A OMUNGA está preocupada com
a possibilidade do Comando-geral da Polícia, por sua exclusiva decisão, começar
a instalar o sistema denominado de "videovigilância" nas ruas,
inicialmente em Luanda.
Tal decisão baseia-se no
facto de que com o mesmo, se vir a combater a criminalidade. Em nome de um medo
que nos impingem, sem nos ouvir, ameaçam-nos invadir nas nossas privacidades e
restringirem os nossos direitos.
A OMUNGA considera que uma
iniciativa como esta, carece do mais amplo debate e da aprovação de uma
legislação que permita aos cidadãos sentirem-se realmente seguros e não
espiados. Com este sistema, todos nós estaremos sob o olhar silencioso da
polícia, sem sabermos para quê e como serão posteriormente utilizadas tais
imagens. Seremos assim, perante as "câmaras de vídeo",
antecipadamente, todos como potenciais criminosos.
Por tal motivo, a OMUNGA
dirigiu uma carta ao Presidente da Assembleia Nacional, com conhecimento aos
líderes das bancadas parlamentares, Ministro do Interior e Comandante-geral da
Polícia Nacional, com o propósito de chamar à atenção que, antes de mais, os
graves crimes que assolam o nosso país, se relacionam com a corrupção, lavagem
de dinheiro, tráfico de droga, pessoas e órgãos e escravatura que, em momento
algum vemos preocupação em se montar um sistema real que o combata e previna.
Por outro lado, deve ser
analisado entre os prós e os contras da eventualidade de tal sistema. Avaliar
se valerá a pena perdermos os nossos direitos em nome da segurança. Analisar se
realmente um sistema desses, perante o balanço custo-benefícios, será realmente
prioritário.
Por outro lado, sabemos que
em Angola estamos a viver um agravamento da violação dos direitos fundamentais
que passa pela perseguição e detenção arbitrárias de activistas e jornalistas.
A OMUNGA apela a todos os
cidadãos, em nome dos nossos direitos, dizer NÃO AO SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA
NAS RUAS.
____________________________________________
Lobito, 05 de Agosto
de 2015
C/c: Líderes das Bancadas
Parlamentares - LUANDA
Ministro do Interior - LUANDA
Comandante-geral da Polícia Nacional -
LUANDA
Ao
Exmo. Sr.
Presidente da Assembleia
Nacional
LUANDA
ASSUNTO: CARTA ABERTA SOBRE "SISTEMA
DE VIDEOVIGILÂNCIA NAS RUAS DE LUANDA"
É com enorme preocupação e
apreensão que acompanhámos através das redes sociais e da mídia de que, o
Comandante-geral da Polícia, Ambrósio de Lemos, terá declarado que "ainda
este ano arranca a instalação de um sistema de videovigilância nas ruas de
Luanda". Tais declarações foram proferidas a 1 de Julho de 2015.[1]
De acordo ainda às
informações, "e embora sem adiantar
valores, o financiamento público para esta instalação já está garantido e os
técnicos vão iniciar em breve os trabalhos com vista à instalação das câmaras
de videovigilância, que ficarão ligadas a uma central daquela força de
segurança"[2].
Ao mesmo tempo, salientou que
possivelmente "este
ano começam os trabalhos. Tudo está a marchar nessa direção. Não há nada que
diga que há algum impedimento legislativo em relação à instalação das câmaras
na cidade de Luanda, para a ordem pública"[3]
Por outro lado, a 28 de
Julho, a TPA[4]
divulga as declarações de Ambrósio de Lemos, de que “uma
das rotas de passagem de droga que vem ao nosso país através dos nossos
aeroportos, passam por esta fronteira para seguirem para Namíbia e para outros
países. A poucos dias foi anunciada a apreensão de cerca de onze quilos de
cocaína no aeroporto internacional 4 de fevereiro em Luanda, que se distinava
para a Namíbia.”
Ao mesmo tempo, Sebastiam
Ndeitunga "gostaria de enfatizar que algumas viaturas roubadas na Namíbia
supostamente encontram-se nesta altura a circular os nossos países
vizinhos”[5].
Referenciando-nos ao Relatório Global de Tráfico de Pessoas – 2015, de
27 de Julho de 2015, do Departamento de Estado dis Estados Unidos, Angola é
porta de entrada e de saída de tráfico humano.[6]
O
mesmo relatório aponta para a existência de escravos quer como mão de obra e na
prostituição.
No
entanto, também nos confrontamos com inúmeros casos de desaparecimentos de
cadáveres nas morgues dos hospitais[7], pelo que
há que, também, acreditar que haja sérios indícios de tráfico de órgãos em
Angola.
No entanto, não nos
recordamos em tempo algum, que o Presidente da República se tenha referido a
esta trágica situação nos seus discursos na Assembleia Nacional sobre o Estado
da Nação.
É verdade que, no Orçamento
Geral do Estado de 2015, estão destinados à Segurança e Ordem Pública, 3% do
valor global orçamentado. Destes, mais de 50% estão orientados para a rubrica
"Serviços De Segurança E Ordem Pública Não Especificados"[8].
Gostaríamos também de dar
especial atenção a outros tipos de crimes que muito têm feito manchete na
imprensa e redes sociais. que se ligam a crimes económicos e financeiros. Entre
os mais mediáticos, ressaltamos o caso BESA[9].
onde milhões de dólares desapareceram. Não vimos qualquer processo onde
intervenha a polícia neste caso. Antes pelo contrário, vimos que são os parcos
recursos dos cidadãos que vão "resgatar o BESA", com "uma
injecção de capital na ordem dos 5,7 mil milhões de dólares" como
"garantia soberana irrevogável" por parte da presidência da
República[10],
sem que isto tivesse sido esclarecido publicamente e perante a Assembleia
Nacional, nem ter sido aberto qualquer processo de investigação. Não nos
podemos esquecer que, de acordo às informações postas a circular, o procurador
Orlando Figueira que investigava o caso BESA "vai trabalhar para o banco BIC,
que tem como accionistas Isabel dos Santos"[11]
Já na mesma linha, e
recordando notícias recentes, o ex-presidente dos caminhos-de-ferro preso por
corrupção em negócio com Angola[12],
como a doação da empresa Glinn USA, possivelmente ligada à SONANGOL, ao Comité
de Acção Política Bem Comum[13],
são outros casos que apontam bastante bem como nada se tem feito neste sentido.
Pelo exposto, é fácil dar-se
conta que os principais tipos de criminalidade vividos entre nós, não são
combatidos com "sistema de videovigilância nas ruas".
Ainda podemos concluir que o
"sistema de videovigilância nas ruas" não previne a criminalidade tipo
assassinatos, assaltos, roubos ou espancamentos, mas pode facilitar na
identificação do autor do crime. Interessa ainda saber que mesmo que a implementação
do "sistema de videovigilância nas ruas" possa limitar a acção de tal
tipo de criminosos numa determinada área, onde ele possa estar instalado, vai
manter a criminalidade em outras áreas, possivelmente as mais pobres. Sabemos
também que, qualquer cidadão que pretenda cometer algum crime numa área onde
esteja instalado o "sistema de videovigilância nas ruas", ele vai
arranjar mecanismos de disfarce ou persuasão, ou mesmo não vai sentir-se
ameaçado. Concluímos este ponto de que não há dados concretos que provem que haja
claras evidências de que um "sistema de videovigilância nas ruas"
possa realmente combater a criminalidade.
Por outro lado, Ambrósio de
Lemos afirmou que "os índices não são alarmantes, diariamente
continuamos a registar uma média de 20 crimes/dia e quanto menos delitos
houver, melhor para nós e a população está a ajudar, em muitos casos na
denúncia de focos delituosos, onde temos actuado"[14]. Neste sentido não se vê
a necessidade de se instalar o dito "sistema de
videovigilância nas ruas".
Embora Ambrósio de Lemos
tenha minimizado o facto de todos e quaisquer cidadãos passarem a ser
controlados pelo "sistema de
videovigilância nas ruas" ao declarar, e citamos "Que
receio tem o cidadão de uma câmara na via pública? O cidadão honesto não tem
que temer absolutamente nada, não vai ficar exposto ou fazer atentado ao pudor"[15],
o que é verdade é que tal sistema invade realmente a vida e a privacidade de
qualquer cidadão ao considerá-lo, à partida, como um potencial criminoso.
Infelizmente, a divulgação por
Ambrósio de Lemos da instalação do referido "sistema de videovigilância nas ruas" coincide com o agravar da
repressão e violação dos direitos civis e políticos e das liberdades dos
cidadãos em Angola.
É possível, conforme garante
Ambrósio de Lemos, que "não há nada que diga que há algum
impedimento legislativo em relação à instalação das câmaras na cidade de
Luanda, para a ordem pública"[16]
no entanto, um programa destes carece da mais ampla discussão pública começando
pela própria Assembleia Nacional e não deixando-o apenas à decisão do
Comando-geral da Polícia Nacional.
Nesta
conformidade, enquanto parte integrante do Estado angolano, como cidadãos
organizados e reconhecidos pela Constituição de Angola e Tratados
Internacionais de Direitos Humanos, exigimos do Sr. Presidente da Assembleia
Nacional, na base das vossas obrigações, que:
1- Solicite ao Presidente da República que esclareça a real situalção sobre a criminalidade em Angola, conforme os factos que aqui exposemos, na sua próxima intervenção na Assembleia Nacional, sobre o estado da Nação;
2
- Que, neste contexto, traga à discussão na Assembleia Nacional, considerando a
necessidade efectiva, a lógica, a ética, os custos e beneficios, os reais
interesses e objectivos, sobre a eventualidade da instalação do referido "sistema de videovigilância nas ruas";
3 - Que não possa ser
implementado tal "sistema de videovigilância nas ruas", em Luanda ou
em qualquer outra parte do território nacional sem uma verdadeira discussão
pública e legislada previamente a sua possível, ou não, implementação futura.
Sem qualquer outro assunto de
momento, queiram aceitar as nossas cordiais saudações.
José Patrocínio
Coordenador
[1] - ANGONOTÌCIAS, 2
de Julho de 2015: Luanda já tem sistema
de vídeo vigilância -
http://pt.angolaglobal.com/20150805/luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras-de-video-nas-ruas-lusa/
[2]- dnoticias.pt : Luanda tenta travar criminalidade com câmaras de vídeo nas ruas -
http://www.dnoticias.pt/actualidade/mundo/531904-luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras-de-video-nas-ruas?utm_source=auto_rss&utm_medium=facebook
[3] - SAPO : Luanda tenta travar criminalidade com
câmaras de vídeo nas ruas - http://www.sapo.pt/noticias/luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras_55c1fca8b35a5caa161ecc11
[4] - TPA, Política,
28 de Julho de 2015: Angola e Namíbia
avaliam estratégias de combate aos crimes transfronteiriços - http://tpa.sapo.ao/noticias/politica/angola-e-namibia-avaliam-estrategias-de-combate-aos-crimes-transfrontreicos
[6] - REDE ANGOLA. Sociedade,
30 de Julho de 2015: Relatório aponta
Angola como origem e destino de tráfico humano - http://www.redeangola.info/relatorio-aponta-angola-como-origem-e-destino-de-trafico-humano/
[7] - ANGONOTÍCIAS, O
Povo, 23 de Junho de 2015: Cadáver
desaparece da morgue de Luanda - http://www.angonoticias.com/Artigos/item/47312/cadaver-desaparece-da-morgue-em-luanda
[9] - http://www.youtube.com/watch?v=UufBukScw9E
[10] - DW, Angola, 31
de Julho de 2014: Estado angolano toma
em mãos o resgate do BESA -
http://www.dw.com/pt/estado-angolano-toma-em-m%C3%A3os-resgate-do-besa/a-17824539
[11] - ASJP, 19 de Fevereiro de 2012: Procurador troca DCIAP por Angola
- http://www.asjp.pt/2012/02/19/procurador-troca-dciap-por-angola/
[12] - REDE ANGOLA, 4
de Agosto de 2015: Ex-presidente dos
caminhos-de-ferro preso por corrupção em negócio com Angola -
http://www.redeangola.info/funcionario-publico-detido-por-corrupcao-em-negocios-com-angola/
[13] - VOA, Notícias,
5 de Agosto de 2015: Republicanos querem
investigar doação de empresa angolana a Governador - http://www.voaportugues.com/content/republicanos-quem-investigar-doacao-de-empresa-angolana-a-governador/2900631.html
[14] - ANGONOTÌCIAS,
2 de Julho de 2015: Luanda já tem sistema de vídeo vigilância - http://www.angonoticias.com/Artigos/item/47413/luanda-ja-tem-sistema-de-video-vigilancia
[15] - dnoticias.pt : Luanda tenta travar criminalidade com
câmaras de vídeo nas ruas - http://www.dnoticias.pt/actualidade/mundo/531904-luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras-de-video-nas-ruas?utm_source=auto_rss&utm_medium=facebook
Sem comentários:
Enviar um comentário