TEMA: os sistemas eleitorais e a democracia representativa - realidade e desafios.
Por : Dr. Bernardo Tito
1- INTRODUÇÃO
Propomo-nos abordar um assunto sempre actual, tanto para as nações já consolidadas quanto para aquelas que desbravam caminhos da consolidação e aperfeiçoamento das suas instituições democráticas.
Os sistemas eleitorais são para os Estados democráticos pressupostos materiais para a realização não só da democracia, mas fundamentalmente dos desejos dos cidadãos. É através das regras eleitorais que os cidadãos concretizam o seu direito de votar, por isso que cada sistema eleitoral representa de modo subjectivo, uma aspiração dos cidadãos e não dos poderes políticos instituídos num determinado Estado.
Neste trabalho procuramos demonstrar como um determinado sistema eleitoral pode definir e decidir sobre a representação democrática concretizada por um dado Estado; como desencadear a participação eleitoral dos cidadãos; como a eleição dos titulares de órgãos de soberania elegíveis é influenciada profundamente pelo sistema eleitoral adoptado num Estado; e como os conflitos eleitorais podem ser meneados quando o sistema eleitoral representa de facto os desígnios sociais.
É nossa convicção de que as democracias africanas são frágeis porque os arautos da criação dos sistemas eleitorais não conseguem dissociar as suas vontades políticas de conquista ou manutenção de poder político com o realismo social. As conseqüências sobre a falta de observância da vontade social são trágicas para os países africanos, descritas, normalmente, em conflitos pós eleitoral.
Como considera André Freire os sistemas eleitorais dependem sempre das características da sociedade em causa, se é mais ou menos heterogênea, bem como das tradições histórico-políticas, por isso não deve ser mero instrumentos dos políticos para a concretização das suas vontades políticas. Qualquer sistema eleitoral instituído subjectivamente para representar o ideal de uma vontade política será propiciador de conflitos eleitorais.
2- CONCEITO, ESTRUTURA E ORIGEM
Para uma melhor compreensão da abordagem que vamos fazer é imprescindível clarificar a definição dos sistemas eleitorais. O conceito dos sistemas eleitorais pode ser concebido em sentido restrito e amplo. No sentido amplo o conceito dos sistemas eleitorais é um conjunto de normas que materializam o direito de votos atribuídos aos cidadãos e criam e organizam aos órgãos de gestão e resolução dos conflitos eleitorais. Este conceito como podemos entender abrange o direito de sufrágio, a administração eleitoral e o contencioso eleitoral.
Para o conceito restrito os sistemas eleitorais determinam as regras através das quais os eleitores expressam as suas preferências políticas convertendo em mandatos parlamentares ou em outros cargos elegíveis ( caso das eleições presidenciais). Este conceito na nossa modesta opinião parece-nos ser o mais adequado por corresponder com a natureza e finalidade dos sistemas eleitorais.
Os sistemas eleitorais são estruturas complexas constituídas por diferentes elementos técnicos como, por exemplo, a divisão dos círculos eleitorais, as formas de candidaturas e de votação a distribuição ou apuramento de mandatos, etc. cada elemento da estrutura do sistema eleitoral produz efeitos de modo distinto. Os efeitos políticos produzidos por um dado sistema eleitoral dependem do modo como se articulam os distintos elementos individualmente ou combinados.
I- OS SISTEMAS ELEITORAIS
1- O SISTEMA MAIORITÁRIO
O sistema maioritario tem o propósito de assegurar apenas a prepresentação dos candidatos mais votados em uma determinada eleição. Em geral a forma maioritaria é utilizada em distritos uninominais. O candidato mais votado, neste caso, recebe a totalidade da representação e os outros, independentemente da votação, ficam sem representação.
O sistema maioritaria divide-se em: maioria simples, sistema de dois turnos e voto alternativo.
1.1- A MAIORIA SIMPLES
Para este sistema o candidato eleito é o que recebe mais votos que seus concorrentes. Neste tipo de sistema o candidato vencedor precisa assegurar um número de voto superior dos seus adversários. No sistema de maioria simples quando aplicado nas eleições plegislativas, a representação parlamentar de pequenos partidos e de grupos sociais minoritários depende de como os votos são distribuídos pelo território.
Várias críticas têm sido emitidas a este sistema por produzir intensas distorções quando se compara a votação com a representação dos candidatos. Em 1993 as eleições para câmara dos Deputados do Canadá demonstram esta distorção.
Os defensores deste sistema dizem que ele permite aos eleitores mais controlo da actividade dos eleitos, já que a eleição de um único nome por área geográfica permite que os eleitores tenham mais facilidades para identificar seu representante no legislativo, acompanhar o desempenho do seu mandato e manter contacto permanente. Estes defensores ainda enfatizam uma dimensão específica da representação: territorial. O principal argumento em defesa deste sistema é a sua capacidade de criar governos em que apenas um partido controla a maioria absoluta dos assentos no parlamento.
1.2- O SISTEMA DE DOIS TURNOS
O sistema de dois turnos quando é utilizado para as eleições legislativas tem as características semelhantes do sistema de maioria simples. A diferença de fundo que existe entre os dois sistemas é a exigência de que um dos concorrentes obtenha a maioria absoluta dos votos ( mais de 50%). Caso isso não ocorra, os candidatos mais votados disputam uma nova eleição. Este sistema é normalmente utilizado para as eleições presidências, mas a França e o Mali são os únicos que utilizam para as legislativas.
1.3- O VOTO ALTERNATIVO
A versão do sistema maioritario é o voto alternativo. Este sistema consiste na transferência de votos dos candidatos menos votados para outros, de modo a garantir uma maioria absoluta e sem necessidade de realizar uma segunda volta.
Neste sistema os partidos apresentam em cada circunscrição eleitoral uma lista uninominal. Os eleitores em vez de atribuírem um único voto para um determinado candidato ordenam os candidatos. Ao lado de cada nome um número de acordo com a sua preferência. O voto é valido se o eleitor ordenar os candidatos.
O candidato que recebe mais de 50% de votos em primeira preferência é eleito. Nas situações em que isso não ocorre há um sistema de transferência das cédulas do candidato menos votado, que é eliminado, para os outros. Se após a transferência um candidato obtiver maioria absoluta ele estará eleito. Este processo repete-se até que se conclua a eleição.
O sistema de voto alternativo dificulta a eleição de candidatos com forte rejeição, mesmo que estes recebam uma votação em primeira preferência. Por isso, os partidos colocados no extremo do espectro partidário têm chances muito mais reduzidas de eleger seus representantes. Este sistema garante alta representatividade ao candidato eleito.
1.4- Vantagens do sistema maioritário
- impedir a fragmentação do sistema de partidos, sendo que os partidos pequenos têm poucas possibilidades de obter representação parlamentar.
- induzir o sistema de partidos num formato de tipo bipartidário, pelo menos a nível parlamentar.
- fomentar a estabilidade governativa ao facilitar as maiorias monopartidárias no parlamento.
- o eleitor através do seu voto tem uma influência directa na formação do governo.
- um único partido controla o poder executivo, por isso é mais claro o seu controlo.
2. SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL
O sistema de representação proporcional tem duas preocupações fundamentais: assegurar a diversidade de opiniões de uma sociedade esteja reflectida no parlamento e garantir uma correspondência entre os votos recebidos pelos partidos e sua representação. A principal virtude da representação proporcional esta na sua capacidade do parlamento espelhar todas as preferências e opiniões relevantes existentes na sociedade. O expoente máximo desta concepção foi o líder Frances Mirabeau, que durante a constituinte de Proença em 1789, defendeu que a função do parlamento era reflectir o mais fielmente possível as feições do eleitorado, tal como um mapa reproduz em miniatura os diferentes traços geográficos de um território.
Existem duas variantes de representação propocional. O voto único transferível e o sistema de lista. O primeiro tem como propósito garantir que as opiniões relevantes da sociedade estejam no parlamento. O segundo procurar distribuir as cadeiras do parlamento utilizando os partidos como unidade fundamental.
2.1- O VOTO ÚNICO TRANSFERÍVEL
Neste sistema os eleitores podem ordenar as suas preferências no boletim de voto, assinalado o número 1 ao lado do nome da primeira preferência, 2 ao lado da segunda preferência e assim sucessivamente. Para apuramento o primeiro calcula-se uma quota pela seguinte formula: votos\ cadeiras + 1. O candidato cujos votos em primeira preferência atinjam ou ultrapassa a quota é declarado eleito. Este sistema de apuramento de mandatos é dos mais complexos que existe. Ele é aplicado na Irlanda a várias décadas.
2.2- A REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL DE LISTA
O mecanismo para distribuição de cadeiras do sistema proporcional de lista é aparentemente bem simples: cada partido apresenta uma lista de candidatos; os votos de cada lista são contados; as cadeiras são distribuídas entre os partidos porporcionalmente à votação obtida pelas listas; as cadeiras são ocupadas por alguns dos nomes que compõem a listas.
Na prática cinco grandes questões operacionais da representação proporcional:
- a) a formula eleitoral utilizada para distribuir mandatos;
No geral duas principais fórmulas: a de maiores médias e de maiores sobras.
A fórmula de maior média subdivide-se em formula de D`Hondt, a Sainte Langue e a Sainte Langue modificada. A formula de D´Hondt dá um bônus para o partido mais votado numa determinada circunscrição eleitoral, e é a menos proporcional quando se compara os votos e as cadeiras dos partidos. A fórmula Saint-Langue produz os resultados mais proprcionais. A Sainte-Langue modificada ao aumentar o divisor de 1 para 1,4 dificulta o acesso dos pequenos partidos à distribuição de cadeiras o que gera um resultado menos propocional do que o obtido na versão moriginal.
As fórmulas de maiores sobras operam em dois estágios. O primeiro é o cálculo de uma quota que será utilizada como denominador da votação de cada partido: quanto às quotas um partido atingir, tantas cadeiras ele elegerá; geralmente, após a divisão dos votos de cada partido pela quota algumas cadeiras não são preenchidas. O segundo momento é a distribuição desta sobras que irão para os partidos cujos votos mais se aproximam do valor da quota ( maiores sobras).
- b) a magnitude das circunscrições eleitorais
A magnitude de uma circunscrição eleitoral é um dos aspectos importantes para que os resultados de uma eleição sejam proporcionais. Quanto maior a magnitude, mais fácil é para um partido obter representação.
c) cláusula da exclusão
A cláusula de exclusão determina que um partido só possa obter representação caso recebe pelo menos um determinado número de votos. O principal propósito da cláusula de exclusão é dificultar o acesso dos pequenos partidos no parlamento. Os defensores desta teoria entendem que a proporcionalidade extrema poderia produzir um parlamento muito fragmentado que afectaria a estabilidade do governo.
-d) a possibilidade de os partidos fazerem coligações eleitorais
As coligações ampliam as chances dos pequenos partidos obterem representação parlamentar. Um partido sozinho teria dificuldades de atingir o patamar mínimo de votos exigidos para a eleição de um representante pode se beneficiar da soma de seus votos com os de outros partidos.
As legislações eleitorais que permitem coligação, o processo de distribuição de cadeiras ocorre em duas fases. Na primeira há a distribuição dos assentos dos círculos eleitorais entre os partidos. Na segunda as cadeiras conquistadas são distribuídas entre os partidos que compuseram a coligação.
- e) as regras para a escolha dos candidatos
Nos sistemas democráticos modernos as listas dos candidatos a eleição são fechadas. São os partidos, neste modelo, que decidem antes das eleições a ordem em que os candidatos aparecerão na lista. O eleitoral apenas vota em um dos partidos não podendo expressar a preferência por um determinado candidato. Os mandatos que cada partido conquistar serão ocupados pela ordem da precedência na lista. Este modelo permite que certos grupos dominantes no partido se beneficiem colocando seus quadros entre os primeiros da lista. A principal desvantagem da lista fechada é a impossibilidade dos eleitores influenciarem na escolha de representantes individuais.
3-vantagens do sistema de representação proporcional
- facilitar a representação de todos os interesses e opiniões políticas no parlamento, tendo em conta o seu peso relativamente no eleitorado;
- impedir a formação de maiorias parlamentares demasiado artificiais, ou seja, evitar as maiorias parlamentares sem mínima correspondência percentual;
- estimular as negociações políticas entre as diversas forças sociais;
- impedir mudanças políticas extremas causadas mais pelas distorções do sistema eleitoraldo que pela mudanças nas atitudes e opiniões do eleitorado;
- impedir a formação de sistema de partidos dominantes, onde partidos devem a sua posição mais aos efeitos do sistema eleitoral do que o seu peso efectivo no eleitorado.
III-OS EFEITOS DOS SISTEMAS ELEITORAIS
Não vejo por que os sentimentos e os interesses que organizam os homens segundo localidades seriam os únicos que se julgassem dignos de representação, ou por que indivíduos que têm outros sentimentos nem interesses a que emprestam mais valores do que aos geográficos, a esses se limitassem como principio único de classificação política. ( John Stuart Mil 1861)
Estas palavras foram proferidas pelo John Stuart Mil na sua obra “o governo representativo”, que defendeu a introdução do sistema eleitoral proposto pelo jurista Thomas Hare em 1859. Hare no seu “tratado sobre eleição de representantes, parlamentares e municipais” considerou como propósito fundamental de um sistema eleitoral era assegurar a representação das opiniões individuais, e não das comunidades ou partidos políticos. Para Hare os eleitores deveriam ter mais ampla possibilidade de escolha não só de partidos, mas, sobretudo de seus representantes individuais. Era para Hare inconcebível que as opiniões dispersas pelo país não estivessem representadas no parlamento somente porque não estavam confinadas a uma área geográfica.
Estas posições visam o sistema maioritário que vigorava na Inglaterra por limitar a representação política apenas à representação das comunidades e não permitir que os políticos de talento chegassem ao parlamento. A alteração do sistema britânico para representação proporcional poderia elevar a qualidade do parlamento inglês.
Os sistemas eleitorais seguindo a perspectiva analítica dos dois ilustres especialistas referenciados, e acrescentando o Maurice Duverger, produzem três principais efeitos nomeadamente fragmentação partidária, as maiorias unipartidarias e desproporcionalidades entre votos e cadeira.
IV-O sistema eleitoral na constituição de 1992
1- sistema eleitoral para eleição do Presidente da República
- O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo, igual, secreto e periódico, pelos cidadãos residentes no território nacional, nos termos da lei.
- O Presidente da República é eleito por maioria absoluta dos votos validamente expressos. Se nenhum candidato a obtiver, procede-se a uma segunda votação, à qual só podem concorrer os dois candidatos que tenham obtido o maior número de votos na primeira e não tenham desistido.
- As candidaturas são apresentadas ao Presidente do Tribunal Supremo, até sessenta dias antes da data prevista para a eleição.
2- sistema eleitoral para eleição do parlamento
a) por direito próprio cada província é representada na Assembleia Nacional por um número de cinco Deputados, constituindo para esse efeito cada província um círculo eleitoral;
b) b. os restantes cento e trinta Deputados são eleitos a nível nacional considerando-se o país para este efeito um circulo eleitoral único;
c) c. para as comunidades Angolanas no exterior é constituído um círculo eleitoral representado por um número de três Deputados, correspondendo dois à zona África e um o resto do mundo.
- O mandato dos Deputados inicia-se com a primeira sessão da Assembleia Nacional após as eleições e cessa com a primeira sessão após as eleições subsequentes, sem prejuízo de suspensão ou de cessação individual do mandato.
V- os modelos de eleição nos três projectos apresentados pela Comissão Constitucional
1- projecto A
a) modo de eleição do Presidente da República
- O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos angolano eleitores residentes no território nacional e no estrangeiro.
- Para efeitos da eleição do Presidente da República, o território da República de Angola e o estrangeiro constituem um círculo eleitoral único.
- A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realiza-se
simultaneamente, no primeiro domingo de Setembro, em primeira volta, e no último domingo de Setembro, em segunda volta, se houver, do ano em que termina o mandato presidencial vigente.
- A eleição do Presidente da República importa a do Vice-Presidente com ele registado.
- É considerado eleito Presidente a candidatura que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os votos em branco e os votos nulos.
- Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação faz-se nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.
impedimento legal de candidato, convoca-se de entre os remanescentes, o de maior votação.
- Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso.
- São elegíveis os cidadãos eleitores, angolanos de origem maiores de 35 anos e não titulares de uma segunda nacionalidade.
- Se o Presidente da República renunciar ao cargo, não pode candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quinquénio imediatamente subsequente à renúncia.
- As candidaturas para Presidente da República são apresentadas até cento e vinte dias antes da data constitucionalmente marcada para a eleição.
- Podem apresentar candidaturas para Presidente da República os Partidos
políticos legalmente constituídos, as coligações de partidos políticos, ou um mínimo de cinco mil e um máximo de dez mil cidadãos eleitores.
b) modo de eleição dos deputados
- Os Deputados à Assembleia Nacional são eleitos segundo o sistema de
representação proporcional, de forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método de média mais alta de Hondt na conversão de votos em número de mandatos;
- Por direito próprio cada Província ou entidade autónoma é representada na Assembleia Nacional por um número de cinco Deputados;
- Por direito próprio as comunidades angolanas no exterior são representadas na Assembleia Nacional por um número de três Deputados, constituindo, para a conversão dos votos em mandatos, um único círculo eleitoral;
- Os restantes cento e trinta Deputados são eleitos nos termos da lei, considerando-se o País para este efeito um círculo eleitoral único;
- A eleição dos Deputados à Assembleia Nacional é feita por listas
plurinominais de partidos políticos ou de coligações de partidos, dispondo
cada eleitor de um voto singular por lista.
- As listas são apresentadas aos eleitores durante a campanha eleitoral para que estes tomem conhecimento dos nomes dos candidatos a Deputados de cada partido ou coligação de partidos.
- Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei e de acordo com o sistema eleitoral estabelecido pela Constituição e a lei.
2- projecto B
a) modo de eleição do Presidente da República
- O Presidente da República é eleito por sufrágio universal directo, igual, secreto e periódico pelos cidadãos angolanos residentes no território nacional, nos termos da lei.
- O Presidente da República é eleito por maioria absoluta de votos validamente expressos.
- Se nenhum candidato obtiver a maioria referida no número anterior, procede-se a uma segunda votação, a qual só podem concorrer os dois candidatos mais votados e que não tenham desistido.
- A segunda votação realiza-se até 45 dias, contados da divulgação oficial dos resultados do primeiro sufrágio.
- Em caso de desistência ou morte de um candidato à segunda volta, é substituído pelo candidato que se lhe seguir na ordem de votação da primeira volta, desde que tenha alcançado mais de 15% dos votos validamente expressos, salvo se a desistência resultar de vontade unilateral ou de acordo político no sentido de se declarar o candidato mais votado como vencedor.
b) modo de eleição dos deputados
Os Deputados à Assembleia Nacional são eleitos segundo o sistema de representação proporcional, adoptando-se o seguinte critério:
- Cada província é representada na Assembleia Nacional por um número de cinco Deputados, constituindo para o efeito um círculo eleitoral;
- Cento e trinta Deputados eleitos a nível nacional considerando-se o país para o efeito um círculo eleitoral único;
- Para as comunidades angolanas no exterior é constituído um círculo eleitoral representado por um número de cinco Deputados, correspondendo três à zona África e dois ao resto do Mundo.
3- Projecto C
a) modo de eleição do Presidente da República
- O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo, igual, secreto e periódico, nas listas dos Partidos ou coligações de partidos concorrentes às eleições gerais, pelos cidadãos angolanos maiores de dezoito anos de idade residentes no território nacional, considerando-se igualmente como tal, os cidadãos angolanos residentes temporariamente no estrangeiro por razões de serviço, estudo, doença ou similares.
- É eleito Presidente da República o cabeça de lista do partido ou Coligação de Partidos mais votado no quadro das eleições gerais, realizadas ao abrigo do artigo
- As candidaturas podem incluir cidadãos não filiados no partido ou coligação de partido concorrente.
- As candidaturas previstas nos números anteriores devem ser subscritas por um número mínimo de mil cidadãos eleitores residentes em cada uma de, pelo menos, três quartos das Províncias do país.
- As candidaturas são apresentadas ao Tribunal Constitucional até sessenta dias antes da data prevista para as eleições gerais.
- Em caso de indeferimento ou recusa pelo Tribunal Constitucional ou de
impossibilidade definitiva do candidato a Presidente da República proposto nos termos dos números anteriores, pode haver indicação de um novo candidato em substituição do candidato proposto, nos termos da lei.
- O candidato aprovado pelo Tribunal Constitucional é o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do partido ou coligação de partidos proponente e concorrente nos termos da presente Constituição.
b) modo de eleição dos deputados
- Os Deputados são eleitos segundo o sistema de representação proporcional, por sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico pelos cidadãos nacionais maiores de dezoito anos de idade residentes no território nacional, considerando-se igualmente como tal, os cidadãos angolanos residentes no estrangeiro por razões de serviço, estudo, doença ou similares;
- Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais, existindo um círculo eleitoral nacional e círculos eleitorais correspondentes a cada uma das províncias:
- Para a eleição dos Deputados pelos círculos eleitorais é fixado o seguinte critério:
a) Um número de cento e trinta Deputados é eleito a nível nacional, considerando-se o País para esse efeito um círculo eleitoral nacional único;
b) Um número de cinco Deputados é eleito em cada província, constituindo para esse efeito um círculo eleitoral provincial.
VI - Análise juridico-constitucional aos sistemas eleitorais constantes dos projectos de constituição.
a) projecto A
Este projecto vem retomar em todo o sistema eleitoral maioritário de duas voltas para a eleição do Presidente da República e em parte o sistema de representação proporcional para eleição dos deputados. Adopta a fórmula de média alta para apuramento de mandatos e abandona a fórmula da maior sobra, também prevista na actual constituição. Esta proposta ao abandonar a fórmula da maior sobra, eventiualmente pretende evitar qual interpretação casuística, como a que ocorreu nas últimas eleições legislastivas, na atribuição dos mandatos que sobravam depois da distribuição proporcional ao número de votos de cada partido.
Entedemos que havendo clara diferente entre os círculos provinciais e nacional quanto a forma da vontade de voto seria prudente manter a fórmula da maior sobra, por ser aquele que representa de modo fiel a vontade eleitoral.
b) Projecto B
Está opção constitucional não consagrou o sistema maioritário de duas voltas para eleição do Presidente da República, mas não clarificou o modo de eleição dos deputados à Assembleia Nacional. Somos de entendimento que tal falhas é grave, pois as regras de transformação de votos em mandatos devem ser bem claras no texto constitucional evitando atribuir total liberdade ao legislador ordinário. Se a vontade dos proponentes foi, de facto, deixar que ao livre arbítrio do legislador ordinário definir as regras de apuramento de mandato para a Assembleia Nacional, somos de opinião que não foi boa opção politicamente, atendendo a simplicidade procedimental na elaboração, discussão e aprovação de uma lei. As matérias com dignidade constitucional devia constar necessariamente da Constituição.
c) Projecto C
Para eleição do Presidente da República este projecto consagra um modelo que operativa tem execução com a eleição do Parlameto, ou seja, o modelo proposta pretende falsamente fazer querer que a eleição do Presidente da República far-se-à pelo voto direito dos cidadãos. Apesar de consaggrar alguns procedimentos para a propositura da candidatura próprios de uma eleição directa, porém peca quanto a atribuição do voto que é o fundamental numa eleição. Qualquer eleição não pode ser vista pelos meios através dos quais são apresentadas as candidaturas, mas sim pelo modo como o voto do eleitoral vai exprimir a sua vontade.
Esta proposta pretende, no seu fundo político, evitar os limites matérias previstos na actual Constituição, quanto aos poderes constituintes, sejam eles derivados ou orginários. O artifício político- jurídicos usado para sustentar uma vontade política, acabou por se constituir num verdadeiro caos.
Os proponentes querem com esta proposta fazer querer que é uma eleição desta natureza, onde o Presidente da República é eleito na lista do partido vencedor das eleições legislativas, representa uma coesa na acção do governo por resultar de uma vontade da maioria parlamentar. Lamentavelmente, os proponentes se esqueceram que o sistema que propõem para eleição do parlamento é de representação proporcional onde a fragmentação do voto é constante. Nota-se, por exemplo, que na Europa de hoje dificilmente os partidos ganhadores constituem maiorias absolutas, porque a representação proporciona, como acima demonstramos, visa fundamentalmente assegurar ampla representação social de todos os interesses comunitários, sejam políticos, religiosos, étnicos, econômicos, etc.
O sistema proposto exige que no mesmo boletim de voto, para as eleições legislativas, os cidadãos expressam também a sua vontade quanto ao Presidente da República. Esta opção claramente viola o princípio da liberdade de escolha que gozam os cidadãos na democracia representativa. Ou seja, é proibida qualquer forma de coação ao eleitoral na escolha de quem vai exercer os poderes estaduais. Vejamos, por exemplo, que ao cidadão não será dada a possibilidade de votar contra um determinado partido e a favor de um candidato ou vice-verse, sendo que um voto representa duas eleições, isto é votar no candidato as presidências é igualmente votar no partido. Que estranho modelo eleitora? É caso para dizer que é mesmo atípico.
Dois princípios que constituem limites a alteração constitucional estão a ser violados pela proposta em análise, nomeadamente, o da separação de poderes e eleição directa, previsto as alíneas d) e f) do artigo 159º da actual constituição.
O princípio da separação de poderes está presente não só no exercício das funções do Estado, mas no modo de provimento dos órgãos de soberania, principalmente os elegíveis pelo voto popular. É nosso entendimento que é violação a este princípio submeter a eleição do Presidente da República através de uma das listas plurinominais concorrentes às eleições legislativas. Não há aqui qualquer argumento técnico- jurídico que possa demover cumprimento deste princípio.
Quanto ao princípio da eleição directa, fica claro que o modelo proposto em nada se assemelha a uma eleição directa. É nosso entendimento que este modelo é caracterizado como eleição indirecta no quadro de uma eleição directa. Indirecta porque resulta da eleição parlamentar e directa, já que é realizada nos termos de uma eleição de deputados.
Esta proposta tem como condição sine quo non a integração na lista de candidatura a deputado, ou seja, é primordiar ser candidato a deputado para que a suposta eleição presidência seja possível. Mas aqui abre outra controvérsia que tem haver com a lista de candidatura. Se tiver em conta que as listas de todos os círculos eleitorais que concorrem têm mesmo valor eleitoral não sei por que se pretenderá valorizar uma das listas? Mais ainda, no quadro do sistema proposto a eleição primaria é feita às listas dos círculos provinciais, representando aqui um voto direito aos candidatos daqueles círculos, enquanto que os do círculo nacional é consequência dos votos dos círculos provinciais.
Os proponentes desta proposta procuraram, erradamente, imitar a eleição parlamentar da África do Sul e o formato do seu boletim do voto. Na Verdade naquele país existem dois tipos de eleição: uma para constituição do conselho das províncias (espécie de ma segunda câmara),onde concorrem os candidatos das listas províncias e a outra para formação do parlamento nacional, para o qual cada partido apresenta uma única lista.
Quanto ao boletim de voto ele é constituído pelas bandeiras partidárias e a efígie do Presidente do Partido. Nos termos da legislação eleitoral sul africana o Presidente do Partido aparece na lista não como candidato a Presidente da República como sim um símbolo do respectivo partido. Importa sublinhar que na África do Sul moderna existem vozes que pretendem alterar a eleição do Presidente da República pelo parlamento por não representar a verdadeira vontade dos eleitores, apesar da legitimidade do parlamento por resultar da eleição directa.
Estes são as possíveis considerações que nos oferecia fazer neste debate. É obvio que num trabalho como este não esgotamos tudo, mas faremos os possíveis de desenvolver este trabalho para um melhor aproveitamento. Termino desejando um bom debate.
BERNARDO TITO é licenciado em direito pela UAN. Mestrando em direito e desenvolvimento pela Faculdade de direito Getúlio Vargas - Brasil. É ainda especializado em direito constitucional pela Universidade Gamas e Filhos - Brasil. Bacharel em matemática pelo ISCED - Luanda.
Foi deputado à Assembleia Nacional, 3.º Vice-presidente da Comissão Constitucional e 3.º Secretário da Mesa da Assembleia Nacional, na 2.ª República.
É docente universitário, como regente, da Universidade Oscar Ribas, das cadeiras de finanças públicas e direito financeira, finanças locais e direito às obrigações.
Sem comentários:
Enviar um comentário