25/04/2013

Discurso de abertura proferido pela Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, na conferência de imprensa durante a sua missão em Angola



 
Luanda, 24 de Abril de 2013


Boa tarde e muito obrigada por terem vindo.

Esta é a minha primeira visita à Angola na qualidade de Alta Comissária para os Direitos Humanos. Acredito que tenha sido frutífera. Após ter ouvido sobre os progressos alcançados pelo país nos últimos dez (10) anos, decidi constatar pessoalmente o quanto já foi alcançado e quais são os principais desafios ainda existente na área dos Direitos Humanos, bem como disponibilizar ao Governo o apoio do meu escritório na procura de soluções para alguns desses desafios. Gostaria ainda de agradecer ao Governo pelo convite.

Durante a minha visita de três dias, tive encontros com o Presidente José Eduardo dos Santos, o Ministro das Relações Exteriores, o Ministro da Justiça e Direitos Humanos, o Ministro do Interior, a Ministra da Família e Promoção da Mulher e a Procuradoria-geral da República. Mantive igualmente, encontros com membros do Tribunal Constitucional, com o Provedor de Justiça e o Governador da província da Lunda Norte, com quem tive a oportunidade de abordar várias questões relacionadas aos emigrantes ilegais. Visitei também a fronteira com a República Democrática do Congo.

Logo após a minha chegada, no Domingo, realizei um encontro bastante informativo com cerca de trinta (30) membros das organizações da sociedade civil angolana, alguns dos quais vieram de províncias distantes para poderem participar do encontro.

Angola tem incontestavelmente feito grandes progressos nos últimos dez (10) anos, desde o fim do conflito em 2002, auxiliada por recursos naturais abundantes, especialmente petróleo e diamantes. O Governo tem investido fortemente nas mais importantes infra-estruturas, tais como escolas, hospitais, grandes projectos habitacionais, água e energia eléctrica, melhoria das instituições prisionais e na reabilitação de milhares de quilómetros de estradas. Continua o trabalho de remoção de milhares de minas terrestres que têm assolado o lindo, fértil e extremamente despovoado interior do país.

Este desenvolvimento não foi alcançado sem controvérsia. Duas questões que sempre foram trazidas à minha atenção são as enormes disparidades que se desenvolveram entre os ricos e os pobres e os métodos por vezes duros para expulsar as pessoas de terrenos destinados para projectos de desenvolvimento, especialmente dentro e nos arredores de Luanda.

Durante o meu encontro com o Presidente dos Santos, esta manhã, destaquei a importância de se reduzir essas disparidades nos próximos quatro ou cinco anos. Questões relacionadas, tais como a corrupção, o desemprego, o elevado custo de vida e a pobreza extrema, devem ser resolvidas antes que se criem desilusões, especialmente entre a juventude no país.

Nos meus encontros com os membros do governo, enfatizei igualmente a necessidade de um fortalecimento contínuo da protecção dos direitos humanos dos cidadãos, atendendo que o desenvolvimento de infra-estruturas, sem o desenvolvimento paralelo dos Direitos Humanos é insuficiente e autodestrutivo. Em determinadas circunstâncias, isso pode levar à agitação social e política, especialmente se uma camada da população se sentir excluída dos ganhos económicos do país.

Estouparticularmente preocupada como fato de que milhões de angolanos não foram registados, incluindo 68 por cento de crianças menores de cinco anos. Isso acarreta enormes implicações para a sua futura capacidade para desempenhar um papel activo na sociedade, receber benefícios e encontrar um emprego, podendo potencialmente levar a problemas de existência de pessoas apátridas. Eu entendo que o Governo esteja a tomar medidas significativas para rectificar esta situação, todavia, exorto para que o registo de nascimento seja tornado uma grande prioridade.

O Presidente informou-me, que como consequência imediata da guerra, houve a necessidade de se priorizar o sector das infra-estruturas e que o Governo neste momento pretende concentrar-se mais nas famílias e na melhoria das suas vidas, citando dados estatísticos que demonstram uma redução substancial da pobreza. O Governo aumentou igualmente o orçamento do Estado para o sector social em 2013.   

Angola tem uma nova Constituição, que é forte em matéria de Direitos Humanos, e um Tribunal Constitucional reestruturado para garantir que a mesma seja observada. O Governo tem também criado novas leis para fortalecer as protecções garantidas pela Constituição. O mesmo tem alcançado progressos impressionantes sobre os direitos das mulheres, em particular, com a promulgação da Lei sobre a participação da mulher na vida política, elevando actualmente a representatividade de mulheres parlamentares para 34 por cento. Uma nova e importante Lei contra a Violência Doméstica foi igualmente aprovada há dois anos. O Governo forneceu-me detalhes da sua estratégia para tentar aumentar o impacto dessa lei, através de programas de educação e de sensibilização pública.

Todavia, novas leis, emendas às leis existentes e a implementação adequada são necessárias para se tirar o máximo proveito de uma Constituição baseada em princípios. O acesso à justiça é um problema a vários níveis, e os benefícios do novo Tribunal Constitucional ainda não estão sendo plenamente materializados, com muito poucos processos judiciais chave que estimulam uma mudança mais benéfica para as leis e as instituições de apoio do país.

Ainda existem problemas, como por exemplo, no conteúdo, na interpretação e na aplicação das leis sobre a liberdade de expressão e a liberdade de reunião, com a polícia, muitas das vezes reprimindo as manifestações de uma forma agressiva. Além disso, continuamos a receber relatórios periódicos de casos de detenção arbitrária e uso excessivo da força - especialmente, mas não apenas, em Cabinda.

Durante esta visita, levantei, com os Ministérios competentes, a questão dos casos não resolvidos de dois organizadores de uma manifestação de ex-militares que reivindicavam pensões não pagas, que desapareceram logo após uma manifestação em Maio de 2012.Fui assegurada pelo Ministro do Interior e pelo Gabinete do Procurador-Geral da República de que uma investigação foi iniciada e a mesma continua até agora. Espero que em breve a mesma trará à luz o que aconteceu com os dois homens e que todos os responsáveis ​​por abusos, neste caso, sejam levados à justiça. É imperativo que sempre que existem denúncias de alegados abusos por parte das autoridades, que sejam levadas a cabo investigações credíveis e transparentes, e quando os abusos são confirmados, os seus autores sejam plenamente responsabilizados nos termos da lei.

Enquanto que os meios de comunicação, principalmente, os privados, são geralmente livres de criticar as autoridades em Angola, a lei sobre a difamação constitui uma ameaça ao jornalismo investigativo, sendo melhor substituí-la por uma lei mais clara sobre o incitamento, que pode ser um crime. O direito internacional (artigos 19 e 20 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos) estabelece um limite elevado em termos de quando podem ser colocados limites à liberdade de expressão. Também são necessários esforços para levantar as restrições e ampliar o alcance da mídia independente – especialmente a rádio e a TV –e aumentar o acesso de diferentes pontos de vista nos meios de comunicação estatais. A mídia livre e pluralista é uma componente essencial de uma democracia multipartidária e exorto ao governo a respeitar as opiniões divergentes.

Uma sociedade civil forte é também vital para uma democracia próspera e as organizações da sociedade civil em Angola sentem-se claramente vulneráveis ​​e, portanto limitadas. A liberdade de associação, a liberdade de manifestar e a liberdade para investigar e expor possíveis abusos, não devem ser prejudicadas por acções agressivas, ameaças e intimidações por parte das autoridades. Tenho instado o Governo a estabelecer um diálogo mais construtivo com a sociedade civil.

Angola aboliu a pena de morte mais de 20 anos. Angola também ratificou os mais importantes Tratados Internacionais de Direitos Humanos, com duas notáveis excepções, nomeadamente a Convenção contra a Tortura e a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial. Muito embora eu não veja a tortura ou a discriminação racial como sendo um dos grandes desafios em Angola, a ratificação dos dois Tratados demonstraria claramente que o Governo está comprometido com os mesmos, por essa razão exortei para que ratificasse ambos instrumentos.

Como fiz menção anteriormente, a expropriação de terras para o desenvolvimento é uma questão que frequentemente desperta grandes preocupações. Reconheço que o Governo deve ocasionalmente expropriar terras para a realização de projectos necessários para o desenvolvimento de uma economia próspera e moderna. No entanto, as pessoas nunca devem ser desalojadas, nem as suas habitações demolidas, sem consulta prévia, remuneração adequada e habitação alternativa a ser disponibilizada para os visados.

Muitos assentamentos informais em Angola são o produto de um deslocamento causado pela guerra ou pela extrema pobreza. As pessoas que vivem nelas devem ser tratadas com sensibilidade. Questões como a proximidade do seu novo local de residência em relação ao seu local de trabalho precisam ser levadas em conta, senão os seus meios de subsistência poderão ser destruídos juntamente com as suas casas e dignidade. Existem normas internacionais claras sobre a apropriação de bens e realojamento de pessoas. Sugeri que o Governo aceitasse a visita do Relator Especial da ONU sobre o direito à habitação adequada e sinto-me feliz por terem concordado com a visita. Missões de uma série de peritos independentes nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos - da qual Angola é actualmente membro – seriam igualmente proveitosas.

O outro grande problema que discuti em profundidade durante a minha visita tem a ver com as persistentes denúncias de alegados abusos – especialmente de índole sexual - por membros das forças de segurança e oficiais da fronteira. Concordo plenamente que a entrada irregular de dezenas de milhares de migrantes em Angola todos os anos, muitos buscando de forma ilegal a exploração de diamantes, está a causar grandes problemas para o Governo, que tem o direito de definir os limites de migração e de regulamentar essa indústria chave. O Governo também tem o direito de deportar imigrantes em situação irregular, mas deve fazê-lo de forma humana e em plena conformidade com as leis e normas internacionais de direitos humanos. Eu apoio os esforços para a resolução desta questão extremamente complexa e difícil a nível regional e concordei levantar a questão de uma cooperação mais estreita com a RDC, onde cerca de 80 por cento dos imigrantes, que entram em Angola, são oriundos.

Entretanto a necessidade de combater as violações dos direitos humanos contra os migrantes em território angolano é somente da responsabilidade do Governo de Angola. Durante a minha visita à uma remota zona fronteiriça na Lunda Norte, recebi indicações de que o abuso sexual de mulheres migrantes continua, bem como o furto de bens. As denúncias de abuso sexual de mulheres migrante ao longo desta fronteira têm persistido durante grande parte dos últimos dez anos.

Muito embora a escala do problema possa ser contestada, um estupro é um estupro, especialmente quando cometido por um membro das forças de segurança que deve proteger os civis de crimes. Eu acredito que uma investigação transfronteiriça cabal e transparente já deveria ter sido realizada. Devem se desenvolver grandes esforços para sensibilizar os guardas e policiais da fronteira, deixando bem claro que tais crimes não serão tolerados. Qualquer um que tenha abusado sexualmente de qualquer mulher, incluindo as migrantes irregulares - ou outras - deve sentir a plena forçada lei.

Uma maneira de melhorar as leis de direitos humanos de Angola, e de monitorar a sua implementação efectiva, seria de criar um Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) de pleno direito em conformidade com o sistema internacional conhecido como Princípios de Paris. Existem hoje no mundo mais de 100 países com tais instituições, mas Angola não está entre eles. Eu ofereci os meus serviços para ajudar na criação de um instituto do género, uma vez que tais instituições podem desempenhar um papel verdadeiramente vital no reforço dos direitos humanos - por exemplo, dirigindo casos chave para os Tribunais, dando assessoria na elaboração da legislação e apoio às organizações da sociedade civil.

Manifestei igualmente a minha vontade, e a da Coordenadora Residente das Nações Unidas, de apoiar na nomeação de um Assessor de Direitos Humanos do meu escritório que viria trabalhar em Angola. Saúdo calorosamente a resposta positiva do Governo à esta proposta, uma vez que os Assessores de Direitos Humanos também podem fornecer um apoio inestimável aos governos e às Equipas da ONU no País.

Apesar da natureza sensível de alguns dos tópicos que levantei, pude notar que o Presidente e os seus Ministros têm estado muito empenhados e as nossas discussões foram extremamente construtivas. O Governo aceitou prontamente que ainda existem problemas e discutimos formas de realizarmos as melhorias necessárias.

Em geral, a minha impressão no final desta visita é de que o Governo de Angola está verdadeiramente empenhado em melhorar as questões dos direitos humanos. Se o Governo criar uma Instituição Nacional de Direitos Humanos robusta, se o Tribunal Constitucional fizer jus ao seu potencial e se as outras instituições chave do Estado continuarem a lutar para melhorarem cada vez mais, acredito que Angola poderá tornar-se um modelo não apenas nesta região, mas também para outros países.

Muito obrigada!

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