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Por José Patrocínio: Aprendi Cedo a «ver» inimigos
Aprendi Cedo a «ver» inimigos
José Patrocínio (*)
Tinha eu apenas 11 anos quando aprendi a manejar uma arma de pau, a marchar na OPA e ver inimigos. Estávamos em 1974. Aprendi a ver uma mala sempre preparada para, durante as noites, fazermos fugas entre as casas dos amigos e dos camaradas. Hoje não podem ficar aqui. Já sabem que estão aqui. Hoje vão para a casa do camarada tal.
Aprendi a ver o meu irmão a sair de casa, com 16 anos para ir para as FAPLA. Tinha o nome de guerra: «Che». Aprendi a ver que havia os bons, nós, e os maus, os outros. Nós que defendíamos os operários, que estávamos ao lado dos oprimidos, que reivindicávamos a justiça e a igualdade, e falávamos do poder popular. Os outros que defendiam os patrões, que se aliavam ao imperialismo, que queriam impor o capitalismo e se punham ao lado do apartheid. Não podíamos tolerar.
Estávamos no meio da guerra fria!
Aprendi a ver os fuzilamentos no campo do ex. Lusitano. Estávamos em 1977. Eles queriam dividir, fraccionar. Não podíamos tolerar.
Mas tudo isto mudou.
Estávamos no princípio dos anos 80. Era eu estudante da faculdade de ciências agrárias. Estava no Huambo. Era preciso reforçar a JMPLA. Era preciso aumentar os membros. E aumentou-se os membros. Os muitos dos meus colegas, na sua maioria, integraram nas fileiras dos camaradas.
Mas onde estavam as suas ideias que
apoiavam os fantoches? Como eles entravam nas nossas fileiras?
Aí percebi. Durante a sessão de recrutamento de membros, o representante do MPLA e vice-director da faculdade falava das vantagens de se ser militante do partido. O meu colega e amigo Figas questionou: «Se depois de entrarmos concluirmos que não nos identificamos com o partido, podemos sair?» «Se sim como podemos fazer?» Foi aqui que entendi. Podemos sair. Mas o nosso vice-director fez lembrar: «Podem sair mas quando vieram as vantagens para os militantes não se venham queixar!» Afinal vinham vantagens. Claro! Deixa-se de ser apelidado de kwacha. Conseguia-se o adiamento militar. Conseguia-se as bolsas de estudo, os cargos de direcção.
Aprendi que era preciso controlar o inimigo. Aprendi que apenas o governador, naquela altura, Manuel Francisco tinha o poder de decidir quem poderia ou não receber cerveja. Estamos nos finais dos anos 80.
Aprendi também que cabia à direcção do partido e do governo decidir sobre determinadas questões e quem não estava de acordo era convidado a demitir-se. Estava no ministério da Agricultura e foi o meu antigo colega da faculdade, Isaac dos Anjos, que me ensinou isso.
Já íamos nos finais dos anos 90, no município do Chongoroi. Era coordenador da OKUTIUKA e fui a uma base da UNITA com o meu colega Correia (já falecido e, portanto, impossibilitado de testemunhar o que aqui transcrevo). Fomos na «Push» amarela doada pela Organização Não Governamental Save the Children-UK. Acompanhou-nos uma delegação da MONUA. Encontrámos gritos, choros.
As lideranças estavam nervosas. Reunimos num jango num encontro curto. O pessoal da MONUA foi expulso porque era considerado cúmplice do MPLA. Tinha havido um ataque durante a noite. Tinha havido mortes, destruição e roubo. Muito roubo. Foram levadas muitas cabeças de gado.
O responsável pela saúde da base chamou o meu colega à parte para dar-lhe um recado. O Correia teria que informar alguém na sede municipal de que os seus bois também tinham sido levados. Mas quem era esse alguém? Simplesmente alguém da JMPLA. Aprendi que afinal se poderia matar para roubar bois. Aprendi que afinal podia-se estar cá e lá.
Se em determinada altura pareceu que era mesmo necessário não tolerar, as diferenças eram grandes e aparentemente incompatíveis, porque continuamos hoje a não tolerar?
É preciso que todos vistam a mesma camisola. Que repitam as mesmas frases. Que batam palmas na mesma altura. Aprendi que é preciso isto.
Estamos em 2010. Há o CAN. Mas há acima de tudo um processo. A revisão constitucional. O que aprendi agora? Aprendi que se pode simplesmente espezinhar os cidadãos, mentir-lhes, manipular, para se proteger algumas pessoas e seus interesses pessoais. Assim se construiu a nossa Constituição.
Então, por que não se tolera? É preciso que todos demonstrem, cinicamente, que estão felizes. Que estão de acordo. Que fazem partem. Assim, se tem a certeza que as riquezas de alguns ficam protegidas.
A intolerância actual já não encontra alicerces em ideais políticos, nem ideológicos, mas apenas na
simples tentativa de proteger interesses pessoais que se alcançaram e se vão acumulando com o uso do poder político e militar. Apenas por isso!
(*) Coordenador da Omunga
1 comentário:
Vi esse interessante blog e aproveito para perguntar: o senhor conhece algum professor de portugues em Luanda? Se sim, favor contactar-me atraves do meu e-mail mario.corticeiro@cartus.com e poderei dar maiores informacoes. Muito grato!
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