20/01/2010

UNITA NÃO PARTICIPA DA SESSÃO DE DISCUSSÃO E APROVAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO PELA ASSEMBLEIA NACIONAL

Atendendo à importância do assunto, transcrevemos na íntegra o discurso da Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, durante a sessão de abertura da Assembleia Nacional para a discussão e aprovação da nova Constituição:

EXCELÊNCIA SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL

CAROS COLEGAS DEPUTADOS

DISTINTOS MEMBROS DO GOVERNO

MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES

Esta Assembleia está aqui reunida hoje, 20 de Janeiro, num papel diferente, para o exercício de um poder diferente, que deve ser exercido com base em regras diferentes. Trata-se do poder constituinte, que não é um poder absoluto. É o exercício de um poder de representação, que deve obedecer a regras pré-constituintes.

A legitimidade desta Assembleia para aprovar a Constituição de Angola e a ordem de valores que ela deve encerrar, não provém apenas das eleições realizadas em Setembro de 2008. Ela resulta de uma lenta evolução histórica de progressivas conquistas do povo angolano, incluindo a independência nacional e a democracia, como regime político da paz e da justiça social. A mesma lei que lhe confere a legitimidade, impõe-lhe limites para o seu exercício. Esta Assembleia não tem legitimidade para exercer o poder constituinte e aprovar a Constituição de Angola fora dos limites sócio-políticos e jurídico-constitucionais, formais e materiais, que a História e a Lei impõem ao exercício deste poder.

Tais limites envolvem cinco questões fundamentais:

1) o direito do povo à propriedade originária da sua terra;

2) a necessidade de os símbolos nacionais representarem de facto, o regime democrático da III República e não o regime monopartidário da I República;

3) o direito do povo de eleger o Presidente da República por sufrágio directo, num boletim de voto exclusivo a ser depositado em urna exclusiva;

4) a observância sem subterfúgios nem ambiguidades dos princípios da eleição directa e da separação de poderes, estabelecidos como limites materiais pelo Artigo 159˚ da Lei Constitucional; e

5) a incompetência desta Assembleia para legitimar o exercício do poder político pelo actual Presidente da República à margem da lei e da vontade nacional.

Esta Assembleia pretende utilizar o princípio democrático da maioria para passar por cima desses limites, eliminar os direitos e as liberdades dos angolanos, retirar aos angolanos o título de propriedade das suas terras e anular a eleição presidencial. A grande questão que se coloca aos angolanos é a seguinte: Se a democracia envolve sempre o respeito pela vontade da maioria, será que esta vontade ainda tem de ser respeitada quando decide pela eliminação da própria democracia?

A recente história constitucional conhece dois tipos de resposta: a democracia de Weimar, de inspiração totalitária e de natureza ocupacionista, responde em sentido afirmativo, considerando que “a democracia se podia suprimir a si mesma de forma legal.” A democracia de Bona, de inspiração patriótica e universal, responde em sentido contrário. Daí as cláusulas proibitivas da subversão da ordem constitucional liberal e democrática, quer por meios violentos, quer por golpes constitucionais subtis, que utilizam a própria democracia para subverter a democracia.

Para que fique registado e conste dos anais da história, cumpre-nos explicar porque é que a vontade da maioria, nestas cinco questões, não deve obliterar a própria democracia, e, por isso, não pode e não deve ser respeitada.

Sobre a questão da terra - Não há independência nem liberdade para um povo sem a posse da terra. Assim como não há Estado sem território, também não há autodeterminação dos povos sem estes possuírem o direito de propriedade de raiz das suas terras. São os povos que conquistam a independência, e não os Estados. Os angolanos não conquistaram a independência para um Estado predador lhes espoliar a terra e alimentar os apetites latifundiários de uma nova classe de exploradores, que utiliza o Estado para fins privados.

A terra é o único património que as comunidades autóctones possuem. A terra não exige que o ter e o usar estejam juntos. Nas outras mercadorias, o ter é condição do usar e o usar é a realização do ter; no caso da terra, não é necessário que estejam juntos. O povo pode ter e o Estado pode usar, dispondo e gerindo no interesse público as terras não tituladas. Mas o proprietário de raiz é sempre o povo, porque o povo precede o Estado. Esta Assembleia tem a responsabilidade de desenvolver e proteger os direitos económicos dos angolanos, garantir a igualdade de oportunidades e a eliminação de diferenças socioeconômicas. Para tanto, tem de garantir os direitos de propriedade e posse das terras tradicionalmente ocupadas. Este foi o verdadeiro sentido colhido durante a consulta pública. A maioria do povo quer que a Constituição reconheça a terra como proriedade originária do povo angolano. Não se trata de uma opção política. Trata-se de um direito sócio-económico fundamental e inalienável do povo.

Sobre os símbolos nacionais - Defendemos que a bandeira do passado, que destaca como dirigentes a classe operária e a classe camponesa, simbolizadas pela catana e pela roda dentada, não pode ser a bandeira do futuro, da III República. Ela favorece o MPLA nos processos eleitorais, porque a bandeira do MPLA é semelhante à bandeira da República. Quanto ao Hino Nacional, Angola podia manter a melodia, mas ajustando a sua letra à verdade da nossa história e ao regime democrático instituído em 1992.

Sobre os poderes e a não eleição do Presidente da República - A maioria parlamentar quer utilizar o princípio democrático para concentrar no Presidente da República não só poderes executivos excessivos, sem o controlo dos outros poderes, como poderes legislativos especiais. A maioria quer ainda concentrar no Presidente da República poderes para seleccionar os principais juízes do topo da hierarquia judicial. Tudo isto ao arrepio dos princípios universais que caracterizam as democracias presidenciais, nomeadamente o controlo recíproco e a separação e interdependência de poderes entre os órgãos de soberania.

A maioria parlamentar quer concentrar todos estes poderes políticos no Presidente da República mas não quer que o Presidente da República seja eleito directamente pelo povo, em flagrante violação aos limites materiais consagrados no Artigo 159º da Lei Constitucional. A maioria parlamentar quer que o Presidente da República não eleito represente a Nação no plano interno e internacional, seja o Chefe do Governo, o Chefe de Estado e o Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas, sem o dever de prestação de contas à Assembleia Nacional. De facto, não se respeita neste modelo o princípio da separação de poderes, que é um dos limites materiais impostos ao exercício do poder constituinte por esta Assembleia.

Senhor Presidente da Assembleia Constituinte;

Ilustres Deputados:

O povo pede-nos para recordar-vos que a não eleição do titular do órgão «Presidente da República» e a aprovação do sistema de governo, ora proposto, ao arrepio da Lei, serão interpretadas como actos de obliteração à democracia e à Constituição, atentatórios ao princípio da boa fé.

Servir-se da democracia para destruir a democracia é sempre um acto ilícito e, nesta medida, constitucionalmente inadmissível.

Nem um Presidente da República, nem as maiorias transitórias – porque em democracia o poder é sempre transitório – têm legitimidade para violar a lei, porque ninguém está acima da lei. Absolutamente ninguém. Se uma maioria aprovar uma Constituição, violando a lei, esta Constituição não é legítima. E se um Presidente da República, ele próprio não eleito e não legítimo, promulgar uma Constituição não legítima, feita em violação à Lei, esta Constituição deve ser corrigida pelo povo, que é o único detentor do poder constituinte.

Senhor Presidente:

Ao longo do processo de elaboração da Constituição, fomos solicitando a Vexa., Senhor Presidente, uma consulta ao Tribunal Constitucional, para, nos termos do Artigo do Artigo 69˚ da Lei Orgânica do Processo Constitucional, com aplicação aos Artigos 20˚ e 16º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, alíneas n) e o), emitir uma opinião sobre as questões de interpretação controvertida. Sim, pedimos uma consulta e não uma fiscalização preventiva. Até ao momento, não obtivemos qualquer resposta.

Excelência Senhor Presidente,

Ilustres Deputados,

Caros membros do Governo:

· Considerando que o processo de elaboração desta Constituição não obedeceu à metodologia inicialmente acordada na Comissão Constitucional, o que desembocou numa aceleração que não permitiu a necessária participação de todos os actores da cena política angolana;

· Considerando que a consulta pública sofreu uma forte manipulação política, a favor do partido no poder, com a pré-consagração do “Projecto C”;

· Considerando que a pressão exercida na aceleração dos trabalhos da Comissão Constitucional visou fundamentalmente a legitimação do Presidente da República em funções, para Presidente com prerrogativas plenas, sem a imprescindível eleição presidencial;

· Considerando que o modo de eleição presidencial, plasmado no texto de Constituição trazido para aprovação, não fazia parte de nenhum dos ante-projectos que deram entrada nos prazos estabelecidos pela Lei 02/09 de 6 de Janeiro, a Lei que cria a Comissão Constitucional;

· Considerando que a introdução da opção atípica constituiu-se em elemento perturbador de todo este processo constituinte, ferindo gravemente as cláusulas pétreas previstas no Artigo 159º da Lei Constitucional ainda em vigor;

· Considerando a não observância da Lei, em matéria de competência do Tribunal Constitucional, relativamente ao processo de consulta sobre a concretização da Constituição, para dar resposta a questões pertinentes sobre interpretação e aplicação de normas constitucionais, independentemente da fiscalização preventiva;

· Considerando que esta Constituição dá excessivos poderes ao Chefe de Governo, que vai cuidar da gestão do erário público sem disso prestar contas a quem quer que seja;

· Considerando que uma Constituição para Angola deve assentar em bases metodológicas consensuais, na observância dos limites materiais, e que nenhuma formação política ou entidade deve estar acima da lei,

· Considerando que os símbolos da Nação devem ser aqueles em que todos os cidadãos se possam rever e para os quais neste texto constitucional houve uma total insensibilidade e cinismo na sua abordagem em termos mais adequados, ferindo as disposições legais que recomendam a não confundibilidade dos símbolos dos partidos políticos com os símbolos da Nação;

· Considerando que as questões evocadas acabam por abalar a unidade de todo o ordenamento jurídico constitucional;

· Considerando que na elaboração de uma Constituição existem cláusulas determinantes, e estando as mesmas, no caso vertente, feridas de inconstitucionalidade;

O Grupo Parlamentar da UNITA, ciente das responsabilidades que pesam sobre si, no momento em que se busca aprovar a Constituição para Angola, afirma a sua determinação de abster-se de exercer o seu direito de voto, na especialidade, sobre a totalidade do texto constitucional, pelo que, em obediência ao nº 2 do Artigo 152º do Regimento Interno desta Assembleia, comunicamos a V. Exa. Senhor Presidente a retirada da sala do Grupo Parlamentar da UNITA, na altura da votação.

Muito Obrigado, Senhor Presidente.

1 comentário:

Mukwa Malanji disse...

Caro Ze, exprimo a minha elevada gratidao, pelas noticias. Sao tristes, porque celebram as "exequias funebres" da tao lenta transition do nosso pais a democracia. De facto, ja o nosso Caro Pestana, disse com razao, a "democracia foi de ferias." Sim, esta apenas ferias. Nao morreu. Porque caso ela tivesse morrido, entao tambem seria em vao o sublime trabalho de construction lenta e penosa da nossa Angola, que varias pessoas como tu tem protagonizado. Um bem haja grandioso!
Sempre alertos, Mukwa Malanji (mukwamalanji@yahoo.com)