Luanda, 24 de Abril de 2013
Boa tarde e
muito obrigada por terem vindo.
Esta é a minha primeira
visita à Angola na qualidade de Alta Comissária para os Direitos Humanos. Acredito
que tenha sido frutífera. Após ter ouvido sobre os progressos alcançados pelo
país nos últimos dez (10) anos, decidi constatar pessoalmente o quanto já foi
alcançado e quais são os principais desafios ainda existente na área dos
Direitos Humanos, bem como disponibilizar ao Governo o apoio do meu escritório na
procura de soluções para alguns desses desafios. Gostaria ainda de agradecer ao
Governo pelo convite.
Durante a minha visita
de três dias, tive encontros com o Presidente José Eduardo dos Santos, o
Ministro das Relações Exteriores, o Ministro da Justiça e Direitos Humanos, o
Ministro do Interior, a Ministra da Família e Promoção da Mulher e a Procuradoria-geral
da República. Mantive igualmente, encontros com membros do Tribunal
Constitucional, com o Provedor de Justiça e o Governador da província da Lunda
Norte, com quem tive a oportunidade de abordar várias questões relacionadas aos
emigrantes ilegais. Visitei também a fronteira com a República Democrática do
Congo.
Logo após a minha
chegada, no Domingo, realizei um encontro bastante informativo com cerca de
trinta (30) membros das organizações da sociedade civil angolana, alguns dos
quais vieram de províncias distantes para poderem participar do encontro.
Angola tem incontestavelmente feito grandes
progressos nos últimos dez (10) anos, desde o fim do conflito em 2002,
auxiliada por recursos naturais abundantes, especialmente petróleo e diamantes.
O Governo tem investido fortemente nas mais importantes infra-estruturas, tais
como escolas, hospitais, grandes projectos habitacionais, água e energia
eléctrica, melhoria das instituições prisionais e na reabilitação de milhares
de quilómetros de estradas. Continua o trabalho de remoção de milhares de minas
terrestres que têm assolado o lindo, fértil e extremamente despovoado interior
do país.
Este desenvolvimento não foi alcançado sem
controvérsia. Duas questões que sempre foram trazidas à minha atenção são as
enormes disparidades que se desenvolveram entre os ricos e os pobres e os
métodos por vezes duros para expulsar as pessoas de terrenos destinados para
projectos de desenvolvimento, especialmente dentro e nos arredores de Luanda.
Durante o meu encontro com o Presidente dos Santos,
esta manhã, destaquei a importância de se reduzir essas disparidades nos
próximos quatro ou cinco anos. Questões relacionadas, tais como a corrupção, o desemprego,
o elevado custo de vida e a pobreza extrema, devem ser resolvidas antes que se
criem desilusões, especialmente entre a juventude no país.
Nos meus encontros com os membros do governo,
enfatizei igualmente a necessidade de um fortalecimento contínuo da protecção
dos direitos humanos dos cidadãos, atendendo que o desenvolvimento de
infra-estruturas, sem o desenvolvimento paralelo dos Direitos Humanos é
insuficiente e autodestrutivo. Em determinadas circunstâncias, isso pode levar à
agitação social e política, especialmente se uma camada da população se sentir
excluída dos ganhos económicos do país.
Estouparticularmente
preocupada como fato de que milhões de angolanos não foram registados, incluindo
68 por cento de crianças menores de cinco anos. Isso acarreta
enormes implicações para a sua futura capacidade para desempenhar um papel activo
na sociedade, receber benefícios e encontrar um emprego,
podendo potencialmente levar a problemas de existência de pessoas apátridas.
Eu entendo que o Governo esteja a tomar medidas significativas para
rectificar esta situação, todavia, exorto para que o registo de
nascimento seja tornado uma grande prioridade.
O
Presidente informou-me, que como consequência imediata da guerra, houve a
necessidade de se priorizar o sector das infra-estruturas e que o Governo neste
momento pretende concentrar-se mais nas famílias e na melhoria das suas vidas,
citando dados estatísticos que demonstram uma redução substancial da pobreza. O
Governo aumentou igualmente o orçamento do Estado para o sector social em
2013.
Angola tem
uma nova Constituição, que é forte em matéria de Direitos Humanos, e um Tribunal Constitucional reestruturado
para garantir que a mesma seja observada. O Governo tem também criado novas leis para fortalecer as protecções garantidas pela Constituição. O mesmo tem alcançado progressos
impressionantes sobre os direitos das mulheres, em particular, com a
promulgação da Lei sobre a participação da mulher na vida política, elevando actualmente a representatividade de mulheres
parlamentares para 34 por cento. Uma nova e importante Lei contra
a Violência Doméstica foi igualmente aprovada há dois
anos. O Governo forneceu-me detalhes da sua estratégia para tentar aumentar o
impacto dessa lei, através de programas de educação e de sensibilização pública.
Todavia,
novas leis, emendas às leis existentes e a implementação adequada são
necessárias para se tirar o máximo proveito de uma
Constituição baseada em princípios. O acesso à justiça é
um problema a vários níveis, e os benefícios do novo Tribunal
Constitucional ainda não estão sendo plenamente materializados, com muito
poucos processos judiciais chave que estimulam uma
mudança mais benéfica para as leis e as instituições de
apoio do país.
Ainda existem
problemas, como por exemplo, no conteúdo, na interpretação e na aplicação das
leis sobre a liberdade de expressão e a liberdade de reunião, com a polícia, muitas das vezes reprimindo
as manifestações de uma forma agressiva. Além disso, continuamos
a receber relatórios periódicos de casos de detenção arbitrária e uso excessivo
da força - especialmente, mas não apenas, em Cabinda.
Durante
esta visita, levantei, com os Ministérios competentes, a questão dos
casos não resolvidos de dois organizadores de uma manifestação de ex-militares que reivindicavam pensões não pagas, que
desapareceram logo após uma manifestação em Maio de 2012.Fui assegurada pelo Ministro do Interior
e pelo Gabinete do Procurador-Geral da República de que
uma investigação foi iniciada e a mesma continua até agora. Espero que em breve a mesma trará à luz o que
aconteceu com os dois homens e que todos os responsáveis por abusos,
neste caso, sejam levados à justiça. É imperativo que sempre
que existem denúncias de alegados abusos por parte das
autoridades, que sejam levadas a cabo investigações credíveis
e transparentes, e quando os abusos são confirmados, os
seus autores sejam plenamente responsabilizados nos termos da lei.
Enquanto
que
os meios de comunicação, principalmente, os privados,
são geralmente livres de criticar as autoridades em Angola,
a lei sobre a difamação constitui uma
ameaça ao jornalismo investigativo, sendo melhor substituí-la por uma lei mais
clara sobre o incitamento, que pode ser um crime. O
direito internacional (artigos 19 e 20 do Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos) estabelece
um limite elevado em termos de quando podem ser colocados limites à liberdade
de expressão. Também são necessários esforços para
levantar as restrições e ampliar o alcance da mídia independente –
especialmente a rádio e a TV –e aumentar
o acesso de diferentes pontos de vista nos meios de
comunicação estatais. A mídia livre e pluralista é uma componente essencial de
uma democracia multipartidária e exorto ao governo a respeitar
as opiniões divergentes.
Uma
sociedade civil forte é também vital para uma democracia próspera e as organizações
da sociedade civil em Angola sentem-se claramente vulneráveis
e, portanto limitadas. A liberdade de associação, a liberdade de manifestar
e a liberdade para investigar e expor possíveis
abusos, não devem ser prejudicadas por acções agressivas,
ameaças e intimidações por parte das autoridades. Tenho instado
o Governo a estabelecer um diálogo mais construtivo com a sociedade civil.
Angola aboliu
a pena de morte há mais de 20 anos. Angola também ratificou
os mais importantes Tratados Internacionais de Direitos Humanos,
com duas notáveis excepções, nomeadamente a Convenção contra a
Tortura e a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial. Muito
embora eu não veja a tortura ou a discriminação
racial como sendo um dos grandes desafios em Angola,
a ratificação dos dois Tratados demonstraria claramente que o
Governo está comprometido com os mesmos, por essa razão exortei para que
ratificasse ambos instrumentos.
Como fiz
menção anteriormente, a expropriação de terras para o
desenvolvimento é uma questão que frequentemente desperta grandes preocupações. Reconheço que o Governo deve ocasionalmente
expropriar terras para a realização de projectos necessários para o
desenvolvimento de uma economia próspera e moderna. No entanto, as
pessoas nunca devem ser desalojadas, nem as suas habitações demolidas,
sem consulta prévia, remuneração adequada e habitação
alternativa a ser disponibilizada para os visados.
Muitos assentamentos
informais em Angola são o produto de um deslocamento causado pela guerra
ou pela extrema pobreza. As pessoas que vivem nelas devem ser tratadas com
sensibilidade. Questões como a proximidade do seu novo local de residência em
relação ao seu local de trabalho precisam ser levadas em conta, senão os seus meios de subsistência poderão ser destruídos juntamente com as
suas casas e dignidade. Existem normas internacionais
claras sobre a apropriação de bens e realojamento de pessoas. Sugeri que o
Governo aceitasse a visita do Relator Especial da ONU sobre o direito à habitação
adequada e sinto-me feliz por terem concordado com a visita. Missões de uma
série de peritos independentes nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos - da
qual Angola é actualmente membro – seriam igualmente proveitosas.
O outro grande problema que
discuti em profundidade durante a minha visita tem a ver com as persistentes denúncias
de alegados abusos
– especialmente de índole sexual - por membros das
forças de segurança e oficiais da fronteira. Concordo
plenamente que a entrada irregular de dezenas de milhares de migrantes em Angola
todos os anos, muitos buscando de forma ilegal a exploração de diamantes, está a causar grandes problemas para o Governo, que tem o direito de definir os limites de migração e de regulamentar essa indústria chave. O Governo também tem o direito de deportar imigrantes
em situação irregular, mas deve fazê-lo de forma humana
e em plena conformidade com as leis e normas internacionais
de direitos humanos. Eu apoio os esforços para a resolução desta questão extremamente complexa e difícil a nível regional
e concordei levantar a questão de uma cooperação mais estreita com a RDC,
onde cerca de 80 por cento dos imigrantes, que entram em Angola,
são oriundos.
Entretanto
a necessidade de combater as violações dos direitos humanos contra os migrantes
em território angolano é somente da responsabilidade do Governo de
Angola. Durante a minha visita à uma remota zona fronteiriça na Lunda Norte,
recebi indicações de que o abuso sexual de mulheres migrantes continua,
bem como o furto de bens. As denúncias
de abuso sexual de mulheres migrante ao longo desta fronteira têm persistido durante
grande parte dos últimos dez anos.
Muito embora a escala do problema possa
ser contestada, um estupro é um estupro, especialmente quando cometido por
um membro das forças de segurança que deve proteger os civis de crimes. Eu
acredito que uma investigação transfronteiriça cabal e
transparente já deveria ter sido realizada. Devem
se desenvolver grandes esforços para sensibilizar os guardas e policiais da fronteira, deixando bem claro que tais crimes não
serão tolerados. Qualquer um que tenha abusado sexualmente de qualquer mulher, incluindo
as migrantes irregulares - ou outras - deve sentir a plena forçada lei.
Uma
maneira de melhorar as leis de direitos humanos de Angola, e de
monitorar a sua implementação efectiva, seria
de criar um Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) de pleno
direito em conformidade
com o sistema internacional conhecido como Princípios
de Paris. Existem hoje no mundo mais
de 100 países com tais instituições, mas Angola não está
entre eles. Eu ofereci os meus
serviços para ajudar na criação de um instituto do género, uma vez que
tais instituições podem desempenhar um papel verdadeiramente vital
no reforço dos direitos humanos - por exemplo, dirigindo
casos chave para os Tribunais, dando assessoria na elaboração da legislação e apoio às organizações da
sociedade civil.
Manifestei
igualmente a minha vontade, e a da Coordenadora Residente das Nações Unidas, de
apoiar na nomeação de um Assessor de Direitos Humanos do
meu escritório que viria trabalhar em Angola. Saúdo
calorosamente a resposta positiva do Governo à esta proposta, uma vez
que os Assessores de Direitos Humanos também podem fornecer um
apoio inestimável aos governos e às Equipas da ONU no País.
Apesar
da natureza sensível de alguns dos tópicos que levantei, pude notar que o Presidente e os seus Ministros têm
estado muito empenhados e as nossas discussões
foram extremamente construtivas. O Governo aceitou prontamente que ainda
existem problemas e discutimos formas de realizarmos as melhorias necessárias.
Em
geral, a minha impressão no final desta visita é de que o Governo de Angola está verdadeiramente empenhado em melhorar as
questões dos direitos humanos. Se o Governo criar uma Instituição Nacional de
Direitos Humanos robusta, se o Tribunal Constitucional fizer
jus ao seu potencial e se as outras instituições
chave do Estado continuarem a lutar para melhorarem cada
vez mais, acredito que Angola poderá tornar-se
um modelo não apenas nesta região, mas também para outros países.