Mais uma vez, este ano, se assinalou o dia mundial de combate à pobreza. Para o assinalar resolvi fazer uma breve reflexão sobre a situação do acesso à água (potável) que é uma condição fundamental para à vida, para o bem-estar e a saúde das populações e para o desenvolvimento económico e social do país. Há cerca de um ano, escrevi um artigo em que constatava que o acesso à água potável é uma prioridade social pois, a não realização deste direito de cidadania, está estreitamente relacionada com a pobreza e com a vulnerabilidade das populações às doenças, com os altos índices de mortalidade infantil, de doenças diarreicas agudas e outras. Basta ler os relatórios (mesmo os oficiais) ou falar com as pessoas para nos darmos conta disso.
As populações do país inteiro consideram que a vida delas poderia melhorar muito se tivessem acesso à água (potável) para as pessoas e, no caso particular do campo, para os animais e para a lavoura. Mas, infelizmente, apesar de termos um país rico, também em recursos hídricos, a situação vem-se repetindo e os níveis de satisfação dos cidadãos estão longe de ser satisfatórios.
A razão de ser desta situação, de uma fraca e desigual progressão nos índices de satisfação das necessidades das populações em água, tem a ver com a descoordenação das politicas adoptas, com a falta de compromisso dos governantes com estas políticas, com as opções casuísticas que inviabilizam o cumprimento das metas estabelecidas e com um certo desprezo pelo conjunto da população, traduzido também na persistente forte desigualdade de acesso ao precioso líquido, na diferença de qualidade e do seu preço. Paradoxalmente, os mais pobres são aqueles que para além (e por força desta situação) de serem marginalizados na construção de sistemas de abastecimento, são os que pagam a água mais cara do país, pois são abastecidos por terceiros, nomeadamente através dos camiões-cisterna, consumindo assim também a água de menor qualidade. Em verdade, o consumo de água potável, tal como o país, é também profundamente assimétrico e muito desigual, varia em função da situação social e económica de cada família mas também em função do desenvolvimento desequilibrado e despótico do país.
Pelas condições em que as populações vivem as políticas públicas sobre a água deviam ter “carácter de urgência”, sem prejudicar o seu enquadramento na estratégia de desenvolvimento económico e social do país. No entanto, são preteridas em relação a outras prioridades. Não restam dúvidas de que há ligações intrínsecas e inegáveis entre o acesso à água e a saúde das populações, entre o acesso à água e a educação pelo que a política de água, no país, devia merecer a maior atenção da parte dos governantes.
Porém, para além dos baixos níveis de resposta às grandes necessidades da população, constatamos ainda que a política de abastecimento de água é regida por critérios de desenvolvimento separado que não têm nada a ver com os técnicos que a operacionalizam mas com os governantes que tomam as decisões políticas.
Para demonstrar uma tal afirmação, basta olharmos, com olhos de ver, para os dados de uma peça jornalística inserta no semanário Expansão, de 18 de Setembro de 2009, sob o título, “EPAL investe 183 milhões de USD para aumentar capacidade de oferta”. Nela, Juvenis Paulo, o autor da peça, refere que a EPAL tem em curso um programa para “aumentar a captação, produção e distribuição” de água à Luanda. Esse programa está repartido por quatro projectos; três já em curso, que perfazem 183,4 milhões de dólares americanos, e um ainda em fase de aprovação no Conselho de Ministros, no valor estimado de 140 milhões de dólares americanos. Ora, o primeiro projecto, que visa a construção de centros de distribuição e instalação de dez quilómetros de condutas adutoras, destina-se a fornecer água ao Estádio do CAN, ao Campus Universitário e a zona residencial do Camama. O segundo projecto visa o reforço da capacidade da Estação de Tratamento de Água (ETA) de Sudeste e a construção de novos centros de distribuição e de alguns fontanários na zona do Camama. O terceiro projecto visa aduzir água para o Pólo Industrial de Viana, a partir do sistema 1. Finalmente, o quarto projecto visa, na primeira fase, ampliar a captação das ETAs do Bengo e do Candelambro e, na segunda, construir um sistema de distribuição de 120 km, no bairro dos Mulenvos de Cima e ainda implantar 240 fontenários nas zonas de Cacuaco, Viana e Cazenga.
Parece que há uma prioridade no abastecimento de água, pelos meios públicos, às zonas das novas urbanizações, ligadas aos interesses imobiliários do círculo do poder. Mas, qualquer que seja o critério utilizado, parece que para a política de água há cidadãos que tão-somente merecem chafarizes (tal como o colono lhes oferecia) e outros merecem água canalizada, em suas casas. Pelos vistos, para os governantes angolanos, as chamadas zonas residenciais estruturadas são consideradas como fazendo parte da civitas e, por isso, os seus habitantes são considerados cidadãos portadores do direito ao acesso à água potável, nas suas residências. Por outro lado, para esses governantes, os demais cidadãos, moradores nas chamadas zonas não estruturadas, são (des)considerados como não fazendo parte da civitas mas do espaço do indigenato, sem direito ao acesso à água potável, nas suas residências mas tão-somente ao chafariz comunitário.
*Cientista político
Publicado inicialmente in jornal AGORA.FIM
Sem comentários:
Enviar um comentário