A 24 de Setembro de 2009, realizou-se em Benguela mais um QUINTAS DE DEBATE. Foi prelector o Sr. ONOFRE DOS SANTOS.
Acompanhe o texto apresentado e debatido:
Modelo Comparativo
dos Princípios Estruturais dos Anteprojectos de Constituição dos Partidos Políticos
Benguela – Solar dos Leões
24 de Setembro de 2009-09-23
Onofre dos Santos
dos Princípios Estruturais dos Anteprojectos de Constituição dos Partidos Políticos
Benguela – Solar dos Leões
24 de Setembro de 2009-09-23
Onofre dos Santos
Introdução ao tema
Está em curso no nosso País o processo constituinte, ou sejam a execução de um conjunto de actos que visam a aprovação da futura Constituição de Angola. Podemos citar como alguns desses actos a aprovação da Comissão Constitucional, a criação da Comissão Técnica, a apresentação dos anteprojectos por parte dos Partidos com assento parlamentar, a apresentação de sugestões e contribuições da sociedade civil, a consolidação de todo este material pela Comissão Técnica, a auscultação da sociedade civil relativamente ao projecto ou projectos que dimanarem desta Comissão, a discussão do projecto ou projectos na própria Comissão Constitucional e o debate final na Assembleia Nacional Constituinte que tem o poder soberano do Povo para a aprovar.
Não se estando ainda na fase de consulta popular, prevista na lei, para auscultação da sociedade civil, partidos sem representação parlamentar e cidadãos em geral que terá como objecto o projecto ou projectos de Constituição preparados pela Comissão Técnica Constitucional, encontros para reflexão como este, promovido pela OMUNGA, numa das suas Quintas de Debate, têm como objectivo a abordagem de algumas questões preliminares e preparar os espíritos para a fase de auscultação cuja duração e modalidades competirá à Comissão Constitucional estabelecer.
Neste contexto serão abordadas as seguintes questões:
1. Distinção entre revisão constitucional e o exercício de um poder constituinte originário, tendo em conta o disposto no artigo 159.º da Lei Constitucional;
2. O conceito de princípios estruturantes de uma Constituição, à luz da actual Lei Constitucional e dos anteprojectos de Constituição apresentados à Comissão Constitucional;
3. Um breve exercício de memória para recordar o que mudou na revisão constitucional de 1992;
4. O que caracteriza um Estado de Direito;
5. Os direitos fundamentais e as suas principais funções;
6. A concretização do princípio da separação de poderes na Lei Constitucional de Angola e a evolução da organização política do Estado tal como marcada nos anteprojectos apresentados pelas forças políticas com representação parlamentar;
7. Algumas questões relacionadas, simultaneidade e calendário eleitoral.
I. REVISÃO CONSTITUCIONAL E EXERCÍCIO DE PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
Esta questão está relacionada com a aplicação do artigo 159.º da Lei Constitucional que estabelece os limites a respeitar tanto pelas alterações à Lei Constitucional como pela aprovação da Constituição de Angola.
Tem-se discutido se os limites impostos à revisão constitucional se aplicam à aprovação de uma nova Constituição. Ora a disposição é clara e não carece de mais argumentos. A distinção feita neste artigo tem a ver com quaisquer alterações pontuais a introduzir na Lei Constitucional como na aprovação de uma nova lei fundamental a qual tomará o nome de Constituição por ser aprovada por um órgão eleito, como seria se o texto tivesse sido aprovado pela Assembleia Nacional eleita em 1992 ou pela presente Assembleia Nacional saída das eleições de 2008. Recordamos que a actual Lei Constitucional tomou esta designação porque foi aprovada pela Assembleia do Povo, monopartidária e não resultante de uma eleição legislativa.
A Assembleia Nacional que foi eleita em 1992, tinha poderes constituintes e dela se esperava que, para além de eventuais e pontuais alterações à Lei Constitucional viesse a aprovar a nova Constituição. Foi assim que em 1996, ano em que terminaria o mandato dos deputados eleitos em 1992, a Assembleia Nacional aprovou uma Lei de Revisão Constitucional, a Lei n.º 18/96 de 14 de Novembro a qual teve como objectivo conformar constitucionalmente a continuidade da legitimidade da legislatura e ainda prever a constituição do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional.
O que o artigo 159.º estabelece é que tanto as revisões à Lei Constitucional como a aprovação da nova Constituição têm que respeitar indeclinavelmente os princípios ali estabelecidos. Em qualquer dos casos, há uma continuidade constitucional, que remonta a 1975, podendo dizer-se que a actual Lei Constitucional embora a tenha alterado profundamente, continuou a Lei Constitucional de 1975 (ela própria revista mais de uma vez) assim como a futura e nova Constituição será uma continuação da Lei Constitucional de 1992. Embora leis diferentes, elas não representam nenhuma ruptura ou descontinuidade, pois o regime que as instituiu e aprovou é o mesmo.
Diferentemente se passam as coisas quando o poder constituinte é assumido como um poder novo ou originário como quando há uma revolução e uma mudança de regime. Não sendo esse o nosso caso, o actual poder constituinte insere-se numa linha de continuidade que vem desde 1992 com a criação do estado democrático de direito, embora renovado em cada legislatura. Um exemplo de poder constituinte originário foi o exercido pela Assembleia Constituinte eleita em Portugal depois da revolução de 25 de Abril de 1975. A nova Constituição portuguesa marcou uma ruptura e uma descontinuidade com a Constituição de 1933 que vigorava à data daquela Revolução.
II. PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES
De modo a fazer uma comparação entre os princípios estruturantes que modelam os anteprojectos de Constituição que vão sendo conhecidos, convirá antes de mais rever os princípios estruturantes da actual Lei Constitucional. Todos temos uma ideia sobre quais são os princípios estruturantes da nossa Lei Constitucional. Questão interessante é a de saber se além de estruturantes eles foram alcandorados a pilares inamovíveis, isto é, elevados à dignidade de limites a qualquer alteração constitucional, nos termos do seu artigo 159.º.
Na verdade quando lemos o artigo 159.º da Lei Constitucional e vemos os princípios ali identificados para que sejam respeitados para todo o sempre, a primeira questão que se suscita, é a de saber o que pode trazer de novidade uma futura Constituição que tenha de assentar em todos esses princípios que já estão hoje espelhados na nossa Lei Constitucional.
Se vamos fazer uma nova Constituição em que é que ela será diferente da que já temos, na medida em que o texto fundamental futuro terá também que respeitar todos aqueles princípios fundamentais e estruturantes?
A questão compreende-se melhor se a formularmos assim: considerando que a actual Lei Constitucional, já está conformada com base em determinados princípios estruturantes que ela própria elegeu como limites inultrapassáveis em qualquer futura revisão constitucional, o que é que caracteriza a revisão ou alteração que agora se propõe? Ou dito de outro modo, em que é que os anteprojectos da futura Constituição trazem alguma novidade essencial relativamente à actual Lei Constitucional?
Depois, poderemos ver se alguma novidade incluída em qualquer dos anteprojectos contraria, eventualmente, algum dos limites enunciados no artigo 159.º da Lei Constitucional.
III. EXERCÍCIO DE MEMÓRIA: O QUE MUDOU COM A REVISÃO DE 1992
Recordando o que a Lei Constitucional de 1992 inovou relativamente à Lei Constitucional de 1975, verificamos de forma muito sucinta que a grande alteração foi a passagem de um regime monopartidário para um regime pluripartidário, de um regime de carácter dirigista de inspiração marxista para um sistema aberto e de mercado em que se incentiva a iniciativa privada, se reconhecem vários tipos de propriedade, se reconhece um amplo catálogo de direitos fundamentais, com expressa recepção no nosso direito dos princípios da Carta das Nações Unidas e da carta da União Africana. A denominação do estado deixou de ser Popular passando a designar-se mais simplesmente por República de Angola, assim como no poder judicial, os tribunais deixaram de ser considerados como até então como tribunais populares. Passou-se, assim, de um modelo de estado para um modelo de Estado de Direito e considerou-se este como um dos limites impostos a qualquer alteração futura da Lei Constitucional (alínea c) do artigo 159.º).
IV. O ESTADO DE DIREITO
O que caracteriza o estado de Direito é, desde logo a sua juridicidade e a sua constitucionalidade. Juridicidade porque assenta na lei e constitucionalidade porque se baseia na supremacia de uma lei que vincula todos os poderes públicos e cujos limites e princípios fundamentais têm de ser observados por todas as outras leis.
O Estado de Direito caracteriza-se ainda por estar dotado de um sistema de direitos fundamentais. Já vimos como o elenco dos direitos, liberdades e garantias foi ampliado em 1992. Na actual Lei Constitucional nós encontramos direitos fundamentais, direitos económicos, direitos sociais, e direitos culturais. Este foi um grande passo dado em 1992, com o reconhecimento destes direitos e com a inclusão de uma norma que confere aos cidadãos “o direito de impugnar e recorrer aos tribunais contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente lei e demais legislação” (artigo 43.º da Lei Constitucional). Uma concretização deste princípio pode ser encontrada no artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Processo Constitucional que estabelece que podem ser objecto de recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, todas as sentenças ou actos administrativos definitivos ou executórios que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Lei Constitucional.
V. DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS FUNÇÕES
Os anteprojectos do MPLA e da UNITA (os demais anteprojectos seguem nessa esteira) empenharam-se num aprofundamento e maior diversificação daquele catálogo de direitos liberdades e garantias. Enquanto a Lei Constitucional lhes dedica 35 artigos, o anteprojecto do MPLA refere-se a eles em 59 artigos enquanto a UNITA eleva esse número para 89 no respectivo anteprojecto.
Será de atentar num estudo desta matéria nuclear de qualquer Constituição moderna que muitos dos direitos e princípios são divisões ou explicitações de outros. Muitos são meros sub-princípios ou direitos derivados de outros mais gerais. Na verdade todos eles emergem do reconhecimento do princípio da dignidade humana que deve ser igualmente reconhecida a todos os cidadãos, donde derivam o direito à vida, à integridade física, à liberdade de expressão, de circulação, de acesso à justiça e tantos outros.
O que é talvez mais importante é considerar a função desta inscrição dos direitos fundamentais numa Constituição. Uma primeira função é uma função de defesa que se traduz na atribuição ao Estado de uma competência pela positiva de impor aquilo que deve ser feito para que os direitos sejam respeitados e de uma competência negativa de impor os comportamentos que devem ser omitidos, ou seja a determinação do que não deve ser feito.
Uma segunda função é de prestação social. Muitos dos direitos fundamentais que estão reconhecidos na Constituição não são de realização instantânea. É o caso de alguns direitos como o direito à habitação, à escolarização, ao direito à saúde. Os direitos sociais todos eles decorrem de políticas sociais que o estado tem de promover como tarefas fundamentais e que se traduzem ou pela criação de instituições (hospitais, escolas, habitação social) ou através de serviços que o estado tem de prover aos seus cidadãos. A política da habitação deste Governo, traduzido no objectivo da construção de um milhão de casas inscreve-se numa política que visa satisfazer aquele direito à habitação que sem esta concretização faria dum direito um não direito.
Uma outra função dos direitos é a da sua protecção perante terceiros. O reconhecimento de determinados direitos significa para o estado a obrigação de proteger os seus titulares contra terceiros. Por exemplo os direitos à vida, à integridade física, à segurança implicam, para serem direitos na vida prática, a existência de instituições do Estado que os assegurem.
Finalmente uma função de não discriminação, que exige que o Estado trate todos os seus cidadãos como fundamentalmente iguais. Num Estado de Direito, o que torna as pessoas iguais, independentemente da sua etnia, proveniência, língua, é a lei que lhe dá o direito de serem tratados como iguais e o dever de reconhecer todos os outros como seus iguais perante a lei.
Só à luz destes princípios e direitos é possível ao cidadão exigir do Estado, em qualquer situação, que os seus actos, políticos ou administrativos tenham esse último fundo de legalidade. No uso de poderes discricionários, ou aplicando conceitos de conteúdo muito subjectivado (segurança pública, segurança do Estado, sigilo de Estado) o titular de um poder público pode actuar invocando determinadas prerrogativas legais mas estará sempre, potencialmente sujeito ao escrutínio do respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos inscritos na Constituição. O caso dos desalojamentos e desocupações maciças, embora com respaldo legal, podem em muitos casos constituir uma violação de um direito fundamental como a habitação, ainda que os actos administrativos se tenham fundado nesse direito numa perspectiva geral. É também neste contexto que pode vir a constituir objecto de discussão durante a auscultação o direito à resistência, incluído no anteprojecto da UNITA e que, por sinal, também esteve incluído no anteprojecto do MPLA em 2000 e que figurava igualmente no anteprojecto elaborado pela anterior Comissão constitucional em 2004. Será motivo para debate, sendo certo que este direito suscita questões delicadas como a de saber até que ponto o exercício desse direito justifica a desobediência civil, como por exemplo não acatar uma ordem de uma autoridade.
VI. DIVISÃO DE PODERES
Para além da juridicidade e da constitucionalidade e do sistema de direitos fundamentais, o Estado de Direito caracteriza-se ainda por uma divisão ou separação de poderes que reciprocamente se limitam ou controlam (os chamados checks and balances, ou freios e balanços).
Também o artigo 159.º da Lei Constitucional, na sua alínea f) se refere a esta organização jurídica dos limites dos órgãos no poder, considerando a necessidade de sempre se respeitar “a separação e interdependência dos órgãos de soberania e a independência dos tribunais”.
Este princípio, porém, como todos os princípios, deve ser ponderado face à dinâmica própria da vida política. A história das Constituições é isso mesmo, a adaptação dos princípios às realidades e á evolução política e social. Os poderes de que se fala são três, mas as combinações da interdependência são como a chave ou segredo de um cofre, pode ser 1,2,3 ou 2,1,3 ou 3,1,2, ou 2.3.1 3,2,1 ou 3,2,3. São os mesmos números, eles estão sempre presentes com o mesmo valor, mas as interpenetrações e variações entre eles pode ser muito alargada e podem ser todas válidas desde que se trate de combinações escolhidas livremente ou eleitas.
Em princípio o poder legislativo legisla e não executa, o poder executivo executa e não legisla e o poder judicial julga e não legisla nem administra. Mas estas funções correspondem apenas ao núcleo essencial de cada um destes poderes.
Também a separação não se fica pelos poderes. Dentro de um poder pode haver outras separações ou divisões. Nos poder judicial temos vários tribunais. Mas é no poder executivo que a divisão é capital para a nossa apreciação dos modelos de anteprojectos de Constituição. No poder executivo a dicotomia é estabelecida pelo Presidente da República e pelo Governo, ambos órgãos constitucionais de soberania, sendo que um pessoal e outro colegial, mas autónomo do primeiro.
Para além desta sub-relação (Presidente da República - Governo), a verdade é que nenhum dos poderes, seja ele o legislativo, o executivo ou o judicial actuam no plano constitucional como vasos estanques. Começando pelo legislativo que tem a função de legislar. Não é apenas a Assembleia Nacional que tem este poder. Ele é partilhado com o Governo que para além da sua competência exclusiva em matérias da sua competência exclusiva (em matéria da sua organização, as leis orgânicas dos ministérios, por exemplo) tem igualmente a capacidade de legislar (através de decretos-leis, em todas as matérias para as quais seja autorizado pela Assembleia Nacional.
Mas não se ficam por aqui as interdependências entre o poder legislativo e o poder executivo. Nos termos do Artigo 70.º e 71.º da Lei Constitucional, as lei da Assembleia Nacional têm de ser assinadas pelo Presidente da República, sendo consideradas como inexistentes as leis aprovadas no Parlamento que não sejam promulgadas pelo Presidente da República.
O Governo, por sua vez, tem uma relação de interdependência com o poder legislativo não só porque dele carece para a aprovação do seu orçamento geral do estado, como porque responde diante da Assembleia Nacional, através do Primeiro-Ministro (n.º 2 do artigo 117.º da Lei Constitucional, pela boa ou má execução das suas leis, expondo-se, se for caso disso, a uma moção de censura ou de não confiança (artigo alíneas f) e g) do artigo 118.º da Lei Constitucional).
O Presidente da República, expoente do poder executivo, pode dirigir mensagens à Assembleia Nacional e convocá-la extraordinariamente (alínea f) do artigo 66.º da Lei Constitucional e pode, após consulta ao Primeiro ministro, Presidente da Assembleia Nacional e do Conselho da República, dissolver o Parlamento (alínea e) do mesmo artigo 66.º).
Outra interdependência, agora entre o poder judicial e o poder legislativo e o executivo resulta da competência que lhes cabe de fiscalizar a constitucionalidade das lei e decretos-leis e de qualquer outra norma, bem como de revogar qualquer acto administrativo (que pode ser um acto políticos) quando dele resulte a violação de direitos estabelecidos na Lei Constitucional (artigo 43.º da Lei Constitucional e artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Processo Constitucional).
É neste domínio da separação e interdependência entre os órgãos de soberania que os anteprojectos, em particular os apresentados pelos dois maiores partidos, que se surpreendem as maiores alterações e novidades.
A primeira novidade é a que resulta de deixar de existir a separação, dentro do Poder Executivo, entre Presidente da República e Governo. Deixa pura e simplesmente de existir um órgão de soberania denominado Governo, autónomo do Presidente da República. O Presidente da República passará a ter um gabinete formado pelos ministros como meros auxiliares da sua governação pela qual se tornará o único e exclusivo responsável. Uma novidade proposta pelo MPLA e pela UNITA é a da criação do cargo de Vice-Presidente ao qual caberá não apenas substituir o Presidente da república nas suas ausências, como exercer a presidência até ao fim do mandato no caso de resignação ou impedimento definitivo do Presidente da República.
Com o Poder Executivo centrado na pessoa do Presidente da República, deixa de haver um controlo da Assembleia Nacional sobre os seus actos, sendo em consequência excluídas as figuras jurídicas da moção de censura ou de voto de confiança. Em contrabalanço desta autonomia acentuada, o Presidente da República deixa de poder dissolver o Parlamento.
A dupla responsabilidade do Governo perante o Presidente da República e perante a Assembleia Nacional que caracterizava o regime semi-presidencialista desaparece pretendendo adoptar-se em toda a sua extensão um regime ou forma de governo presidencialista.
Outra novidade em que tanto o Anteprojecto do MPLA e da UNITA coincidem é na uniformização dos prazos de duração dos mandatos do Presidente da República e dos Deputados, embora o primeiro proponha uma duração de 5 anos e a segunda proponha uma duração de 4 anos.
VII. QUESTÕES RELACIONADAS
Todavia, o facto de os mandatos terem uma igual duração aliado ao facto de os mandatos quer dos Deputados quer do Presidente da República não poderem ser interrompidos e estar excluída à partida a possibilidade de eleições antecipadas ou intercalares, irá certamente trazer a debate a realização simultânea das duas eleições.
A questão da simultaneidade das duas eleições tem um contexto diferente no âmbito da actual Lei Constitucional. Nesta, o mandato dos Deputados é de 4 anos, razão pela qual as próximas eleições deverão ser convocadas necessariamente em 2012. Todavia, o mandato presidencial na Lei Constitucional é de 5 anos, razão pela qual, embora as duas eleições se tenham realizado simultaneamente em 1992, elas só voltariam a coincidir em 2012. As legislativas deveriam ter-se realizado em 1996, em 2000, depois em 2004 e finalmente em 2008 (como veio a acontecer) e as presidenciais afastar-se-iam progressivamente até se encontrarem ao fim de quatro mandatos: as eleições presidenciais seriam em 1997, 2002, 2007 e 2012.
Num regime em que os mandatos têm a mesma duração e não podem deixar de chegar sempre até ao fim, casos aquelas eleições (legislativas e presidenciais) se venham a realizar em momentos diferentes nunca mais será possível realizá-las conjuntamente. Pelo contrário, se as duas eleições forem sincronizadas elas sempre se realizarão ao mesmo tempo.
Quer isto dizer que a sincronização retardada que decorre da actual Lei Constitucional, pode com a nova Constituição ser automática e instantânea, o que permite defender a simultaneidade com novos argumentos (questão que não se confunde com a da forma de eleição, directa ou indirecta, com um só boletim ou com boletins diversos, questão essa que dependerá ainda de formulação pela Comissão Técnica e pela Comissão Constitucional e sobre a qual se deverá aguardar a evolução).
Com a questão da simultaneidade está directamente relacionada a questão do calendário eleitoral, despoletada pela expectativa de que as eleições presidenciais se realizariam um ano depois das legislativas de 5 de Setembro de 2008. No quadro dessa expectativa eram admitidos dois cenários: o das eleições presidenciais serem realizadas independentemente da aprovação da nova Constituição ou somente depois da aprovação da nova lei fundamental.
Se é certo que nada impede que as eleições presidenciais ocorram antes da aprovação da nova Constituição, perante o consenso dos dois maiores Partidos em alterar o regime do governo no futuro diploma constitucional, parece evidente que a sua aplicação terá aguardar o fim do mandato presidencial, ou seja diferir a sua entrada em vigor pelo período de cinco anos (duração do mandato do Presidente da República). Não restaria outra opção porque o Presidente seria eleito para exercer os poderes ainda constantes da Lei Constitucional.
Aguardar a aprovação da Constituição é a solução que se afigura a mais adequada e conveniente no interesse geral. A questão é, porém, a de saber quando depois da aprovação da Constituição deve ser realizada a eleição presidencial.
Para se operar a preconizada sincronização, a eleição presidencial poderá ser realizada em 2012, com as eleições legislativas, ou antes de 2012, (mas depois da aprovação da Constituição), por via da dissolução da Assembleia Nacional (pois embora na futura Constituição o futuro Presidente da República deixe de poder dissolver o Parlamento, o actual Presidente pode fazê-lo, no usos dos poderes que lhe estão conferidos pela Lei Constitucional).
Está em curso no nosso País o processo constituinte, ou sejam a execução de um conjunto de actos que visam a aprovação da futura Constituição de Angola. Podemos citar como alguns desses actos a aprovação da Comissão Constitucional, a criação da Comissão Técnica, a apresentação dos anteprojectos por parte dos Partidos com assento parlamentar, a apresentação de sugestões e contribuições da sociedade civil, a consolidação de todo este material pela Comissão Técnica, a auscultação da sociedade civil relativamente ao projecto ou projectos que dimanarem desta Comissão, a discussão do projecto ou projectos na própria Comissão Constitucional e o debate final na Assembleia Nacional Constituinte que tem o poder soberano do Povo para a aprovar.
Não se estando ainda na fase de consulta popular, prevista na lei, para auscultação da sociedade civil, partidos sem representação parlamentar e cidadãos em geral que terá como objecto o projecto ou projectos de Constituição preparados pela Comissão Técnica Constitucional, encontros para reflexão como este, promovido pela OMUNGA, numa das suas Quintas de Debate, têm como objectivo a abordagem de algumas questões preliminares e preparar os espíritos para a fase de auscultação cuja duração e modalidades competirá à Comissão Constitucional estabelecer.
Neste contexto serão abordadas as seguintes questões:
1. Distinção entre revisão constitucional e o exercício de um poder constituinte originário, tendo em conta o disposto no artigo 159.º da Lei Constitucional;
2. O conceito de princípios estruturantes de uma Constituição, à luz da actual Lei Constitucional e dos anteprojectos de Constituição apresentados à Comissão Constitucional;
3. Um breve exercício de memória para recordar o que mudou na revisão constitucional de 1992;
4. O que caracteriza um Estado de Direito;
5. Os direitos fundamentais e as suas principais funções;
6. A concretização do princípio da separação de poderes na Lei Constitucional de Angola e a evolução da organização política do Estado tal como marcada nos anteprojectos apresentados pelas forças políticas com representação parlamentar;
7. Algumas questões relacionadas, simultaneidade e calendário eleitoral.
I. REVISÃO CONSTITUCIONAL E EXERCÍCIO DE PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
Esta questão está relacionada com a aplicação do artigo 159.º da Lei Constitucional que estabelece os limites a respeitar tanto pelas alterações à Lei Constitucional como pela aprovação da Constituição de Angola.
Tem-se discutido se os limites impostos à revisão constitucional se aplicam à aprovação de uma nova Constituição. Ora a disposição é clara e não carece de mais argumentos. A distinção feita neste artigo tem a ver com quaisquer alterações pontuais a introduzir na Lei Constitucional como na aprovação de uma nova lei fundamental a qual tomará o nome de Constituição por ser aprovada por um órgão eleito, como seria se o texto tivesse sido aprovado pela Assembleia Nacional eleita em 1992 ou pela presente Assembleia Nacional saída das eleições de 2008. Recordamos que a actual Lei Constitucional tomou esta designação porque foi aprovada pela Assembleia do Povo, monopartidária e não resultante de uma eleição legislativa.
A Assembleia Nacional que foi eleita em 1992, tinha poderes constituintes e dela se esperava que, para além de eventuais e pontuais alterações à Lei Constitucional viesse a aprovar a nova Constituição. Foi assim que em 1996, ano em que terminaria o mandato dos deputados eleitos em 1992, a Assembleia Nacional aprovou uma Lei de Revisão Constitucional, a Lei n.º 18/96 de 14 de Novembro a qual teve como objectivo conformar constitucionalmente a continuidade da legitimidade da legislatura e ainda prever a constituição do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional.
O que o artigo 159.º estabelece é que tanto as revisões à Lei Constitucional como a aprovação da nova Constituição têm que respeitar indeclinavelmente os princípios ali estabelecidos. Em qualquer dos casos, há uma continuidade constitucional, que remonta a 1975, podendo dizer-se que a actual Lei Constitucional embora a tenha alterado profundamente, continuou a Lei Constitucional de 1975 (ela própria revista mais de uma vez) assim como a futura e nova Constituição será uma continuação da Lei Constitucional de 1992. Embora leis diferentes, elas não representam nenhuma ruptura ou descontinuidade, pois o regime que as instituiu e aprovou é o mesmo.
Diferentemente se passam as coisas quando o poder constituinte é assumido como um poder novo ou originário como quando há uma revolução e uma mudança de regime. Não sendo esse o nosso caso, o actual poder constituinte insere-se numa linha de continuidade que vem desde 1992 com a criação do estado democrático de direito, embora renovado em cada legislatura. Um exemplo de poder constituinte originário foi o exercido pela Assembleia Constituinte eleita em Portugal depois da revolução de 25 de Abril de 1975. A nova Constituição portuguesa marcou uma ruptura e uma descontinuidade com a Constituição de 1933 que vigorava à data daquela Revolução.
II. PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES
De modo a fazer uma comparação entre os princípios estruturantes que modelam os anteprojectos de Constituição que vão sendo conhecidos, convirá antes de mais rever os princípios estruturantes da actual Lei Constitucional. Todos temos uma ideia sobre quais são os princípios estruturantes da nossa Lei Constitucional. Questão interessante é a de saber se além de estruturantes eles foram alcandorados a pilares inamovíveis, isto é, elevados à dignidade de limites a qualquer alteração constitucional, nos termos do seu artigo 159.º.
Na verdade quando lemos o artigo 159.º da Lei Constitucional e vemos os princípios ali identificados para que sejam respeitados para todo o sempre, a primeira questão que se suscita, é a de saber o que pode trazer de novidade uma futura Constituição que tenha de assentar em todos esses princípios que já estão hoje espelhados na nossa Lei Constitucional.
Se vamos fazer uma nova Constituição em que é que ela será diferente da que já temos, na medida em que o texto fundamental futuro terá também que respeitar todos aqueles princípios fundamentais e estruturantes?
A questão compreende-se melhor se a formularmos assim: considerando que a actual Lei Constitucional, já está conformada com base em determinados princípios estruturantes que ela própria elegeu como limites inultrapassáveis em qualquer futura revisão constitucional, o que é que caracteriza a revisão ou alteração que agora se propõe? Ou dito de outro modo, em que é que os anteprojectos da futura Constituição trazem alguma novidade essencial relativamente à actual Lei Constitucional?
Depois, poderemos ver se alguma novidade incluída em qualquer dos anteprojectos contraria, eventualmente, algum dos limites enunciados no artigo 159.º da Lei Constitucional.
III. EXERCÍCIO DE MEMÓRIA: O QUE MUDOU COM A REVISÃO DE 1992
Recordando o que a Lei Constitucional de 1992 inovou relativamente à Lei Constitucional de 1975, verificamos de forma muito sucinta que a grande alteração foi a passagem de um regime monopartidário para um regime pluripartidário, de um regime de carácter dirigista de inspiração marxista para um sistema aberto e de mercado em que se incentiva a iniciativa privada, se reconhecem vários tipos de propriedade, se reconhece um amplo catálogo de direitos fundamentais, com expressa recepção no nosso direito dos princípios da Carta das Nações Unidas e da carta da União Africana. A denominação do estado deixou de ser Popular passando a designar-se mais simplesmente por República de Angola, assim como no poder judicial, os tribunais deixaram de ser considerados como até então como tribunais populares. Passou-se, assim, de um modelo de estado para um modelo de Estado de Direito e considerou-se este como um dos limites impostos a qualquer alteração futura da Lei Constitucional (alínea c) do artigo 159.º).
IV. O ESTADO DE DIREITO
O que caracteriza o estado de Direito é, desde logo a sua juridicidade e a sua constitucionalidade. Juridicidade porque assenta na lei e constitucionalidade porque se baseia na supremacia de uma lei que vincula todos os poderes públicos e cujos limites e princípios fundamentais têm de ser observados por todas as outras leis.
O Estado de Direito caracteriza-se ainda por estar dotado de um sistema de direitos fundamentais. Já vimos como o elenco dos direitos, liberdades e garantias foi ampliado em 1992. Na actual Lei Constitucional nós encontramos direitos fundamentais, direitos económicos, direitos sociais, e direitos culturais. Este foi um grande passo dado em 1992, com o reconhecimento destes direitos e com a inclusão de uma norma que confere aos cidadãos “o direito de impugnar e recorrer aos tribunais contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente lei e demais legislação” (artigo 43.º da Lei Constitucional). Uma concretização deste princípio pode ser encontrada no artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Processo Constitucional que estabelece que podem ser objecto de recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, todas as sentenças ou actos administrativos definitivos ou executórios que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Lei Constitucional.
V. DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS FUNÇÕES
Os anteprojectos do MPLA e da UNITA (os demais anteprojectos seguem nessa esteira) empenharam-se num aprofundamento e maior diversificação daquele catálogo de direitos liberdades e garantias. Enquanto a Lei Constitucional lhes dedica 35 artigos, o anteprojecto do MPLA refere-se a eles em 59 artigos enquanto a UNITA eleva esse número para 89 no respectivo anteprojecto.
Será de atentar num estudo desta matéria nuclear de qualquer Constituição moderna que muitos dos direitos e princípios são divisões ou explicitações de outros. Muitos são meros sub-princípios ou direitos derivados de outros mais gerais. Na verdade todos eles emergem do reconhecimento do princípio da dignidade humana que deve ser igualmente reconhecida a todos os cidadãos, donde derivam o direito à vida, à integridade física, à liberdade de expressão, de circulação, de acesso à justiça e tantos outros.
O que é talvez mais importante é considerar a função desta inscrição dos direitos fundamentais numa Constituição. Uma primeira função é uma função de defesa que se traduz na atribuição ao Estado de uma competência pela positiva de impor aquilo que deve ser feito para que os direitos sejam respeitados e de uma competência negativa de impor os comportamentos que devem ser omitidos, ou seja a determinação do que não deve ser feito.
Uma segunda função é de prestação social. Muitos dos direitos fundamentais que estão reconhecidos na Constituição não são de realização instantânea. É o caso de alguns direitos como o direito à habitação, à escolarização, ao direito à saúde. Os direitos sociais todos eles decorrem de políticas sociais que o estado tem de promover como tarefas fundamentais e que se traduzem ou pela criação de instituições (hospitais, escolas, habitação social) ou através de serviços que o estado tem de prover aos seus cidadãos. A política da habitação deste Governo, traduzido no objectivo da construção de um milhão de casas inscreve-se numa política que visa satisfazer aquele direito à habitação que sem esta concretização faria dum direito um não direito.
Uma outra função dos direitos é a da sua protecção perante terceiros. O reconhecimento de determinados direitos significa para o estado a obrigação de proteger os seus titulares contra terceiros. Por exemplo os direitos à vida, à integridade física, à segurança implicam, para serem direitos na vida prática, a existência de instituições do Estado que os assegurem.
Finalmente uma função de não discriminação, que exige que o Estado trate todos os seus cidadãos como fundamentalmente iguais. Num Estado de Direito, o que torna as pessoas iguais, independentemente da sua etnia, proveniência, língua, é a lei que lhe dá o direito de serem tratados como iguais e o dever de reconhecer todos os outros como seus iguais perante a lei.
Só à luz destes princípios e direitos é possível ao cidadão exigir do Estado, em qualquer situação, que os seus actos, políticos ou administrativos tenham esse último fundo de legalidade. No uso de poderes discricionários, ou aplicando conceitos de conteúdo muito subjectivado (segurança pública, segurança do Estado, sigilo de Estado) o titular de um poder público pode actuar invocando determinadas prerrogativas legais mas estará sempre, potencialmente sujeito ao escrutínio do respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos inscritos na Constituição. O caso dos desalojamentos e desocupações maciças, embora com respaldo legal, podem em muitos casos constituir uma violação de um direito fundamental como a habitação, ainda que os actos administrativos se tenham fundado nesse direito numa perspectiva geral. É também neste contexto que pode vir a constituir objecto de discussão durante a auscultação o direito à resistência, incluído no anteprojecto da UNITA e que, por sinal, também esteve incluído no anteprojecto do MPLA em 2000 e que figurava igualmente no anteprojecto elaborado pela anterior Comissão constitucional em 2004. Será motivo para debate, sendo certo que este direito suscita questões delicadas como a de saber até que ponto o exercício desse direito justifica a desobediência civil, como por exemplo não acatar uma ordem de uma autoridade.
VI. DIVISÃO DE PODERES
Para além da juridicidade e da constitucionalidade e do sistema de direitos fundamentais, o Estado de Direito caracteriza-se ainda por uma divisão ou separação de poderes que reciprocamente se limitam ou controlam (os chamados checks and balances, ou freios e balanços).
Também o artigo 159.º da Lei Constitucional, na sua alínea f) se refere a esta organização jurídica dos limites dos órgãos no poder, considerando a necessidade de sempre se respeitar “a separação e interdependência dos órgãos de soberania e a independência dos tribunais”.
Este princípio, porém, como todos os princípios, deve ser ponderado face à dinâmica própria da vida política. A história das Constituições é isso mesmo, a adaptação dos princípios às realidades e á evolução política e social. Os poderes de que se fala são três, mas as combinações da interdependência são como a chave ou segredo de um cofre, pode ser 1,2,3 ou 2,1,3 ou 3,1,2, ou 2.3.1 3,2,1 ou 3,2,3. São os mesmos números, eles estão sempre presentes com o mesmo valor, mas as interpenetrações e variações entre eles pode ser muito alargada e podem ser todas válidas desde que se trate de combinações escolhidas livremente ou eleitas.
Em princípio o poder legislativo legisla e não executa, o poder executivo executa e não legisla e o poder judicial julga e não legisla nem administra. Mas estas funções correspondem apenas ao núcleo essencial de cada um destes poderes.
Também a separação não se fica pelos poderes. Dentro de um poder pode haver outras separações ou divisões. Nos poder judicial temos vários tribunais. Mas é no poder executivo que a divisão é capital para a nossa apreciação dos modelos de anteprojectos de Constituição. No poder executivo a dicotomia é estabelecida pelo Presidente da República e pelo Governo, ambos órgãos constitucionais de soberania, sendo que um pessoal e outro colegial, mas autónomo do primeiro.
Para além desta sub-relação (Presidente da República - Governo), a verdade é que nenhum dos poderes, seja ele o legislativo, o executivo ou o judicial actuam no plano constitucional como vasos estanques. Começando pelo legislativo que tem a função de legislar. Não é apenas a Assembleia Nacional que tem este poder. Ele é partilhado com o Governo que para além da sua competência exclusiva em matérias da sua competência exclusiva (em matéria da sua organização, as leis orgânicas dos ministérios, por exemplo) tem igualmente a capacidade de legislar (através de decretos-leis, em todas as matérias para as quais seja autorizado pela Assembleia Nacional.
Mas não se ficam por aqui as interdependências entre o poder legislativo e o poder executivo. Nos termos do Artigo 70.º e 71.º da Lei Constitucional, as lei da Assembleia Nacional têm de ser assinadas pelo Presidente da República, sendo consideradas como inexistentes as leis aprovadas no Parlamento que não sejam promulgadas pelo Presidente da República.
O Governo, por sua vez, tem uma relação de interdependência com o poder legislativo não só porque dele carece para a aprovação do seu orçamento geral do estado, como porque responde diante da Assembleia Nacional, através do Primeiro-Ministro (n.º 2 do artigo 117.º da Lei Constitucional, pela boa ou má execução das suas leis, expondo-se, se for caso disso, a uma moção de censura ou de não confiança (artigo alíneas f) e g) do artigo 118.º da Lei Constitucional).
O Presidente da República, expoente do poder executivo, pode dirigir mensagens à Assembleia Nacional e convocá-la extraordinariamente (alínea f) do artigo 66.º da Lei Constitucional e pode, após consulta ao Primeiro ministro, Presidente da Assembleia Nacional e do Conselho da República, dissolver o Parlamento (alínea e) do mesmo artigo 66.º).
Outra interdependência, agora entre o poder judicial e o poder legislativo e o executivo resulta da competência que lhes cabe de fiscalizar a constitucionalidade das lei e decretos-leis e de qualquer outra norma, bem como de revogar qualquer acto administrativo (que pode ser um acto políticos) quando dele resulte a violação de direitos estabelecidos na Lei Constitucional (artigo 43.º da Lei Constitucional e artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Processo Constitucional).
É neste domínio da separação e interdependência entre os órgãos de soberania que os anteprojectos, em particular os apresentados pelos dois maiores partidos, que se surpreendem as maiores alterações e novidades.
A primeira novidade é a que resulta de deixar de existir a separação, dentro do Poder Executivo, entre Presidente da República e Governo. Deixa pura e simplesmente de existir um órgão de soberania denominado Governo, autónomo do Presidente da República. O Presidente da República passará a ter um gabinete formado pelos ministros como meros auxiliares da sua governação pela qual se tornará o único e exclusivo responsável. Uma novidade proposta pelo MPLA e pela UNITA é a da criação do cargo de Vice-Presidente ao qual caberá não apenas substituir o Presidente da república nas suas ausências, como exercer a presidência até ao fim do mandato no caso de resignação ou impedimento definitivo do Presidente da República.
Com o Poder Executivo centrado na pessoa do Presidente da República, deixa de haver um controlo da Assembleia Nacional sobre os seus actos, sendo em consequência excluídas as figuras jurídicas da moção de censura ou de voto de confiança. Em contrabalanço desta autonomia acentuada, o Presidente da República deixa de poder dissolver o Parlamento.
A dupla responsabilidade do Governo perante o Presidente da República e perante a Assembleia Nacional que caracterizava o regime semi-presidencialista desaparece pretendendo adoptar-se em toda a sua extensão um regime ou forma de governo presidencialista.
Outra novidade em que tanto o Anteprojecto do MPLA e da UNITA coincidem é na uniformização dos prazos de duração dos mandatos do Presidente da República e dos Deputados, embora o primeiro proponha uma duração de 5 anos e a segunda proponha uma duração de 4 anos.
VII. QUESTÕES RELACIONADAS
Todavia, o facto de os mandatos terem uma igual duração aliado ao facto de os mandatos quer dos Deputados quer do Presidente da República não poderem ser interrompidos e estar excluída à partida a possibilidade de eleições antecipadas ou intercalares, irá certamente trazer a debate a realização simultânea das duas eleições.
A questão da simultaneidade das duas eleições tem um contexto diferente no âmbito da actual Lei Constitucional. Nesta, o mandato dos Deputados é de 4 anos, razão pela qual as próximas eleições deverão ser convocadas necessariamente em 2012. Todavia, o mandato presidencial na Lei Constitucional é de 5 anos, razão pela qual, embora as duas eleições se tenham realizado simultaneamente em 1992, elas só voltariam a coincidir em 2012. As legislativas deveriam ter-se realizado em 1996, em 2000, depois em 2004 e finalmente em 2008 (como veio a acontecer) e as presidenciais afastar-se-iam progressivamente até se encontrarem ao fim de quatro mandatos: as eleições presidenciais seriam em 1997, 2002, 2007 e 2012.
Num regime em que os mandatos têm a mesma duração e não podem deixar de chegar sempre até ao fim, casos aquelas eleições (legislativas e presidenciais) se venham a realizar em momentos diferentes nunca mais será possível realizá-las conjuntamente. Pelo contrário, se as duas eleições forem sincronizadas elas sempre se realizarão ao mesmo tempo.
Quer isto dizer que a sincronização retardada que decorre da actual Lei Constitucional, pode com a nova Constituição ser automática e instantânea, o que permite defender a simultaneidade com novos argumentos (questão que não se confunde com a da forma de eleição, directa ou indirecta, com um só boletim ou com boletins diversos, questão essa que dependerá ainda de formulação pela Comissão Técnica e pela Comissão Constitucional e sobre a qual se deverá aguardar a evolução).
Com a questão da simultaneidade está directamente relacionada a questão do calendário eleitoral, despoletada pela expectativa de que as eleições presidenciais se realizariam um ano depois das legislativas de 5 de Setembro de 2008. No quadro dessa expectativa eram admitidos dois cenários: o das eleições presidenciais serem realizadas independentemente da aprovação da nova Constituição ou somente depois da aprovação da nova lei fundamental.
Se é certo que nada impede que as eleições presidenciais ocorram antes da aprovação da nova Constituição, perante o consenso dos dois maiores Partidos em alterar o regime do governo no futuro diploma constitucional, parece evidente que a sua aplicação terá aguardar o fim do mandato presidencial, ou seja diferir a sua entrada em vigor pelo período de cinco anos (duração do mandato do Presidente da República). Não restaria outra opção porque o Presidente seria eleito para exercer os poderes ainda constantes da Lei Constitucional.
Aguardar a aprovação da Constituição é a solução que se afigura a mais adequada e conveniente no interesse geral. A questão é, porém, a de saber quando depois da aprovação da Constituição deve ser realizada a eleição presidencial.
Para se operar a preconizada sincronização, a eleição presidencial poderá ser realizada em 2012, com as eleições legislativas, ou antes de 2012, (mas depois da aprovação da Constituição), por via da dissolução da Assembleia Nacional (pois embora na futura Constituição o futuro Presidente da República deixe de poder dissolver o Parlamento, o actual Presidente pode fazê-lo, no usos dos poderes que lhe estão conferidos pela Lei Constitucional).
DADOS BIOGRÁFICOS:
ONOFRE DOS SANTOS nascido em Luanda em 1941 é mais conhecido por ter sido o Director Geral das Eleições em 1992. É advogado de profissão e trabalhou durante 12 anos para as Nações Unidas em vários países de África, a acompanhar processos eleitorais.
Hoje é Juíz Conselheiro do Tribunal Constitucional.
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