o cartão de eleitor. Agora, diz a lei que o MPLA nos está a propor, no Art. 103º, que qualquer documento serve para votar. Sempre aconselhámos que o mais seguro seria a identificação biométrica, mas o MPLA ignorou esta nossa proposta. Isto é preocupante. Sei que, há pouco tempo, as brigadas que faziam o registo eleitoral (ou sua actualização) no Tando-Zinze e noutras localidades, em Cabinda, procediam, em simultâneo, à distribuição, às nossas mamãs, como se fossem bolinhos, de cartões de membro da OMA. Esses cartões também vão servir para a votação?

Em termos de Comissão Nacional Eleitoral, esta lei prevê que sejam permanentes as estruturas central e provinciais, mas que as municipais sejam criadas apenas em anos de eleições. Se o registo tem carácter permanente, fará sentido que as estruturas municipais sejam criadas apenas em anos de eleição?

Que razões estarão na base de se permitir, mesmo que a título pontual, que o presidente da mesa de voto autorize que cidadãos votem numa outra mesa de voto que não àquela onde deve exercer esse direito?

O Art. 71º, sobre os “locais interditos ao exercício de propaganda política”, indica “os locais de culto” como sendo um deles. Esperemos que isso se respeite e que os padres-activistas ou activistas-padres façam homilias durante as quais ensinem a palavra de Deus nas suas igrejas em vez de fazerem aí comícios.

Quando olho para os Artigos 140, 141, 142 e 143, vejo esvair-se o princípio da independência da CNE, à qual se pretende claramente atribuir um papel de verdadeira subalternização. Estamos aqui, diz-se, para conformar estas leis ordinárias à Constituição. Mas parece haver, pelo contrário, uma intenção sobejamente manifesta de fazer exactamente o oposto. Se aos órgãos de administração eleitoral, que devem ser independentes em obediência ao Art. 107º da Constituição, cabe a responsabilidade de organizar os processos eleitorais, por que razão se quer proceder a truques linguísticos, inventando “independências orgânicas e funcionais”, dando claramente primazia ao Executivo na organização dos processos eleitorais?

Esta lei está cheia de “compete à CNE, com o apoio do Executivo garantir as condições logísticas para isto, isso e aquilo ...”

“A CNE, com o apoio do Executivo, garante as condições de guarda, transportação, conservação, etc., etc., dos materiais de votação...”;

“a função de membro da assembleia de voto fica preferencialmente exercida por funcionários públicos” – e nós já sabemos quem são esses ditos “funcionários públicos”....

O MPLA quer que seja o Executivo, e não a CNE, a definir os locais de votação e a arquitectura das assembleias de voto. E quer também que nas mesas de voto estejam os seus agentes a “esclarecer os eleitores”, tal como fizeram em 2008, quando milhares de militares desembarcaram em Cabinda a dizer taxativamente “o comandante disse para votar 10”.

Que razões estarão por detrás da insistência de pôr o Executivo a substituir a CNE, mesmo sabendo que isso fere de forma grave e gravosa a Constituição? Há-de ser evocada a questão de exiguidade de verbas e de falta de capacitação da CNE. Está certo. Mas não competiria ao Executivo, que gere os dinheiros de todos os angolanos, capacitar a CNE em vez de se substituir a ela?

O projecto do MPLA continua a conferir competências eleitorais ao Executivo, em particular o controlo dos computadores, dos softwares que contêm os códigos de acesso à Base de Dados do Registo Eleitoral e a logística eleitoral. Quem deve controlar isso é a CNE, e não o Executivo. Não podemos aprovar agora a composição da CNE e deixar para mais tarde a lei sobre a sua estrutura orgânica, seu funcionamento e sobre o estatuto dos seus membros. Tudo deve ficar na mesma lei e tudo deve ser aprovado agora.

Lendo estas leis aqui, a conclusão é só uma: o MPLA não quer realizar uma eleição cujo resultado final ele não controle.

V. Exas. não acham que, em nome da verdade e da transparência, seria melhor vir aqui, escrito preto no branco, que S. Excelência o senhor Ministro da Administração do Território seja aclamado Presidente da Comissão Nacional Eleitoral? Acabar-se-iam, assim, os equívocos.

Aceitamos o diálogo, mas não iremos aceitar uma nova fraude. Também quero juntar a minha voz, aqui desta casa, para dizer a todos os angolanos, que se esta lei for aprovada assim como está, iremos ter de fazer o diálogo nas ruas deste país, utilizando todas as vias pacíficas para o povo exercer a sua soberania com dignidade e honra. Diálogo sim, fraude não!

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