hoje olhei-me pró nada e decidi-me rabiscar abstracções nos vazios deste espaço. fingindo ocupando-o desnecessariamente e desinteressadamente, mas querendo, simplesmente querendo.
e nas variadas nuances das coisas que desgosto olhei-me no aspecto, no querer, no ser, simplesmente animal. carne, cadeia animal, sobrevivência, habitat. como alma fora do corpo, observei-me. e observei os outros corpos. animais, com fatos, gravatas, discursos, cargos, guarda-costas, jantares, festas e festivais e todas as catrefadas de coisas em que se embutem esses animais. filhos, irmãos, pais, primos, empresários, gestores, presidentes, ministros, juízes, advogados e réus. soldados, polícias. astronautas, cientistas, físicos, divas, dançarinos e bancários. principalmente bancários. estes animais adoram os bancos. estou a pensar desenvolver um estudo, possivelmente da próxima vez que volte a acordar, sobre a importância dos bancos para esta manada (quero voltar a lembrar que é a manada que encontrei quando acordei, desta vez, apenas só esta não devendo serem generalizadas todas as observações que faço e transcrevo nesta humilde transcrição). não há palhaços. neste espaço do planeta, nesta manada, não há palhaços. para quê?
e todos estes animais, da visão biológica da vida, humanizam a vida insatisfazendo os prazeres. bancos, carros, mansões, propriedades, dinheiro, empregados, patrões, colegas, sorrisos, lágrimas, contas. contas! retratos de família, enganados nas cores que colocam, na foto fingida do chefe. o exemplo. o máximo. o especial. o inocente. o infantil. não o parvo porque desmentiria o exemplo. apenas ele. o chefe da manada. não o imortal, nem guia, nem tão pouco imortal guia porque este título irracionalmente a manada já deu ao chefe defunto. coitado. faleceu já há alguns anos. mas chefes, infelizmente, por não deixarem de ser animais, também morrem. algum dia alguém deveria inventar uma formula para que os chefes, os grandes chefes, os verdadeiros chefes, porra, apenas os CHEFES, não morram.
é óbvio que os verdadeiros chefes humanizam as suas manadas fazendo as guerras para acabar com as guerras. arquitectando pazes. imensidões de pazes escritas e lidas em tudo que é canto. assim, não há animal da manada que não saiba quem arquitectou a brancura da bandeira (esta manada usa também bandeiras. é quase um exemplo único)
e este, ele, o animal. um da manada que, como animal, se quer o chefe. da manada. e outros (estou sempre a falar biologicamente), obviamente animais, se fingem interessados nele, enquanto chefe. da manada. porque assim, comem relva fresca sempre, arrefecida pela sombra do animal chefe, rei, presidente, apenas chefe. que dá a frescura à relva dos que por perto pastam. herbívoros, carnívoros, ou a mixelândia de tudo.
e, o chefe, quere-se chefe. porque se presume chefe. que promove, obriga a manada que o idolatre como chefe. fingindo inocência nesta acção. dando e retirando sombrinhas em pastos alheios. fingindo-os frescos para que se distraiam. e divertindo, os outros, finge esquecer-se da sua insegura segurança de chefe. porque acredita. porque acha. dando e tirando sombra se mantém chefe.
o chefe decidiu dar documentos a todos. a manada tem que estar organizada. já não basta os cargos de ministro, secretário, pai, filho e ladrão. precisa de mais. de números. e fotos. e dados. visíveis. invisíveis. possíveis. imagináveis. mas dados. dos animais e do chefe. presente. sempre presente. não vá a manada achar-se perdida. sem chefe. sem sombra. sem pasto. morta. o chefe não quer que a manada se perca. orienta-a. marca-a. ordena-lhe. dá as sombras que, simplesmente, sejam precisas. finge. mente. rouba. mas é chefe. o chefe das sombras. das sombras das relvas. das relvas onde os outros comem. mastigam. trituram. engolem. saciam-se. nunca.
olhei para o meu bilhete de identidade amarelo e lembrei-me de ter ouvido a ministra da justiça, uma celebridade em direito à identidade, à nacionalidade. não se estranhem. esta manada é mesmo estranha. têm ministros e montes de outras coisas. não sei os ministros daqui são iguais aos ministros de outras manadas. alguém conhece outra manada para me ajudar?. continuando. uma verdadeira celebridade. nesta manada. iluminada. não, iluminadíssima. ou melhor, iluminadérrima, não fosse ela esquecer de colocar a foto do chefe junto à foto da cada animal da manada. percebida no assunto. não há animal que se perca, se não se achega ao chefe. ao chefe da manada. ao que ali está. quer estar. diz que tem que ser. não quer. mas sacrifica-se. chefe é, afinal, o sacrificado. quem teria coragem de ter a sua foto em milhões de documentos de todos os animais da sua manada. quem? apenas ele. porque ele é o chefe. é quem sofre. é quem sente. quem não dorme. deambula noite após noite para ver qual será a melhor foto para colocar no documento dos animais da sua manada. gasta horas frente ao espelho. quem? digam quem teria esta coragem. esta paciência, de se posar durante horas, dias, semanas, meses e mesmo anos, para que a foto fosse a melhor. mudou gravatas. mudou fatos. iluminações. pós-de-arroz. sombreados. tamanhos das bandeiras dos fundos. sorrisos. sorrisos foi mesmo o que ele mais testou. e mudou. e acertou. hoje, todos os animais da manada, levam no seu documento a foto mais linda, mais sorridente (com melhor sorriso) do seu chefe. não se vê a cor da gravata. mas é linda. é a gravata do chefe da manada. apenas do chefe. o chefe! a gravata. o sorriso.
é sempre o chefe. por isso, ele ultrapassa a animalisse dos outros animais. é mais ele. mais animal. mais fotogénico. mais brilhante. mais arquitecto. mais pudico. mais recto. principalmente mais recto. então faz o sacrifício. de vez em quando (não lhe obriguem tanto, porque é chefe) faz uns discursozinhos à manada. aproveita a energia do senhor. de quem o ilumina. nos discursos. nas acções firmes de chefe da manada. e fala. no natal. fala dos deveres. fala da família. do respeito. e dizem mesmo que ele se distrai muito quando faz estes discursos. apelos. moralizações. sensibilizações. organizar a manada é preciso. é preciso discursos. gravados. televisivos. e o chefe tira do seu tempo (poderia como qualquer outro animal da manada estar a contar o dinheiro do banco) para se expressar sobre os seus principais valores. da família. os valores que mais ele guarda desde que a conferência dos anciãos (ainda não falei disto?), o escolheram como chefe. e o obrigaram a casar-se. chefe tem que estar casado. bem casado. um exemplo. para depois poder fazer discursos sobre família. sobre valores. sobre moral. são preciso fatos. são precisas gravatas. são precisos sorrisos. são precisos acautelados acenos de mão. é preciso, obviamente muita polícia, muita tropa. muita cadeia. muito porrete e muito medo. mas é precisamente preciso família. o exemplo. nem a igreja tem este exemplo. falar da família. como exemplo. não é dos seus filhotitos espalhados por aqui e ali. às dezenas. lindos. esbeltos. arrogantes. filhos de chefe. como o pai. o belo pai. envelhecido pelos sacrifícios de chefiar a manada durante anos e anos. muitas vezes desentendido. mas sempre à altura para demonstrar àqueles que não perceberam, que têm que perceber. ajudando-os a perceber, arranjando-lhes férias. em cadeias. fora dos cargos. e ajuda. ajuda muito a perceberem o quanto estavam errados. a maioria vem-lhe lamber os pés (pés de chefe note-se). lambuzam-se. lambuzam-se com as salivas armazenadas e preparadas durante o tempo que treinaram o reencontro com o chefe. sabem que simplesmente é um encontro. o chefe é chefe. a qualquer altura obriga-os a ficarem com a língua seca e não há mais lambidelas e humidíces. nem chafurdices. nem línguas, nem pés. pés de chefe. ponto final para estas cenas molhadas. demasiado molhadas. na realidade o chefe está preparado para não enferrujar com todas estas lambidelas. mesmo preparado para não amolecer. sempre rijo. chefe é rijo. não há lambidela que lhe amoleça. talvez as dos seus filhotes, mas isto é outra coisa. são lambidelas familiares. nem (nesta manada) são consideradas lambidelas. é mais visto como realizarem-se desejos. desejos de filho de chefe. de lindos filhotes. apenas isso. não tinham percebido a diferença? se houver muita gente que não entenda a diferença, poderia pensar num terceiro estudo para abordar este interessante tema. as lambidelas dos filhotes não lambuzam. até servem para os verdadeiros retratos de família. da família a que o chefe se refere. nos discursos. a família da moral.
falando nisso, fiquei com sono. prefiro voltar a dormir. impeçam-me, se conseguirem, de sonhar. chega. esta manada me cansou. oh mãe dá para entrar aí onde saí? faz favor. não vou chatear. apenas para dormir! e ressonar...
ah desculpem, ia-me embora e não dava as principais explicações. este acordanço relaciona-se com um livrito que li. há muito tempo. pequeno. eu. mais pequeno que agora. o pequeno príncipe. alguém leu? aconselho. quase tão criativo como a manada que encontrei quando acordei. ainda não sei em que planeta acordei. o importante é que continuo com sono e de certeza que vou conseguir voltar a dormir. se me deixarem.
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