OMUNGA
e um dos seus proeminentes patronos, José Patrocínio, conquistaram uma
"posição de realce" no nosso xadrez de direitos humanos e
cidadania...Quando Patrocínio fala, Benguela escuta atentamente e Luanda
sente-se, às vezes, aflita. O nosso interlocutor partilhou connosco assuntos da
vida nas terras de Ombaca:
Em que ano
surgiu a OMUNGA e por que motivo?
A
OMUNGA surgiu enquanto um projecto da associação OKUTIUKA-APAV em 1998 e
tornou-se definitivamente em uma associação a 16 de Junho de 2006.
A
OKUTIUKA-APAV é uma associação que surgiu no Caimbambo em 1995. Constituída
pelos primeiros voluntários em Angola (nesta vertente), chamados “OS
VOLUNTÁRIOS DA PAZ”, desenvolvia acções de emergência numa perspectiva de
reconhecimento da dignidade, nos municípios do Caimbambo, Chongoroi, Cubal e
Ganda e num propósito de contribuir para o fim da guerra. Iniciou acções em
zonas consideradas “vermelhas” (perigo, risco) pelas Nações Unidas, caso do
Chongoroi, onde as ONGs internacionais e as agências humanitárias das Nações
Unidas não iam.
Estabeleceu
pontes entre as áreas geridas pelo governo e as áreas geridas pela UNITA, por
exemplo no Caimbambo e Chongoroi. Coisas que hoje a história não conta. Por
exemplo, sempre gostei de ter um espaço próprio e por isso, quase sempre, nos
municípios, eu tinha um meu espaço. Por exemplo no Caimbambo eu vivia num
quarto do anexo no quintal da casa grande onde viviam todos os meus
companheiros, mais tarde quando mudámos de escritório, eu fiquei num quartito
no quintal de um dos armazéns.
Bom,
foi no meu quartito do quintal onde de noite, recebia os sobas que vinham do
lado controlado pela UNITA. O objectivo era conseguir convencer as Nações
Unidas de que deveria também abastecer aquelas populações. Muitas vezes de
madrugada, eu e um colega, porque nem todos os companheiros sabiam dessas
actividades, ia de bicicleta por quilómetros no meio da mata, para chegar às zonas
controladas pela UNITA e ver se as estradas estavam arranjadas, se havia
condições para se fazer o abastecimento, se estavam as listas organizadas, etc,
etc.
Foi
por essa perspectiva de direitos humanos que a OKUTIUKA foi a única organização
dos países de expressão portuguesa e também a única de tamanho tão pequeno que
fez parte do famoso “PROJECTO ESFERA” que tinha como principal objectivo
definir internacionalmente a “ajuda humanitária” enquanto direitos humanos!
Por
questões estratégicas, a OKUTIUKA decidiu transferir os seus escritórios para o
Lobito, já que era nesta cidade onde se encontrava a maior parte das agências
das Nações Unidas ligadas à assistência humanitária, como, também, a maioria
das ONG internacionais que intervinham nessa área.
Uma
das teorias e estratégias que a OMUNGA deu continuidade às defendidas pela
OKUTIUKA é que onde instala os seus escritórios deve ter relações com as
comunidades circunvizinhas. Então a OKUTIUKA, no Lobito, identificou que um
grupo social “invisível” e discriminado, era o das crianças em situação de rua.
Daqui surge o projecto OMUNGA com o propósito de promover e proteger os
direitos destas crianças. Foi o primeiro projecto da OKUTIUKA que tinha uma
visão estritamente na base de direitos humanos.
Foi
através desta visão que se desenvolveram as primeiras grandes campanhas em
torno dos direitos das crianças em situação de rua sendo uma delas ligada ao
assassinato de uma das crianças por um agente da polícia. Como resultado desta
enorme campanha, conseguiu-se a detenção, julgamento e condenação do referido
agente.
A
outra grande campanha e luta, foi pelo direito à habitação destas crianças que
conseguiu, ao fim de cerca de 11 anos, a construção do primeiro bairro social
em Angola para moradores de rua. Foram construídas desde o final do ano
passado, cerca de 50 casas e outras estão em construção.
Foi
precisamente esta campanha que fez com que a OMUNGA alargasse o seu âmbito de
intervenção e, para além de trabalhar com comunidades específicas, passou a
apoiar de forma geral o direito à habitação, lançando a campanha NÃO PARTAM A
MINHA CASA. A partir dessa altura, o direito à habitação e a luta contra as
demolições e desalojamentos forçados passou a ser uma linha estratégica da
OMUNGA, de intervenção.
Explica-nos em
poucas palavras os punhos de Benguela no nosso xadrez político... daqui sairam
muitos poetas, escritores, “políticos de bagagem”, etc...
Benguela
na realidade se relaciona muito com a produção intelectual, no entanto acredito
que, como todas as demais províncias, constituídas por indivíduos, constrói
conjuntamente a nossa caminhada colectiva.
Gosto
muito do meu espaço “micro” onde nasci e vivo mas não sou enraizado em
“pseudo-nacionalismos”. Tipo a minha cidade é a melhor, os angolanos são os
melhores(!), nada disso, antes pelo contrário, me sinto sempre pertencente ao
mais amplo, ao todo, como parte.
Quer comentar
sobre o caso do famoso prédio 71/A na Restinga? Por que tera' a OMUNGA metido
os seus dedos nessa ferida social?
O
prédio 71/A é apenas mais um dos casos que de alguma forma, envolveu a OMUNGA.
E este caso é bastante interessante porque possivelmente foi o que provocou uma
postura diferente e uma intervenção maior e directa, do governador da província
nos assuntos de desalojamentos e de demolições.
Nós
tínhamos algumas informações do processo judicial e também das decisões do
tribunal para o desalojamento dos moradores daquele prédio. Tínhamos alguns
contactos com alguns moradores mas na realidade havia algum receio da parte
deles (ou pelo menos de alguns) no envolvimento directo da OMUNGA, pela imagem
que é transmitida que liga a nossa associação a fins partidários da oposição e
portanto, como se fosse uma força partidária contra o governo.
No
dia em que a polícia e homens à paisana intervieram para desalojar os
moradores, alguns colegas nossos estiveram no local a fazer o registo de
imagens e a acompanhar. Houve violência, agressões e no final, depois do
despejo dos moradores, foi encerrado o portão principal de entrada com
cadeados, e ferros soldados, sem que pudessem retirar os seus haveres.
A
OMUNGA não tinha até aí, qualquer intervenção directa, apenas divulgava a
matéria através de comunicados e da internet, principalmente no seu blog (http://quintasdedebate.blospot.com/).
Os
moradores revoltados dirigiram-se a Benguela, até ao governo provincial para
falarem com o governador que infelizmente não estava.
O
que fizemos foi telefonar para ele, encontrava-se em Catengue, explicámos a situação
e ele disponibilizou-se em intervir. Os moradores já tinham regressado ao
Lobito e invadido a administração municipal onde acamparam.
O
governador negociou com o tribunal e com o presumível proprietário e então
concordaram em que os moradores regressariam ao prédio e só sairiam depois do
governo construir-lhes novas habitações. E foi o que aconteceu.
Mais,
a partir daí, foi enviada uma carta pelo governo ao procurador junto do
tribunal do Lobito para que informasse o governo sempre que desse entrada algum
processo de despejo.
O
prédio da Magalhães vive hoje a mesma situação. É certo que depois o governador
aproveitou para acautelar os moradores para nunca se “envolverem” com a OMUNGA.
O recado estava dado.
Quando
digo que, embora sem grande intervenção nossa, a nossa presença estimulou no
governador a preocupação de intervir, ligo ao facto de que na realidade o
governador sempre tentou intervir no sentido de diminuir a influência da OMUNGA
junto das comunidades. Cada caso em que a OMUNGA apareceu, o governador tentou
imediatamente intervir, deixando, também sempre, a mensagem de que “ele”
resolvia o caso mas (!!!!) a comunidade não se deveria mais envolver-se com a
OMUNGA.
As receitas do
Orçamento Geral do Estado ofertadas `a Benguela cobre as suas necessidades
primárias?...saúde ,educação, criação de emprego, segurança social, etc.,...
Acho
que o Orçamento Geral do Estado deve ser sempre analisado em vários ângulos. O
OGE divide-se e complementa-se por recursos de gestão central, desde o
Presidente aos ministérios, e recursos de gestão local (governador e
direcções).
A
primeira análise refere-se à definição de prioridades. Aqui poderemos dizer que
embora se declare que haja um paulatino acréscimo de verbas para o sector
social, o que é certo é que ainda se verifica uma insuficiente definição de
prioridade deste sector, comparado com a defesa, ordem interna, segurança, etc.
Por
outro lado, é depois a gestão prática do orçado, ou seja, o montante
disponibilizado, a oportunidade de disponibilização. Lembro-me que quando
coordenava a campanha ENSINO GRATUITO, JÁ! O orçamento da educação não era todo
disponibilizado e na maioria das vezes os recursos eram disponibilizados, os
que eram disponibilizados, extemporaneamente.
Depois
tem a transparência que tem a ver com o haver ou não desvio de recursos. Ainda
a nível da transparência tem a ver com os concursos, a forma de se os fazerem,
os custos, as qualidades das obras, etc.
O
que posso dizer é que o sector social vide um endémico “deixa andar”. A saúde é
uma lástima, a educação é uma dor de alma, não funcionam os programas de
criação de emprego, etc.
Por
exemplo, estamos a concluir um projecto na área de protecção social, em
parceria com uma outra organização e financiado pela União Europeia e tivemos
que prolongá-lo, para concluir com actividades que não foram desenvolvidas no
tempo previsto simplesmente porque não houve (não há e não vai haver tão cedo
enquanto mantivermos este tipo de governação) vontade das instituições públicas
em colaborar.
Dou
um caso! Uma das actividades tem a ver com um mapeamento de todas os programas,
projectos, na área da protecção social (saúde, educação, assistência social,
etc), a nível de Benguela e avaliar o seu grau de funcionamento. Prolongámos o
projecto por mais três meses para ver se conseguíamos sensibilizar e assim
obter a devida informação e duvido que vamos conseguir. Vão ser recursos da
União Europeia deitados ao lixo já que o mapeamento que conseguiremos obter
será incompletíssimo e possivelmente com informação incorrecta ou menos
verdadeira.
E a questão
das políticas do meio ambiente na Província....
Não
domino complectamente a questão das políticas ambientais, mas como agrónomo,
tenho noções de priorização de políticas e como cidadão e citadino, também
reconheço as necessidades que se devem tomar no aspecto de urbanização.
Sem
falar de Benguela em geral, posso partilhar alguns casos específicos que pode
traduzir a falta de atenção às questões ambientais. O primeiro tem a ver com a
refinaria do Lobito. Embora não tenha dados suficientes, parece-me bastante
arrojado, no que toca a ambiente, a localização desta refinaria.
Outro
grande empecilho tem a ver com a transformação dos terrenos da antiga
açucareira da Catumbela em pólo industrial. É inaceitável que terrenos
agrícolas sejam desviados para fins industriais ou urbanísticos. Não é só
inaceitável, é um verdadeiro crime!!!
Por
outro lado, os projectos urbanísticos, do que conheço, não têm tomado em conta
as questões ambientais. Por exemplo, embora se tenha feito uma limpeza num dos
mangais do Lobito e se tenha verificado ultimamente uma enorme quantidade de
flamingos, continuam a invadir-se os mangais com construções gigantescas, como
o prédio da AAA. As invasões das praias para projectos urbanísticos de luxo, é
outro atentado, como exemplo na Restinga.
Os
novos prédios construídos ou os recuperados, baseiam-se em pilares nada
ambientais. Enormes blocos de espelhos, funcionando à base de enormes centrais
de ar condicionado e, obviamente, à base de enormes geradores que são enormes
consumidores de combustível e enormes produtores de gases e fumos.
A
própria localização da central térmica que produz a energia (nem sempre, é
claro) para o Lobito, dentro de bairros torna-a num verdadeiro atentado ao
ambiente humano, pelos produtos poluentes, como gases, fumos e ruído.
O
projecto de recuperação de infra-estruturas e que se desenvolve por exemplo no
B.º da Luz, não prevê a plantação de árvores ao longo dos passeios. Não garante
por outro lado um correcto escoamento de águas pluviais das residências.
Tal
como o cidadão enquanto pessoa, portador de dignidade, não é tomado em conta na
definição de políticas (se pudermos considerar que existam) em Angola, o meio
ambiente é também outra das vítimas das definições de políticas que beneficiam
essencialmente as empresas envolvidas em tais projectos ou a camada social mais
rica directamente beneficiária de tais projectos.
Chegou o novo
governador provincial, isso preocupa-vos?
Claro
que não. O governador é uma pessoa que é colocada, infelizmente não é eleita,
para desempenhar determinadas responsabilidades. Sendo o António ou Manel, na
realidade é sempre e só, enquanto naquela função, o governador. O que assusta é
que a ausência de políticas públicas deixa nas mãos dos governadores a maior
possibilidade de eles fazerem as coisas por sua decisão e vontade, podendo ser
boas ou menos boas.
Aproveito
esta pergunta para falar um pouco do nosso comunicado, do comunicado da OMUNGA,
aquando da divulgação das nomeações. Não tivemos intenções de, naquele
comunicado, fazer uma abordagem geral da governação de Armando da Cruz Neto.
Nós fomos vítimas também, de bastantes atropelos de governação, nomeadamente no
que se refere ao direito à manifestação.
Foram
visíveis atropelos graves em tantos outros aspectos, como nos de intolerância
política. Não tivemos qualquer intenção de fazer essa análise. Concentrámo-nos
no que a governação de Armando da Cruz Neto se mostrou positiva, comparando com
outras províncias, em relação a procedimentos com as demolições e
desalojamentos. E isso é indiscutível!
Em
relação ao novo governador, o Isaac dos Anjos, é certo que o seu nome está
ligado a uma série de atropelos graves e de violações graves. O seu nome está
ligado a pouca transparência, lembro-me até que apareceu, o seu nome, ligado a
desaparecimentos de dinheiros lá da caixa de qualquer coisa por onde ele esteve
a gerir, penso que até foi julgado e condenado, se não estou em erro, ligado às
arrogantes e violentas acções de desalojamentos e demolições no Lubango.
Infelizmente
não temos em Angola suficientes governantes cujos nomes não apareçam ou estejam
ligados a abuso de poder, à corrupção, ao tráfico de influências, à má
governação, à incapacidade de gestão e por aí.
Espero
que o Isaac dos Anjos se dê conta que erros do passado não devem ser repetidos.
Que as boas práticas devem ser valorizadas e ampliadas. Acredito que vai
ampliar o espaço de diálogo com a sociedade civil. É de recordar que foi daqui,
de Benguela que o Isaac começou a sua carreira como vice ministro, ministro,
gestor de fundos, embaixador, governador, etc. Por isso penso que ele virá com
um espírito aberto.
Vamos
a ver. A OMUNGA, para além das boas vindas que expressou no seu comunicado,
está a preparar uma carta a solicitar-lhe uma audiência para poder-se trocar
ideias sobre muitas questões locais que a OMUNGA tem vindo a acompanhar.
Por último,
que resultados terão as eleições autárquicas na vida real de Benguela?
Primeiro
devo questionar: que eleições autárquicas? As eleições autárquicas, enquanto as
que idealizamos, serão sempre um bem acrescido à democratização e portanto à
cidadania e à participação cidadã.
Agora
devemos perguntar é se há ou não vontade política para que tal suceda.
Acompanhamos um permanente adiamento de tal propósito e possivelmente teremos
depois uma reprodução das eleições gerais a nível local.
Nós
vamos pensando nisso!
____________________________
Prof.
NgolaKiluange
New
York-Manhattan
Chefe
de redação
ponto-final.net
prof.kiluangenyc@yahoo.com