24/10/2011

SUPORTE JUDICIÁRIO AO JORNALISTA - Mário Maiato

Numa parceria entre a associação OMUNGA e as Universidades Katiavala Buila, Piaget e Católica, em Benguela, desenvolveu-se um círculo de palestras sobre o Acesso à Justiça.

Esta actividade que se enquadra no projecto DESPERTAR PARA A CIDADANIA conta com o apoio da Freedom House e o financiamento do NDI.

Abaixo transcrevemos o conteúdo da última palestra realizada a 21 de Novembro de 2011 com os estudantes da Universidade Katiavala Buila, em Benguela.
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SUPORTE JUDICIÁRIO AO JORNALISTA NA GARANTIA AO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. CONSTRANGIMENTOS E MUDANÇAS

por: Mário Maiato

A liberdade de expressão e de imprensa constituem, nos Estados modernos, o expoente da democracia. Essas liberdades consistem na ausência de impedimentos ao exercício de determinadas actividades de carácter pessoal ou de uma colectividade organizada. E, não é por acaso que são assim designados. Afinal, tratam-se de valores constitucionalmente consagrados, inseridos entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Assim, a liberdade de expressão e de imprensa, enquanto direitos fundamentais são aplicáveis directamente. Não carecem de mediação, por isso não são normas programáticas. Para além na sua consagração na Constituição, nos art. 40 e 44, a liberdade de expressão e de imprensa é também regulada nos distintos diplomas internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o Pacto dos Direitos Civis e político, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, de entre outros.

A liberdade de expressão exprime-se pelos diferentes modos de manifestar livremente opiniões, ideias e pensamentos sob os mais variados meios ou suportes. A liberdade de expressão pode concretizar-se através da palavra falada ou escrita, através de imagens, inclusive do silêncio. Por isso, implica o direito da pessoa não ser perturbada pelas suas opiniões, bem como o direito de procurar, receber e difundir, sem restrições, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

Na verdade, a liberdade de expressão impõe a abstenção do Estado de limitar a expressão, consubstanciada na censura, a favor do discurso da sociedade.

Já a liberdade de imprensa desdobra-se, fundamentalmente, na liberdade de acesso às fontes de informação, na liberdade de difusão de informações obtidas ou de opiniões e, por último, na liberdade de recepção das mensagens emitidas pelos meios de comunicação social, correspondendo ao conteúdo regulado na lei de Imprensa, e classificado por direito de informar, de se informar e de ser informado.

Assim, pode dizer-se que o direito de informar, se quisermos, de difundir, de comunicar informações a outrem, sem impedimentos, é um aspecto da liberdade de expressão do pensamento. É, por conseguinte, o princípio pelo qual os Estados democráticos asseguram aos seus cidadãos a liberdade de expressarem as suas opiniões através dos órgãos da comunicação social, como jornais, rádio e televisão.

A liberdade de expressão e de imprensa são reconhecidas como condição e garantia da democracia e promoção dos direitos da pessoa humana. Por isso, é um fenómeno social que deve fundar-se na propagação da verdade, da justiça, da solidariedade e estar, exclusivamente, voltadas para o bem, evitando-se a manipulação da opinião publica.

A liberdade de expressão e de imprensa são direitos fundamentais, inclusive considerados direitos da primeira geração. Dai decorre a sua importância face à outras categorias de direitos. Todavia, são limitados por outros direitos também não menos importantes ou fundamentais, como os direitos de personalidade, que têm a ver com o direito ao bom nome, à imagem, à intimidade da vida privada, à honra, de entre outros.

Para assegurar a efectiva observação da liberdade de expressão e de imprensa, bem como os excessos ou abusos decorrentes do seu exercício, já que a fronteira é bastante ténue, os Estados democráticos consagram um conjunto de diplomas, a começar pela Constituição e os instrumentos hierarquicamente inferior, mas não insignificante.

Assim, à semelhança de outras realidades jurídicas, a ordem jurídica angolana assegura um conjunto de importantes normas e princípios que salvaguardam o exercício pleno da liberdade de expressão e de imprensa. A Constituição angolana consagra no art. 40 a liberdade de expressão e de informação, enquanto no art. 44, a liberdade de imprensa, ambas integradas no capítulo segundo, referente a Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais.

Ao abrigo dessas normas, o exercício dessas liberdades implica o princípio da universalidade e da igualdade, consagrados nos art. 22 e 23, na medida em que a norma reconhece a todos o direito de se exprimir livremente, por um lado, e, por outro, com os mesmos direitos e deveres fundamentais, respectivamente. Do mesmo modo, garante, no art. 29, a possibilidade de diversos meios de protecção jurídica, bem como estabelece limites ao exercício das referidas liberdades.

A liberdade de expressão e de imprensa é importante para a difusão da verdade, a promoção da democracia, da paz, a realização das pessoas, para o desenvolvimento económico e social, evitando, naturalmente, ser utilizadas para prejudicar o bem comum. Por isso, o exercício dessas liberdades está sujeito a limitações, tendo vista o respeito por outros valores com os quais pode conflituar.

Assim, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, para além de reconhecer a liberdade de expressão e de imprensa, admite restrições, que podem constar de leis ordinárias, com vista a assegurar o respeito dos direitos ou da reputação alheia, por um lado, e, proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde e a moral publicas, por outro lado.

Decorre da lei de Imprensa, nos art. 5, 6 e 7, o exercício livre da liberdade de imprensa, sem impedimentos nem descriminações, isenta de qualquer tipo de censura, bem como as garantias desse exercício e os seus limites. Nos art. 76 e 85, pune quem atentar contra a liberdade de imprensa, inclusive responsabiliza solidariamente a instituição estatal ou publica do agente e, em casos judiciais, consagra-se a celeridade processual, conferindo natureza urgente aos crimes de abuso de imprensa.

A Lei do Segredo do Estado contém restrições à liberdade de expressão e de imprensa dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários públicos, responsáveis militares, da ordem pública e segurança nacional considerados, nos termos da lei, credenciáveis.

Quanto à defesa e segurança nacional, trata-se de limitações fundadas da necessidade de salvaguardar a preparação da defesa militar do Estado, asseguram a operacionalidade e a segurança do pessoal, dos equipamentos, do material e das instalações das forcas armadas, das forcas e serviços de segurança, art. 2.

O objecto do segredo de Estado são os documentos e informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é susceptível de pôr em risco ou causar danos ao Estado angolano, à unidade e integridade territorial e à segurança interna e externa.

Para que estejam sujeitas a segredo de Estado estas informações têm de ser classificadas pelo Presidente da Republica, Presidente da Assembleia Nacional, Procurador-geral da Republica, Governadores provinciais, chefe do estado-maior das FAA, Comandante Geral da Policia, chefes de missão diplomática, director do serviço de inteligência, de entre outros, art. 11.

O segredo de justiça é outra restrição à liberdade de expressão e de imprensa, na medida em que impõe deveres de sigilo profissional aos magistrados, tanto do ministério público como judiciais, e aos advogados de fazerem declarações relativos a processos nem emitir opiniões.

Na verdade, o processo penal é secreto nas fases preliminares (fase da instruções processual) e publico nas restantes. É particularmente importante, o conhecimento desse regime, atendendo à apetência do público por notícias relativas a crimes, para além do frequente interesse dos jornalistas pela obtenção de informações do género.

Para suavizar as restrições contidas na lei de segredo de Estado e mitigar algum equilíbrio no exercício da liberdade de expressão e de imprensa, o legislador criou a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos. O diploma procura assegurar o direito à informação, permitindo a todos o acesso aos documentos administrativos de carácter não nominativo, no 1, art. 7. E, aos documentos nominativos, o acesso restringe-se a pessoas cujos dados dizem respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal, no2, art.7.

O diploma disciplina as formas do acesso e do pedido, o dever da entidade a quem é solicitada a informação responder no prazo de 10 dias, bem como o direito do interessado impugnar graciosa ou contenciosamente em caso de indeferimento. Tudo, visando a consagração do princípio da administração aberta, consubstanciada na transparência administrativa e sua sujeição ao controlo.

A liberdade de expressão e de imprensa, como direitos fundamentais, gozam do recurso ao acesso directo à tutela jurisdicional efectiva, art. 29, CRA. Quando violados, podem ser directamente impugnados nos tribunais. Nessa missão, o papel do Ministério público, enquanto o fiscal da legalidade, é crucial no que toca a fazer respeitar a lei pelos organismos do Estado, entidades económicas e sociais, servindo-se do mecanismo do protesto para a reposição da legalidade, art. 52.

Todavia, o exercício da liberdade de expressão e de imprensa também gozam da faculdade do recurso gracioso, mediante reclamação à entidade administrativa que praticou o acto e, posteriormente, ao seu superior hierárquico. As vezes, convém recorrer a esse expediente para contornar a morosidade do processo contencioso.

Nesta esteira, os titulares da liberdade de expressão e de imprensa violadas podem contar com os préstimos do Conselho Nacional da Comunicação Social, lei 7/92 e art. 8, lei de imprensa, entidade independente, responsável por assegurar a objectividade e a intenção da informação e a salvaguarda da liberdade de expressão e de pensamento na imprensa; o Estatuto do Jornalista; o código de Ética e deontologia, instrumento da auto-regulação e, por fim, do provedor da justiça.

Os instrumentos jurídicos para assegurar aos jornalistas o exercício da liberdade de expressão e de imprensa são já consideráveis no ordenamento angolano. Inclusive, tanto a Constituição como a lei de Imprensa garantem a extensão aos diplomas internacionais, que regulem a matéria. Todavia, o desconhecimento da sua existência e a fraca interpretação dos referidos diplomas constitui o principal constrangimento para o pleno exercício das liberdades de expressão e de imprensa.

Torna-se difícil, a administração prestar informação ao cidadão e consequentemente ao jornalista. O acesso às fontes é cada vez mais restrito e as barreiras são constantes. O jornalista perde muito tempo para confirmar um simples dado e, às vezes, é forçado a publicar sem esta confirmação para provocar intencionalmente a reacção da fonte. E, o excesso de burocracia e proteccionismo das fontes desincentiva o jornalismo de investigação.

O silêncio ou o resguardo da fonte compromete o princípio do contraditório, catalisador da formação de livre opinião pública dos cidadãos a partir da imprensa e, por conseguinte, estímulo da verdade, do rigor, da objectividade, da isenção e da imparcialidade.

A ausência da liberdade de expressão e de imprensa afecta o pluralismo informativo. Os órgãos de imprensa devem assegurar a liberdade de expressão, permitindo o confronto das diversas correntes de opinião.

Os jornalistas, respeitando princípios deontológicos e éticos, devem sentir-se livres para exercer a liberdade de expressão nos meios onde estão inseridos, dando voz e vez realmente a quem faz opinião, ao invés dos líderes de conveniências. Para isso, deve recorrer à cláusula de consciência, consagrada na lei de imprensa.

A ascensão a troco de favores constrange a liberdade de expressão e de imprensa, na medida em que para a manutenção do posto, o jornalista presta-se a auto-censura e ao excesso de zelo, privilegiando práticas desabonatórios aos princípios éticos e profissionais elementares.

Não será, por conseguinte, por falta de um quadro legal que não se exerça plenamente as liberdades de expressão e de imprensa. A legislação existente garante o exercício pleno dessas liberdades, embora, reconheça-se, a existência de algumas dificuldades decorrentes da falta de regulamentação dos referidos diplomas. Ainda assim, o quadro corresponde aos princípios da democracia. Por isso, a mudança passa pela assumpção, em primeiro lugar, dos direitos individuais que assistem às pessoas, incluindo o jornalista.

Afinal, o exercício dessas liberdades permite a utilização de qualquer meio idóneo que esteja à disposição da pessoa. O essencial é pôr termo, definitivamente, a sistemas de censura e outros tipos de impedimentos e discriminações, como perturbações da comunicação, apreensão e destruição de publicações, intervenções das autoridades a favor ou contra determinadas correntes de opiniões.

O direito de informar sem impedimentos nem discriminações significa sem intromissão do governo, da administração e de outros poderes públicos que afectam a independência das pessoas, dos jornalistas e dos órgãos de comunicação social. Relativamente as pessoas, corresponde ao direito de não ser inquietado pelas suas opiniões, como se o art.19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

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