12/04/2013

CASO 16 DE JUNHO: OMUNGA SOLICITA ABERTURA DE INVESTIGAÇÃO


REF.ª: OM/    040     /2013
Lobito, 12 de Abril de 2013


Ao Exmo. Sr.
Procurador junto do Tribunal Provincial do Lobito

                                                         L O B I T O


CARTA ABERTA: SOLICITAÇÃO DE ABERTURA DE PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO

A OMUNGA é uma associação angolana de promoção e proteção dos Direitos Humanos, não governamental, sem fins lucrativos e apartidária cuja constituição foi publicada no Diário da República N.º 156, III.ª Série de 27 de Dezembro de 2006. Tem a sua sede na cidade do Lobito, B.º da Luz, Rua da Bolama, n.º 2, província de Benguela. Tem ainda o estatuto de Observador da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
1 – INFORMAÇÃO PRÉVIA
Angola faz parte do sistema das Nações Unidas e da União Africana, tendo aderido e ratificado inúmeros tratados de Direitos Humanos.
Em 2011, Angola apresentou o seu primeiro relatório periódico sobre a implementação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[1] e em 2012, apresenta o segundo relatório (comulativo: 2.º, 3.º e 4.º) sobre a implementação da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
A comunidade do 16 de Junho, localizada no B.º da Lixeira, Lobito, ocupa um bairro social, no qual sobressaiem cerca de 50 residências construídas pelo governo durante 2012 e são na sua maioria antigos moradores de rua.
2 – OS FACTOS
De acordo a depoimentos recolhidos entre os diversos moradores da comunidade do 16 de Junho, salienta-se:
a)       Entre as 3 e as 4H00da madrugada de 30 de Março de 2013, uma força policial composta por 20 agentes fardados da Polícia de Intervenção Rápida (PIR), 10 agentes à civil da Investigação Criminal e cães da Brigada Canina, invadiram a comunidade. Fizeram-se transportar em duas viaturas da PIR, uma esquadra móvel e um carro da Brigada Canina. Por outro lado, acompanhavam dois toyotas Prado (num dos quais se encontrava o Director provincial da PIR) e um Toyota Carina 3 de cor vermelha;
b)       Depois de baterem às portas de algumas das residências e como os moradores não as abriram, tomando em conta a hora, os agentes procederam ao seu arrombamento;
c)       Sem apresentação de qualquer mandato, os agentes fardados e à civil, acompanhados com cães, invadiram as residências, procedendo a revista, sem acompanhamento dos proprietários;
d)       Muitos dos moradores dizem terem sido encontrados despidos, incluindo mulheres;
e)       Muitos moradores informaram terem sido agredidos, frente aos seus filhos, ainda despidos;
f)         Uma mulher declara que a sua criança de pouco mais de um ano foi arremessada ao chão;
g)       Há informações que foi utilizado pelos agentes, gás contra os moradores, incluindo contra crianças;
h)       Uma mulher grávida declarou que foi arremessada contra a parede quando pretendia proteger o filho de uma vizinha que estava a ser levada algemada;
i)         Duas mulheres declararam que foram cercadas despidas, nos seus quartos por vários agentes, enquanto se vestiam;
j)         Uma mulher declara que foi fotografada nua junto à cama, por um agente da polícia;
k)       Vários moradores declararam que foi-lhes retirado todo o dinheiro encontrado durante a revista. Há declarações sobre outros bens também levados pelos agentes,
l)         Durante esta acção, foram detidos 6 homens e uma mulher e encaminhados à Investigação Criminal do Lobito, sob o argumento de ter sido encontrada droga (vulgo “cangonha”) nas suas residências. A mulher foi solta pouco depois;
m)     Muitos moradores declaram que acordaram e ficaram revoltados com o procedimento policial;
n)       Há declarações de que alguns moradores dirigiram-se à 4.ª Esquadra localizada perto desta comunidade e apedrejaram-na. Não há informações de danos causados por esta acção, nem materiais nem humanos;
o)       Entre as 6 e as 7 horas, como represália, foi verificada uma segunda invasão policial a esta comunidade;
p)       De depoimentos e de acordo a provas deixadas no local, os agentes efecturam disparos com balas verdadeiras. Há marcas nas paredes de tiros feitos à altura do abdómen de uma pessoa adulta;
q)       Desta acção foram detidas 11 pessoas, sem qualquer critério, indiscriminadamente. Todos os depoimentos apontam para a inocência dos detidos em relação ao arremesso de pedras contra a esquadra;
Das duas acções policiais, houve a detenção de dois grupos de moradores, 7 (incluindo a mulher que foi solta pouco depois) e 11, em momentos diferentes e sob acusações diferentes:
a)       Dos seis moradores detidos sob acusação de terem sido encontrados em posse de estupefaciente, 5 deles foram soltos no fim da tarde de 3 de Abril de 2013;
b)       De acordo a depoimentos e a provas, as esposas pagaram diferentes montantes que variaram de 15750,00 Kz a 52500,00 Kz, como “caução” ainda na Investigação Criminal;
c)       As esposas declararam ainda que pagaram diversos outros valores a diferentes agentes sob a promessa de aceleração no processo de soltura;
d)       O sexto deste grupo foi julgado a 5 de Abril no Tribunal Provincial do Lobito, tendo pago parte da caução e comprometendo-se a pagar o restante em liberdade;
e)       Os 11 moradores acusados de agressão contra a polícia foram julgados e condenados a penas que variam entre 1 e 3 meses e a uma multa de 45000,00 Kz cada. Entre estes encontra-se um adolescente de 14 anos de idade;
3 – A ANÁLISE
A Comissão Africana fez a seguinte recomendação ao Estado angolano:
Adoptar legislação especifica a penalizar a tortura, em conformidade com a Convenção contra a Tortura e as disposições das Directivas e Medidas relativas à Proibição e Prevenção da Tortura e de Tratamento ou Castigos Cruéis, Desumanos e Degradantes (as Directivas da Ilha de Robben);

Nesta conformidade, de acordo às informações recolhidas, depreende-se existir flagrante violação dos Direitos Humanos que enumeramos: Invasão domiciliar fora de horas e sem apresentação de mandato; uso de tratamento cruel, desumano e degradante; revista sem acompanhamento dos proprietários; furto de bens; uso de armas de fogo contra cidadãos indefesos; recepção de valores monetários sem devidos comprovativos legais; corrupção e/ou extorsão de valores; a não emissão de qualquer documento formal que confirme a detenção, acusação e soltura de 5 moradores; a não emissão de documento formal que confirme a apreensão de valores e bens retirados das residências.
4 - CONCLUSÃO
Perante a gravidade das informações, a OMUNGA solicita ao Exmo. Sr. Procurador que proceda à abertura de um processo de investigação com o propósito de confirmar a veracidade das mesmas e tomar todas as medidas que impessam tais atitudes.
De acordo ao resultado da investigação devem ser tomadas as devidas medidas responsabilizatórias e educativas:

Coordenador

José António M. Patrocínio



[1] Angola depositou junto do Secretário-Geral das Nações Unidas o instrumento de adesão ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a 10 de Janeiro de 1992



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