05/08/2010

Luísa Rogério endereça "CARTA ABERTA AO DIRECTOR DO JORNAL DE ANGOLA


Luísa Rogério endereça
CARTA ABERTA AO DIRECTOR DO JORNAL DE ANGOLA
Escrever esta carta representa um dos actos mais inusitados da minha carreira profissional. Diante da situação, a escassez de argumentos e de vocabulário que, vez por outra, apoquenta o jornalista comum, seria um mero detalhe acomodado na expressão “ossos do ofício”. O dilema é de ordem ética, em que o exercício de um direito – o direito de resposta – me remete a uma situação, no mínimo, absurda.

Objectivando: eu, Luísa Rogério, editora de Cultura do Jornal de Angola, sirvo-me do espaço cibernético e, eventualmente, de alguma publicação impressa para responder a um artigo em que a minha pessoa foi particularmente visada. Algo normal se o artigo não tivesse sido assinado pelo Director do Jornal de Angola, a empresa onde ambos trabalhamos.


Acho estranho o facto de um jornal público, usar as suas páginas, um espaço comum, para abordar questões internas e, em princípio, supérfluas para o leitor. Omissões, discursos subjectivos e carregados de subentendidos não deviam, em nome do rigor, tão bem defendido pelo DG do Jornal de Angola, fazer parte de uma publicação sustentada por verbas públicas.

Evito comentar a questão da “lavagem da roupa suja” em praça pública, mas não foi a primeira vez que, nas entrelinhas ou explicitamente, a “Carta do Director” encobre desabafos contra os seus colaboradores. Contornando adjectivos e acusações dispensáveis, vou ater-me simplesmente aos factos.

Antes porém, uma ressalva: poderia recorrer ao Conselho Nacional da Comunicação Social para, ao abrigo da Lei de Imprensa e, no âmbito do Direito de Resposta, reivindicar a publicação da minha versão no Jornal de Angola. De igual modo, enviarei esta mensagem ao DG do Jornal de Angola na mesma altura em que o farei aos demais destinatários, já que é uma carta aberta. Não sou pessoa de agir pelas costas, para mim a transparência e frontalidade são valores incontornáveis.

É princípio geral corresponder a um determinado acto da mesma forma. Se os assuntos que inspiraram a “Carta do Director” na edição de domingo, 1 de Agosto de 2010, no Jornal de Angola, me tivessem sido colocados na instituição e de acordo com as regras de relacionamento funcional entre superior hierárquico e subordinada, teria respondido prontamente. Tendo sido abordados naquele formato, devo inferir que não se trata de uma mera questão inerente ao vínculo hierárquico entre o distinto DG do Jornal de Angola e uma editora, cujo nome não foi citado, mas que facilmente se conclui ser Luísa Rogério, a única jornalista com essa função no diário.

O problema extravasou para o nível da defesa do brio profissional e do meu bom nome, construídos durante mais de vinte anos de jornalismo, ante a apreciação subjectiva e pontual, baseada apenas num dado isolado, por agravante, ferido de morte por conter imprecisões que acredito terem decorrido de um lapso de memória do ilustre DG. Com certeza terá muitas outras preocupações enquanto gestor da empresa pública estratégica e de grande dimensão que é a “ EDIÇOES NOVEMBRO EP”, a titular do Jornal de Angola.

Apesar de o leitor e o jornalismo merecerem melhor, a atitude do DG deixou-me sem outra hipótese. Resta-me responder. Abro um extenso parêntese para sublinhar que o faço com muita tristeza. O Jornalista José Ribeiro é para mim o “Man Ribas”. Através dele, então Chefe de Departamento Informativo, ingressei no Jornal de Angola, na segunda metade dos anos oitenta.

Sem obrigação de o fazer, apostou em mim. Com paciência, corrigiu textos e fez reparos firmes. Sancionou, mas também me defendeu quando julgou necessário e justo. Ao longo dos anos, fomos cultivando uma saudável relação a nível profissional e pessoal, em que pontificavam o respeito e consideração mútuas. Para mim, nada disso mudou. Em Janeiro de 2007, José Ribeiro regressou ao Jornal de Angola como Director Geral. Saudei a nomeação e contribui para tranquilizar os apreensivos porque “apostava” na sua integridade.

Quando fez opções internas, aparentemente menos correctas, sob outras visões, defendi o mesmo princípio: a unanimidade genuína em termos absolutos é excepção. Mais importante do que isso, não acreditava que o jornalista José Ribeiro fosse do tipo de ser humano capaz de tomar decisões com o intuito deliberado de prejudicar.


Para encerrar o parêntese, reitero que José Ribeiro estava no topo dos profissionais que marcaram a minha trajectória. Já o afirmei em inúmeros ocasiões, antes dele assumir a direcção do único diário do país e não tenho porque escondê-lo. Como não sou movida por qualquer ímpeto bajulatório e tenho a pretensão de não ser cobarde, sempre fui honesta ao concordar ou discordar, quer em reuniões, quer em privado.

Entendo que um dos primeiríssimos requisitos para a nomeação de colaboradores próximos é a confiança. Quando esta é quebrada, a exoneração é a consequência natural porque um gestor tem a prerrogativa de escolher os profissionais da sua conveniência para cargos chaves, como me parece ser o de editor num jornal.


Considero nomeações e demissões normais na trajectória de um trabalhador. No Jornal de Angola já ocupei várias funções, das quais fui demitida por razões pontuais. Mas não deixei de ser jornalista. Essa não é apenas a profissão que escolhi, ainda adolescente. É a minha opção de vida, é a minha causa numa época em que elas se diluíram algures, entre a utopia e a “ressaca” da luta pela sobrevivência.

A esta altura não espero que alguma mente ardilosa tipifique o crime de reunião no local de trabalho dentro do respeito pelas leis e normas laborais. Reivindicar uma postura dialogante com quem lidera uma equipa de profissionais também não é crime. Nem sequer pecado. Como ser humano e como profissional tenho Direitos consagrados numa Constituição que o Jornal de Angola amplamente defendeu e divulgou.

Recuso-me a aceitar, silenciosamente, que me sejam imputadas responsabilidades sobre factos mal contados, com ou sem a intenção de manipular. Com a devida vénia aos meus colegas Editores e sub-Editores, confirmo ter subscrito uma carta endereçada à Excelentíssima Senhora Ministra da Comunicação Social. Escuso-me a mencionar aqui uma linha que seja do seu conteúdo por respeito às pessoas, às instituições e ao procedimento correcto.

Se o DG do Jornal de Angola tivesse solicitado esclarecimentos, acredito que teria tido outras referências. José Ribeiro tem feito a apologia do bom jornalismo, do rigor e da ética. Só que parece ter-se esquecido de uma regra fundamental: apurar a informação, cruzar as fontes e (porque não?) desconfiar delas. Não me refiro a matérias publicados por jornalistas, independentemente de conterem ou não informações precisas.

Assumir os meus actos faz parte da minha conduta. Sou um ser humano com erros e acertos, longe de mim aspirar ao estatuto de infalível. Ademais, duvido que viva tempo suficiente para algum dia alcançar o grau de excelência que reduz a zero a margem de erro em jornalismo.

Confesso que fiquei perplexa quando li a “Carta do Director”. Por instantes, a confusão mental apossou-se de mim. Existem registos de som, fotografias, testemunhas e outros detalhes facilmente comprováveis. A entrevista foi feita e gravada tanto por mim, quanto pela assessoria do entrevistado. Entregue no dia 19 de Julho de 2008, a sua publicação foi considerada extemporânea por razões que não evocarei.


Entendo que num jornal diário as opções de edição são dinâmicas. A ordem de prioridade varia, às vezes, até numa mesma edição, em função de circunstâncias e, sobretudo, do interesse público que dita as prioridades.

Consciente de ter feito a entrevista no quadro de um contrato de trabalho que me vincula ao Jornal de Angola não me ocorreu a possibilidade de publica-la noutro espaço.

A entrevista era do Jornal de Angola, onde há uma cadeia de comando. Mesmo sendo editora de Cultura não tenho autonomia para ousar publicar uma matéria na Editoria de Política. Porque razão um jornalista em pleno gozo das suas faculdades mentais guardaria uma entrevista por si feita e editada para sob o risco de receber, dois anos volvidos, um atestado público de incompetência?

Se a credibilidade do Jornal de Angola algum dia esteve em causa, seguramente não foi por causa da citada entrevista que, como destaquei atrás, era do Jornal de Angola. Agora é exclusivamente minha!

Não tenho intenção de liderar revoluções e campanhas contra jornalistas, ainda que olvidem duas ou três constatações. Exemplos: a liberdade de expressão é já uma conquista dos angolanos; os movimentos reivindicativos regem-se por leis trabalhistas; em democracias, as minorias têm direitos, incluindo dois ou três “gatos-pingados”. Numa Redacção as pessoas divergem, há choques de carácter, percepções diferentes, falhas e mal entendidos. Mas as pessoas devem conversar, identificar problemas e buscar soluções.

O que não está correcto é impor a “lei da rolha” e rotular colegas com adjectivos susceptíveis de induzir outras interpretações. Por algo menos do que “sabotador” muita gente boa deixou precocemente este mundo. Esgrimir argumentos, sim. Tentar ganhar razão de forma acalorada, talvez. A qualquer preço, não. Até as guerras têm ética e são protegidas por convenções.

Agradeço aos amigos que me recomendaram cautela, recordando que a “corda rebenta sempre do lado mais fraco”. Mas do mesmo modo que, entre os David e Golias, nem sempre os vencedores são os mais fortes, nem tudo nesta vida se resume a batalhas campais.

Às vezes vale a pena parar e olhar ao redor. Quanto mais não seja para descobrir que entre o umbigo e o céu existe uma imensidão de gente. Dito de outro modo, ninguém é dono absoluto da razão. Em contextos como o presente, considero altamente recomendável a nossa milenar sabedoria africana traduzida em expressões como a do maliano Amadou Hampaté-Bâ que não me canso de evocar. “A verdade não é a minha verdade nem é a tua verdade, mas a que está no meio e a ninguém pertence”.
Muito obrigada.
Com respeito e consideração
Luanda, 2 de Agosto de 2010
Luísa Rogério

1 comentário:

Francisco Inácio disse...

Puxa, parece q a Edicoes Novembro anda mesmo de patas pra o ar. Quem estara a causar toda essa confusao? Alguem do Estado pode arrumar a casa?
Sei que essa empresa publica esta a perder muitos quadro e vai continuar a perder se nao se fizer nada. Disso nao th duvida, ja imaginaram uma empresa jornalistica sem jornalistas competentes???