INTRODUÇÃO À DISCUSSÃO NO ESPAÇO «QUINTAS DE DEBATE» DA OMUNGA
Benguela, 5 de Maio de 2011-05-04
Por: Celso Malavoloneke
Caros Companheiros, minhas senhoras e meus senhores.
Confesso que ainda não consegui perceber porquê os meus amigos da Omunga convidaram-me para introduzir um debate logo sobre esse tema. Porque dizer que esse tema é complicado é dizer pouco. Dizer que é bicudamente complicoso talvez seja um atentado à gramática, mas é talvez a forma mais correctamente mwangolé de definir esse desafio. Mas vamos a isso.
Tenho, ao longo dos últimos anos, mantido um acentuado interesse em seguir as linhas de pensamento do Presidente Eduardo dos Santos. Sobre as várias vertentes: a política, a económica, a cultural e até a humana. Confesso que sinto um certo fascínio pela sua maneira muito peculiar de ser e estar na política – alguns diriam leonina, eu diria felina, o que no fundo acaba sendo a mesma coisa – sui generis até para os padrões de África. É por isso que, antes de entrarmos propriamente na análise do seu pensamento ao que a liberdade de expressão em Angola diz respeito, proponho uma espreitadela ao homem, à sua obra e a maneira como se situa no seu tempo.
Falar do Presidente Eduardo dos Santos para já não é fácil. Seja porque pela sua personalidade não é lá de grandes aberturas, e seja porque os seus serviços conseguem ser ainda mais herméticos que o próprio. Se bem que nos últimos tempos ocasionalmente emite alguns sinais de querer libertar-se das «amarras» que a sua função impõe, nem no seu próprio círculo familiar alargado dá azo a grandes aberturas, dali que muito do que circula sobre ele não foge muito do mujimbu tão caro à sociedade mwangolé. Para tornar as coisas ainda mais difíceis para o investigador ou analista, até os seus dados biográficos são «trabalhados» pela máquina de propaganda do seu Partido. Até um dia que decida como Mandela escrever as suas próprias memórias «descensurada», teremos que nos conformar com essas limitações no que respeita as fontes de informação sobre o homem que se esconde por trás do Presidente.
Ainda assim, quando falamos de Eduardo dos Santos, estamos a falar de um homem que, à semelhança de outros jovens do seu círculo, largou tudo aos 18 anos e foi juntar-se aos nacionalistas que em Brazzaville lutavam pela independência do País. Ainda há poucas informações sobre as reais motivações que levaram um jovem então considerado calmo, quase sisudo, mas muito aplicado, e portanto com um bom futuro em perspectiva na administração colonial, músico e desportista a mandar tudo às urtigas e embarcar para uma aventura incerta, em que a própria vida passava a estar em risco. Sejam quais forem essas motivações, há que reconhecer a coragem necessária para dar um passo tão radical. Sejam quais forem as motivações, o romantismo e a capacidade da quebra de paradigmas tão peculiar na juventude teriam certamente feito parte das coisas que o levaram a abraçar os ideais nacionalistas e a pôr a vida em risco por eles.
Uma vez junto de gente como Neto, Mário de Andrade, Viriato da Cruz, Matias Miguéis, Aníbal de Melo, Lúcio Lara e outros, começa a formação política do jovem Eduardo dos Santos. E que formação foi essa? O Marxismo-leninismo que bebeu em primeira mão durante a sua formação universitária na então URSS. Em que as liberdades eram severamente cerceadas pela orientação centralizada e planificada do sistema de estado; em que o pensamento tinha a obrigação de ser único e as vozes dissonantes reprimidas. Em que a liberdade de expressão era praticamente inexistente, mesmo nas mais altas esferas do Partido e do Estado. Aliás, isso mesmo o próprio Presidente lembra com uma certa nostalgia, e eu cito «Quando éramos jovens, no tempo do colonialismo, sabíamos que a luta de emancipação dos povos era conduzida através de movimentos sindicais, de partidos políticos ou de movimentos de libertação nacional, que tinham como principais animadores líderes e pessoas de grande prestígio e capacidade, muito conhecidas na sociedade. Esses líderes tinham ideais, programas e estratégias de luta, que divulgavam para conhecimento de todos, os quais definiam claramente o inimigo e determinavam quais eram as forças aliadas. Nessa conjuntura (…) foi conduzida com êxito em África a luta de libertação nacional dos povos, que pôs fim ao colonialismo francês, britânico e português».
Mas a personalidade de JES viria a sofrer mais um abanão que, esse sim, marcou profundamente o homem que é hoje. Na flor da vida – tinha 37 anos – inesperadamente viu-se guindado à mais alta magistratura da Nação. E mais. Numa conjuntura de guerra civil, agravada por uma agressão externa de um dos exércitos mais poderosos do continente e com o país ensanduichado no epicentro da guerra-fria. Num contexto desse, José Eduardo dos Santos não pôde cultivar aquilo que se poderiam considerar os valores de uma democracia participativa nos moldes que hoje os conhecemos. Da forma como todos sabemos, conduziu o país pelas mudanças decorrentes da queda do Muro de Berlim, ganhou a guerra civil e alinhou o país na senda do desenvolvimento, trinta anos depois da Independência.
Dali começa o que já foi definido como o último desafio do Presidente: Pressionado pelo Ocidente para entrar em negociações com Jonas Savimbi como moeda de troca para financiamentos para a reconstrução do país, recusou-se e levou a guerra até ao fim; e quando a comunidade internacional decidiu, em jeito de castigo, pôr a prometida Conferência de Doadores em banho-maria, mandou-a passear e recorreu à China. A China que não condiciona a ajuda financeira a umas agendas quaiquer de respeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos como faz o Ocidente.
E aqui chegamos ao tema que nos junta hoje neste espaço: com essa trajectória e na conjuntura actual, que pensamento poderá ter o Presidente Eduardo dos Santos no que à liberdade de expressão diz respeito, principalmente nos dias de hoje em que a informação tornou-se totalmente democratizada através das novas tecnologias de Informação e Comunicação?
Antes de mais, é preciso compreender que José Eduardo dos Santos habituou-se a fazer as coisas ao seu jeito e que, assim mesmo, ganhou todas as grandes batalhas em que se empenhou. E essas batalhas não as ganhou exercitando a democracia participativa. A escola marxista em que se formou não lhe deu essa tradição e as guerras que teve que conduzir não lhe deram nem tempo nem espaço para isso. José Eduardo dos Santos construiu a sua obra política exercitando um controlo e disciplinas férreos, seja sobre as estruturas do seu partido, seja na sociedade de uma maneira geral, com especial destaque para os órgãos de comunicação social.
Dali que se compreenda o seu agastamento inicial com a INTERNET e as redes sociais cujo funcionamento, hoje por hoje, não tem como se controlar. Dali que sejam dele as palavras, eu cito «Nas chamadas redes sociais, que são organizadas via Internet, e nalguns outros meios de comunicação social fala-se de revolução, mas não se fala de alternância democrática. Para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as não autorizadas, para insultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de expressão e não há respeito pelos direitos. É esta via de provocação que estão a escolher para tentar derrubar governos eleitos que estão no cumprimento do seu mandato».
E o Presidente foi mais longe num agastamento a todos os títulos raro num homem tão sisudo: «Dizem, por outro lado, que não há liberdades, mas no país surgem cada vez mais partidos políticos, associações cívicas e profissionais, organizações não governamentais (ong’s), jornais privados, rádios comunitárias, etc. Há dezenas de anos que membros de ong’s e jornalistas dizem e escrevem o que bem entendem, chegando alguns a ofender dirigentes e o Presidente da República e membros da sua família e, que eu saiba, nenhum deles está preso! (…) Devemos estar atentos e desmascarar os oportunistas, os intriguistas e os demagogos que querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade. Temos que ser mais activos do que eles para vencermos a batalha da comunicação da verdade»!
O efeito boomerang destas declarações foram de uma intensidade nunca vista no país no que a reacções aos pronunciamentos presidenciais diz respeito. José Eduardo dos Santos viu-se de repente no centro de duras críticas. Não só de organizações da sociedade civil como do interior do seu próprio partido. Ao inferir que os jovens actuais não têm os instintos libertários dos jovens do seu tempo, correu o risco de criar uma fissura irreparável entre os jovens – a maioria da população do país – e o MPLA. Membros seniores do seu partido que usam regularmente as redes sociais sentiram-se agastados com o que entenderam como um recuo inexplicável e inaceitável em relação a um dos mais emblemáticos sinais destes tempos novos. É que, como compreender que, num mundo onde o presidente do país mais poderoso do Mundo, os EUA consegue angariar milhões de dólares para a sua campanha eleitoral graças às redes sociais da INTERNET, o presidente do maior partido angolano atira-se contra essas mesmas redes, culpando-as quase de crimes de lesa-pátria? A dita Lei das TIC que apareceu «de caxêxe» aprovada na AN na mesma altura, só contribuiu para aumentar o basqueiro em que o País já estava mergulhado.
E o Presidente recuou. Três semanas depois vimo-lo discursando na abertura do IV do seu partido «Ninguém sabe tudo e ninguém pode fazer tudo sozinho. (…) Neste processo de desenvolvimento nacional, ninguém deve ser excluído, pois as diferenças de opinião e de convicções políticas só nos valorizam e conduzem a um aperfeiçoamento do trabalho comum e da democracia.
A tolerância e a liberdade de pensar, criar e exprimir-se, que o nosso Partido consagra no seu Programa, são valores que os militantes, amigos e simpatizantes do MPLA devem praticar no dia-a-dia, por forma a contribuírem para a construção de uma sociedade moderna e próspera».
A tolerância e a liberdade de pensar, criar e exprimir-se, que o nosso Partido consagra no seu Programa, são valores que os militantes, amigos e simpatizantes do MPLA devem praticar no dia-a-dia, por forma a contribuírem para a construção de uma sociedade moderna e próspera».
Ao discurso da inclusão, o Presidente acrescenta nessa correcção do tiro a reconciliação gerantocrácica que ele tinha lesado na intervenção anterior: «As gerações passadas e presentes fizeram, a seu tempo, sacrifícios em prol da afirmação da Nação angolana. Da consciência desse facto resulta a necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre a ânsia da actual juventude pela imediata satisfação dos seus desejos e preocupações e a ponderação e calma necessárias para a resolução de problemas acumulados, que exigem tempo de maturação e de concretização na prática».
E finalmente, reconcilia-se com a INTERNET e as redes sociais: «as modernas tecnologias da informação e comunicação, a Internet, as chamadas redes sociais e os SMS devem constituir veículos de mobilização, de contacto permanente e de esclarecimento e debate de ideias».
Caros companheiros:
Tentei expor, da forma mais abrangente possível, e enquadrando no seu contexto como eu o entendo o que poderíamos considerar o pensamento do Presidente Eduardo dos Santos no que respeita a liberdade de expressão. A minha missão termina aqui.
Mas como cumpre-me lançar o debate, deixo então as competentes perguntas que poderão servir de combustível para as doutas contribuições dos presentes:
A diferença de discursos que vemos nas duas intervenções, espaçadas de apenas quatro a cinco semanas é contradição ou recuo?
E qual das duas consubstancia o verdadeiro pensamento do Presidente José Eduardo dos Santos no que a liberdade de expressão diz respeito?
Está aberto o debate…
Celso Malavoloneke
Director Geral
MOVIMENTO - Comunicação Integrada
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