24/08/2010

A (i)legalidade da privatização da Movicel

No dia 22 de Agosto de 2010 17:43, escreveu:
A (i)legalidade da privatização da Movicel (*)

«Estado vende Movicel» é o título de um artigo jornalístico de «O PAÍS» On-line que me fez ficar estupefacto, por nunca ter ouvido falar de tal privatização, nem muito menos de um concurso público que deveria ter sido realizado para o efeito. Mais chocado fiquei quando li:

«A Movicel foi privatizada, ficando o capital da operadora de comunicações móveis distribuído pela PORTMIL – Investimentos (40%), MODUS COMUNICARE (19%), IPANG – Indústria de papel e derivados (10%), LAMBDA – Investment (6%) e NOVATEL (4%). As empresas estatais Angola Telecom e ENCTA (Empresa Nacional de Correios e Telégrafos de Angola) ficarão a deter 18% e 2% respectivamente da Movicel».
Acrescentava o mencionado artigo jornalístico que o Estado Angolano irá arrecadar nos próximos noventa dias a quantia de duzentos milhões de dólares resultantes desta privatização.
Trata-se, portanto, do assalto do ano, efectuado com o consentimento do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, com a anuência do Ministro das Finanças, ratificado pelo Primeiro-Ministro, tudo com vestes de legalidade nos termos do estatuído no Art. 3.º da Lei n.º 8/03, de 18 de Abril.

Não pode o povo angolano ficar quieto face ao assalto público que contra ele está a ser perpetrado, pelo que e usando as mesmas ferramentas dos assaltantes, que são as vestes de legalidade, importa agora encontrar as provas da falta de transparência deste processo de privatização da Movicel e que são motivo de desonra para todos os governantes nele envolvidos.

Estamos a falar da alienação de património do Estado Angolano – a Movicel é uma empresa pública angolana – cuja competência para legislar sobre esta matéria é acometida, sob reserva absoluta, à Assembleia Nacional, tal não é o seu grau de importância – Artigo 89.º, alínea m), da Lei Constitucional da República de Angola.
Foi no cumprimento desta competência que a Assembleia Nacional legislou sobre esta matéria, através da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto (Lei das Privatizações), posteriormente alterada pela Lei n.º 8/03, de 18 de Abril.

O artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto determina quais são os objectivos essenciais da privatização, ou seja, o Governo só deve privatizar empresas públicas se com essa privatização se cumprirem algum dos objectivos designados no artigo em análise.
Sucede que, a meu ver, nenhum dos objectivos traçados pelo Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto foi cumprido. A Movicel é uma empresa pública de sucesso e com um volume de facturação avultado, pelo que é imperioso que os governantes envolvidos no processo de privatização de uma grande empresa pública como esta venham explicar ao povo angolano em que termos a venda da Movicel aumenta a eficiência e a competitividade da economia ou reforça a capacidade empresarial nacional.
Alguns objectivos do Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto estão certamente cumpridos a favor daqueles que irão beneficiar com esta privatização, é desenvolvido o sector privado e são certamente beneficiados alguns angolanos, que são os mesmos de sempre e que não são os trabalhadores da Movicel, nem os pequenos subscritores como impõe a lei – Alínea e), do Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto.
É dentro desta lógica que solicitamos a estes governantes, e por a legislação angolana aplicável ao caso concreto o permitir, que expliquem em que termos é que o interesse público é prosseguido com a venda da Movicel.

Mais, é necessário que seja dado a conhecer ao povo angolano a avalização prévia ao processo de privatização da Movicel que deveria de ter sido efectuada por entidades credenciadas para o efeito, que fossem idóneas e independentes, tudo nos termos do estatuído no Artigo 6.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto. Importa determinar quanto vale a Movicel. Não sendo especialista de processos de avalização consigo afirmar que não serão certamente os míseros duzentos milhões de dólares que querem os novos accionistas oferecer pela mesma.

Ainda assim, o facto de não terem sido cumpridos com esta privatização nenhum dos objectivos estatuídos no Artigo 2.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto, ou de não ser do conhecimento público a avaliação prévia da Movicel, não é o mais gravoso neste processo, nem o que mais denota a falta de transparência deste processo de privatização.
A falta de transparência é evidente quando não se realiza um concurso público para a privatização da Movicel, quando se efectua o negócio da venda à porta fechada, sem conhecimento da sociedade civil e até mesmo sem o conhecimento de quadros superiores da Movicel.

Estatui o n.º 2 do Artigo 7.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto que «a privatização realizar-se-á em regra através de concurso público, aplicando-se apenas a casos absolutamente excepcionais os meios de concurso limitado ou ajuste directo».
Face ao estatuído na lei e à preterição de uma formalidade essencial como a obrigatoriedade de realização de concurso público interessa saber qual é a razão absolutamente excepcional que fundamenta a não realização de concurso público.
Quiçá a resposta a esta questão não seja possível, uma vez que não se pode afirmar que a razão absolutamente excepcional que fundamenta a não realização de concurso público seja a de beneficiar terceiros de forma ilícita que ficam desta forma com um património público em troca de míseros tostões.

Mais: será igualmente a de não possibilitar a terceiros idóneos, e igualmente interessados em enriquecer, a benesse de adquirir uma empresa pública rentável a preço de saldos, uma vez que a existir concurso público o mesmo seria aberto a todas as entidades que preencham as condições genericamente estabelecidas – Artigo 8.º da Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto.

Resta agora, e em termos sucintos, ver de que vícios administrativos padecerá este acto administrativo e quais as consequências jurídicas da prática do mesmo:

· A) A falta de concurso público, quando legalmente exigível, torna nulo o procedimento e o subsequente contrato, por preterição de um elemento essencial (Artigos 76.º, n.º 2, alínea f) e 127.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro);
· B) Estatui o Artigo 77.º do mesmo diploma legal que:
o 1. O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade;
o 2. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

Mais se diga que a Administração Pública no exercício da sua actividade deve tratar de forma imparcial todos casos concretos que lhe sejam cometidos e quando não o faz viola o princípio da imparcialidade consagrado no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 16 -A/95, de 15 de Dezembro.
Sucede que a fundamentação do acto administrativo que privatiza a Movicel deverá ser acrescida, o que não se vislumbra possível, pois sabemos desde já que este acto administrativo padece do vício de desvio de poder por motivo de interesse privado.
Explique-se que haverá «desvio de poder por motivo de interesse privado» quando a administração não prossegue um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado - por razões de parentesco, de amizade ou inimizade com o particular, por motivos de corrupção, ou quaisquer outros de natureza particular.
A consequência jurídica do desvio de poder por motivo de interesse privado é a nulidade do acto administrativo que privatiza a Movicel, com as vicissitudes já acima expostas.
Significa isto que o acto de privatização da Movicel será nulo por duas vias: a primeira que consiste na preterição incontornável da forma legal, a de concurso público, e a segunda que consiste na prossecução de interesses privados em detrimento do interesse público.
Diga-se, ainda, que o povo angolano solicita a digna intervenção do Tribunal de Contas em sede de fiscalização sucessiva para que realize um inquérito a fim de verificar a legalidade do processo de privatização da Movicel, tudo nos termos do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 5/96, de 12 de Abril.
Roga, ainda, o povo angolano à Assembleia Nacional para que solicite ao Tribunal de Contas a realização do mencionado inquérito nos termos da mesma disposição legal.
Por fim, rogará o povo angolano à intervenção divina se as entidades responsáveis pelo cumprimento do seu melhor interesse nada fizerem, pois só essa lhe restará.
(*) De um leitor devidamente identificado

Sem comentários: