17/03/2010

BALANÇO E PERSPECTIVAS DAS DINÂMICAS DA SOCIEDADE CIVIL ANGOLANA NO LUBANGO FOCOU-SE NAS DEMOLIÇÕES E DESALOJAMENTOS FORÇADOS

BRIEFING

Realizou-se no dia 15 de Março de 2010 na cidade do Lubango um encontro sobre “Balanço e perspectivas das dinâmicas da sociedade civil Angolana”, organizado pela ADRA-Huíla em colaboração com a Faculdade de Economia da Universidade Católica de Angola, Universidade de Coimbra (CES-FEUC), Omunga-Lobito, Centro de Estudos para o Desenvolvimento e Universidade de Wageningen, apoiado pela Christian Aid, Oxfam-Novib, ICCO e ADRA-Angola.

O encontro contou com a presença de inúmeras Organizações da Sociedade Civil, tendo tido como prelectores o Pe. Jacinto Pio Wacusanga (Associação Construindo Comunidades), o Pastor Azevedo Bango (IECA), Guilherme Santos (ADRA-Huíla), José Patrocínio (Omunga), Marcelino Ngula (CED-Huíla), Mariana Soma (ADRA-Huíla) e Nuno Vidal (CES-FEUC).

Dos temas abordados fizeram parte o balanço e perspectivas de acção futura das OSC da Huíla no que concerne a diversas áreas, nomeadamente o processo de descentralização, para além da monitorização do OGE. Da discussão emergiu claramente o assunto do momento no Lubango – o desalojamento forçado das comunidades residentes ao longo da linha do caminho-de-ferro do Namibe deslocados para o município da Chavola.

Dada a urgência do tema e do problema, a organização do evento realizou uma brevíssima síntese das intervenções no que respeita exclusivamente ao tema dos desalojamentos forçados que abaixo se apresenta para divulgação (a síntese é uma selecção de alguns comentários dos prelectores relacionados com o tema, retirados de discursos mais amplos e estruturados).

Pastor Azevedo Bango:

Não obstante o facto de as Igrejas pugnarem pela organização e ordem, a realidade de muitos anos de guerra provocou desordem, falta de informação jurídica, fraca orientação das autoridades locais e morosidade em ceder terrenos. O governo quer agora repor a legalidade, mas para ter viabilidade terá de ter em conta o contexto que nos trouxe até à presente realidade.

As populações que foram agora deslocadas estão a sofrer uma situação de pobreza agravada, especialmente as crianças que para além dos problemas gerais de falta de saneamento e outros, vêm o seu ano escolar comprometido.

As Igrejas dentro da sua linha de acção não estão contra o governo nem contra as populações, queremos mobilizar todos numa corrente de solidariedade e advocacia para tentar resolver o problema. Estamos numa mesma sociedade e não nos podemos dividir.

Pe. Jacinto Pio Wacussanga:

Na 1ª conferência de Direitos Humanos notámos que vários espaços públicos parecem estar a fechar-se, nomeadamente no acesso à justiça, educação e habitação.

O Conselho dos Direitos Humanos da ONU estabeleceu a partir de 2009 um mecanismo de revisão periódica universal que se repete de 4 em 4 anos e neste âmbito estivemos recentemente em Genebra com outras Organizações da Sociedade Civil para integrar este mecanismo no que respeita a Angola. O que aconteceu recentemente com as populações deslocadas na Chavola é um retrocesso no que concerne à habitação. Nos processos de demolições existem mecanismos de protecção internacional, especialmente em relação às camadas mais vulneráveis, exigindo-se a existência de criação prévia de condições mínimas de habitabilidade nos locais para onde serão deslocadas as populações. A criação de condições de serviços sociais é fundamental para cumprirmos com os Princípios Universais de respeito pelos Direitos Humanos no que respeita à deslocação de populações. Isto não foi respeitado e significa por isso um retrocesso.

Guilherme Santos:

Estamos perante uma estratégia do governo em relação ao desenvolvimento em que o betão se sobrepõe ao humano, ao social, ao cultural. O que percebemos nos discursos veiculados nos media é o discurso das infra-estruturas, que reflecte uma ideologia dominante nas elites no poder. As práticas actuais representam uma maneira de pensar, uma visão o mundo e da sociedade que querem aplicar ao país. Têm a ilusão que a modernidade por si só vai resolver o problema da pobreza. As elites têm problemas de referências e agarram-se às ideias de betão porque existe dinheiro do petróleo para as realizar.

A respeito das demolições, atenta-se simplesmente a aspectos e argumentos de objectividade legal e necessidades do desenvolvimento dos projectos de betão, esquecendo todo o contexto de causas múltiplas que levaram à construção em locais considerados ilegais. Queremos hoje justificar o sofrimento humano de alguns com a necessidade do progresso. Devemos identificar essas manipulações simplistas de leitura da realidade.

Existe falta de consulta às OSC que vêm trabalhando com as populações e que poderiam ter ajudado a evitar esta situação que estamos a viver com as populações deslocadas. Existe igualmente falta de diálogo com essas mesmas organizações que agora poderiam ajudar a resolver o problema. Existe capital humano e know how nas OSC que poderiam criar sinergias para ajudar a resolver o problema e evitar futuros erros. Quando há deficit no diálogo e na busca de consensos os resultados são desastrosos.

Temos na sociedade uma mentalidade em que as ordens dos chefes valem mais do que a lei. O político proíbe de filmar, fotografar, noticiar e a ordem é cumprida independentemente de significar uma violação dos direitos estabelecidos na lei. Os cidadãos não se queixam porque não acreditam nos mecanismos de defesa institucionais da lei. Esta mentalidade ainda nos vai criar muitos problemas no futuro.

Temos em mãos uma situação premente de necessidade de educação judicial e assistência judicial aos cidadãos que queiram defender os seus direitos. Este sentido de contra-peso é necessário para o equilíbrio entre cidadão e Estado. Temos de desafiar o silêncio: tanto o dos órgãos de comunicação social como aquele que nós próprios desenvolvemos.

José Patrocínio:

Em Junho existirá nova audição de OSC no mecanismo de avaliação da ONU referido pelo Pe. Pio e devemos levar as nossas preocupações e reclamações procurando pressionar o governo Angolano a aceitar as nossas recomendações.

A legislação nacional em relação às demolições não se pode sobrepor ao estabelecido nos tratados internacionais assinados e ratificados por Angola.

Precisamos de criar mecanismos de informação alternativos e de ter mecanismos de protecção dos defensores dos Direitos Humanos. Devemos avançar no espaço de debates e tomadas de posição colectivas em relação a problemas concretos que emergem.

Concordo com a necessidade de apoio judicial aos cidadãos na defesa dos seus direitos em relação ao Estado, mas acho que também as OSC podem e devem accionar esses mecanismos em nome próprio.

A SC pode e deve agir publicamente, nomeadamente através de marchas e outras formas de actuação, que de forma legal reivindiquem e ajudem a ter outro peso nas mesas de negociação.

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