26/01/2010

UNITA - DECLARAÇÃO SOBRE O FIM DO PROCESSO CONSTITUINTE

Atendendo à importância do assunto, decidimos transcrever na íntegra a Declaração da UNITA sobre o fim do processo constituinte:

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REPÚBLICA DE ANGOLA

UNIÃO NACIONAL PARA A INDEPENDÊNCIA TOTAL DE ANGOLA - U N I T A


­­­DECLARAÇÃO SOBRE O FIM DO PROCESSO CONSTITUINTE

Povo angolano:

Ontem, no Palácio dos Congressos, a UNITA escreveu nos anais da história política de Angola, o sentimento de repulsa do povo angolano pelo golpe constitucional efectuado pelo MPLA.

Agimos pacificamente, com muita tolerância, utilizando um método democrático muito comum nos Parlamentos do mundo civilizado, o abandono da sala pelos representantes do povo defraudado. Recebemos muitas expressões de encorajamento e de apreço de todas as partes do país, de muitas embaixadas e do estrangeiro, por este acto pacífico e corajoso em defesa do Estado de Direito.

Em Luanda, porém, a propaganda do regime, optou por uma política de insulto, que procura transformar o ofensor em vítima. Condenamos esta política. Em Portugal, no Brasil, na França, em todo o mundo, é normal os deputados abandonarem a sala quando querem protestar. No dia 14 de Outubro do ano passado, por exemplo, uma notícia da Rússia trazia o título Até deputados da oposição obediente perdem a paciência. Noticiava o seguinte, cito:

Os deputados de três grupos parlamentares da oposição na Duma Estatal (Câmara Baixa) do Parlamento da Rússia abandonaram a sala de sessões em sinal de protesto contra o facto de o Partido Rússia Unida se recusar a discutir “a falsificação dos resultados eleitorais”.

A nossa democracia é representativa. Isto significa que os deputados representam o povo. A posição dos deputados reflecte a vontade e o sentimento do povo. Uma boa parte do angolano há muito que nos pedia para abandonarmos a sala, porque eles sentiam que estavam a ser enganados, estavam a ser defraudados. Nós achamos que devíamos continuar até ao fim para percebermos a plena dimensão das intenções e dos actos fraudulentos.

A fraude começou com as eleições de Setembro de 2008. Continuou quando o Presidente da República deixou de cumprir a Lei e não convocou as eleições presidenciais, que estavam marcadas para 2009. Sem ter legitimidade para o fazer, em Dezembro de 2009, o Presidente da República condicionou o cumprimento da lei existente à aprovação de uma lei que não existia, a nova Constituição. Foi uma fraude à soberania do povo angolano e ao direito que lhe assiste de eleger o Presidente da República.

Em Janeiro de 2009, a Assembleia Nacional aprovou uma metodologia para os trabalhos da Comissão Constitucional e um prazo para as propostas dos Partidos políticos. A metodologia foi violada e a já famosa proposta C entrou fora dos prazos, violando a Lei. Mais grave ainda, o seu conteúdo encerra um desrespeito total pelas regras estabelecidas, violando os limites materiais fixados para o exercício do poder constituinte pela Assembleia Nacional.

Ao longo deste processo, que durou cerca de um ano, fomos alertando as instituições competentes. Ninguém deu ouvidos. O MPLA foi tornado refém do Presidente da República. Os Deputados esqueceram-se que integram um órgão de soberania distinto e separado do órgão Presidente da República, e que, por isso, não precisavam de violar a Lei só porque o Presidente da República já havia violado a Lei. E assim, prepararam uma Constituição à margem das normas procedimentais estabelecidas, cujo conteúdo nuclear abala o regime democrático e os fundamentos da República de Angola.

No final do processo, decidiram violar novamente os prazos estabelecidos. Antecipar a data da aprovação para Janeiro, a fim de consumar o golpe enquanto os angolanos estão distraídos com a festa do CAN. Foi ainda há três semanas que alertamos ao País que o MPLA estava a preparar mais um golpe ao processo constituinte. Denunciamos que queriam aprovar a sua proposta C às pressas, sem mais consensos, sem ouvir o Tribunal Constitucional, de forma a legitimar o Presidente não eleito como Presidente constitucional enquanto decorre o CAN. A proposta C é aquela que concentra excessivos poderes no Presidente da República, acaba com a eleição Presidencial em Angola, retira do povo o direito à titularidade original das suas próprias terras e viola os limites materiais que a Lei impõe.

Alguns perguntam: mas não podia a UNITA ficar na sala e votar contra ou abster-se de votar? A resposta é simples: NÃO. E porque não?

Porque não se votam questões ilegais. Votar para apurar o sentido da vontade da maioria significa aplicar o princípio democrático da maioria a questões legais. As questões que encerram o golpe constitucional efectuado pelo MPLA, são questões de fundo, que não podem ser resolvidas com o princípio da maioria, porque violam princípios políticos e jurídico-constitucionais, que limitam o poder constituinte de representação da Assembleia Nacional. Tais questões estão ligadas à defesa da independência nacional e da soberania do povo angolano e reflectem-se na questão da terra, dos símbolos e do sistema de governo. Este, por sua vez, inclui tanto o modo de eleição do Presidente da República, como a separação e a interdependência dos poderes dos órgãos de soberania. Esta é uma questão legal que o princípio maioritário deve respeitar, porque o princípio da maioria deve subordinar-se ao princípio da legalidade.

Ou seja, só se utiliza a votação para se decidir sobre questões legais. Os Deputados não podem votar questões ilegais. A Constituição que se pretendia aprovar é ilegal porque contém normas que violam dois princípios que a Lei impõe ao poder constituinte como limites materiais, nomeadamente o princípio da eleição directa e o princípio da separação de poderes. É ainda ilegal e ilegítima porque ela contém normas que encerram actos de obliteração da democracia. Quer dizer, não tendo havido a eleição do titular do órgão «Presidente da República» em 2009, e aprovando-se agora, em 2010, um novo sistema de governo, que dá ainda mais poderes ao Presidente da República, Angola terá um Presidente a decidir sobre o dinheiro do povo, mais de 35 bilhões de dólares por ano, sem mandato do povo, por mais alguns anos, e sem prestar contas. Significa então, que não convocou as eleições presidenciais de propósito, já contando que a proposta C lhe permitiria estender o seu próprio mandato. É isto que significa “acto de obliteração à democracia e à Constituição, atentatórios ao princípio da boa fé.”

Portanto, o Presidente da República, quis servir-se do princípio maioritário – que é um princípio da democracia - para destruir a própria democracia; para destruir o direito do povo de escolher o seu Presidente.

Votar contra não seria suficiente, porque não se votam ilegalidades. Elas devem ser repudiadas e combatidas. Mesmo que sejam cometidas ou apadrinhadas por religiosos, professores de Direito ou políticos. A forma mais eficaz de chamar a atenção das pessoas para a gravidade do acto é a saída da sala. Foi por isso que a UNITA saiu da sala.

Estamos satisfeitos porque cumprimos com dignidade e patriotismo o nosso dever. Estamos satisfeitos, porque sentimos o calor de apoio do nosso povo e todos os democratas patriotas, principalmente daqueles que não vendem a sua consciência por um prato de lentilhas. Estamos satisfeitos porque defendemos a causa dos oprimidos, que, mesmo sem pão, sem saúde, sem educação digna e sem voz, não se deixam defraudar.

Nem um Presidente da República, nem as maiorias transitórias, têm legitimidade para violar a lei, porque ninguém está acima da lei. Absolutamente ninguém. Se uma maioria quiser aprovar uma Constituição, violando a lei, esta Constituição não é legítima. E um dia será corrigida pelo único titular do poder constituinte, o povo angolano.

Em fidelidade ao povo heróico de Angola, como seus legítimos representantes, não podemos, não devemos, nem podemos pactuar com esta brutal e descarada ilegalidade.

O nosso país já vive de enganos, engodos e de violações sistemáticas à Lei. A corrupção já está institucionalizada a todos os níveis da hierarquia do Estado. Este regime está doente. O objectivo de insistirem em aprovar uma Constituição à margem da lei, não pode ser outro, senão o de continuarem a utilizar o Estado para fins privados. E queriam que a presença da UNITA legitimasse mais esta fraude, como quem faz branqueamento de capitais de capitais. Não, não contem connosco para trair a independência do povo angolano, que foi conquistada com o sangue de milhares dos seus filhos.

Cumprimos o nosso dever. Conseguimos chamar a atenção de todos de que algo está mal. No meio de tanta fanfarra, há um cancro profundo, uma podridão de vícios, que corrói o tecido político e social da Nação!

Os angolanos não se devem deixar distrair pela propaganda frenética do regime. Se uma Constituição refém da vontade da maioria se torna um possível instrumento formalmente legitimador de normas que desprezam o direito fundamental de os angolanos serem os proprietários de raiz da sua própria terra e que anulam o direito fundamental de os angolanos elegerem por sufrágio universal directo e secreto o seu Presidente da República, e de controlarem os seus poderes, esta Constituição vem instituir um Estado tirano. Um Estado tirano é aquele que institui e pratica o totalitarismo legitimado democraticamente pelo princípio maioritário.

O dia 21 de Janeiro ficará assim na história como um dia de luto para a democracia angolana. Ele representa a consumação do golpe contra a democracia e contra a soberania do povo angolano, que iniciou no dia 5 de Setembro de 2008. Ficou claro para todos, em Angola e no mundo, que a UNITA não caucionou este golpe.

Luanda, 22 de Janeiro de 2010

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