19/03/2010

CARTA DIRIGIDA AO GOVERNADOR DE BENGUELA

REFª: OM/ 050 / 10
Lobito, 19 de Março de 2010
C/c: Exmo. Sr. Presidente da República – LUANDA
Exmo. Sr. Ministro da Justiça – LUANDA
Exmo. Sr. Procurador-Geral da República – LUANDA
Exma. Sra. Presidente da Comissão Africana dos Direitos do Homem e os Povos
Exma. Sra. Relatora Especial das Nações Unidas para a Habitação adequada – GENEBRA
Exmo. Sr. Relator Especial das Nações Unidas para os Defensores de Direitos Humanos – GENEBRA
Exmo. Sr. Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e de Expressão – GENEBRA
Exmos. Srs. Embaixadores acreditados em Angola – LUANDA

Ao
Exmo. Sr. Governador Provincial de Benguela

B E N G U E L A

Assunto: MARCHA CONTRA DEMOLIÇÕES E DESALOJAMENTOS FORÇADOS

A OMUNGA acusa a recepção a 18 de Março de 2010 da vossa carta datada de 17 de Março de 2010, com o n.º 0000 1007 (em anexo), com o mesmo assunto desta carta em que informa que a Marcha organizada pela OMUNGA para 25 de Março de 2010, por motivos diversos que se baseia na interpretação e conjugação das Leis 16/91 e 17/91, não deverá ser realizada.

De acordo ao ponto 1 do artigo 7.º da Lei 16/91, Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação, o Exmo. Sr. Governador provincial tem o prazo de 24.00 horas para responder negativamente, caso verifique alguma irregularidade no que se refere à organização da Marcha. O Exmo. Sr. Governador provincial de Benguela não o fez no prazo previsto tendo-o apenas feito a 18 de Março de 2010 (data da recepção da sua carta no endereço da nossa associação), quando as nossas cartas deram entrada no Governo Provincial de Benguela a 09 e 11 de Março de 2010.

Por este motivo a sua recomendação de que “a marcha não deve ser realizada”, perde qualquer impacto e respaldo legal.

Por outro lado lembramos que a OMUNGA é uma associação e não um grupo, conforme o Exmo. Sr. Governador fez referência e, precisamente baseado no Artigo 13.º da Lei n,º 14/91, Lei das Associações, a associação OMUNGA tem personalidade jurídica porque:

1. A escritura pública foi publicada em Diário da República;
2. A escritura pública de constituição foi depositada no Ministério da Justiça;
3. Cópia do Diário da República que publicou a escritura de constituição foi remetida ao Procurador-Geral da República;
4. O Exmo. Sr. Procurador-Geral da República nunca promoveu qualquer declaração judicial de extinção.

Também por esta razão, a sua recomendação de que “a marcha não deva ser realizada”, perde qualquer impacto e respaldo legal.

O Sr. Governador provincial de Benguela faz menção à Lei 17/91, de 11 de Maio, que conjugada com a Lei 16/91, dar-lhe-iam as bases argumentativas para decidir recomendar a OMUNGA a não realizar a Marcha programada, na data, horário e percurso previsto. Gostaríamos de lembrar-lhe que a citada Lei 17/91 é a Lei Sobre o Estado de Sítio e Estado de Emergência, que portanto, neste caso, não lhe dão qualquer argumento jurídico legal para fazer este tipo de recomendação, já que não existe qualquer declaração de que em Angola exista Estado de Sítio ou Estado de Emergência.

Também por esta razão, a sua recomendação de que “a marcha não deva ser realizada”, perde qualquer impacto e respaldo legal.

Se pretendermos continuar a analisar e interpretar os restantes argumentos por si apresentados na sua carta de 18 de Março de 2010, poderíamos facilmente demonstrar que a sua recomendação de que “a marcha não deva ser realizada” perde todo o impacto e respaldo legal já que:

Horário: De acordo ao ponto 2 do Artigo 5.º da Lei 16/91, embora defina que os cortejos não podem ter lugar antes das 19.00 horas nos dias úteis, diz também que deve ser considerada a excepção em “situações devidamente fundamentadas”. Parece-nos que o motivo de realização da marcha pacífica para o dia 25 de Março de 2010 a partir das 15.00 horas, conforme descrito no assunto desta carta e de toda a correspondência anterior sobre o mesmo, é mais do que suficiente para se considerar como fundamento para tal excepção. A 25 de Março faz precisamente 3 meses de que ocorreram as demolições no Bairro da Graça – Benguela.

Lembramos que o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais concluiu na sua Observação Geral N.º 4 (1991) de que “os desalojamentos forçados são prima facie incompatíveis com os requisitos do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, do qual Angola faz parte e deve respeitar.

Clarifica ainda o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais na Observação Geral n.º 7 (1997) de que “dadas a interrelação e a interdependência que existem entre todos os direitos humanos, os desalojamentos forçados violam frequentemente outros direitos humanos. Assim pois, ademais de infringir claramente os direitos consagrados no Pacto, a prática de desalojamentos forçados também pode dar lugar a violações de direitos civis e políticos, tais como o direito à vida, o direito à segurança pessoal, o direito à não ingerência na vida privada, na família e no lar, e o direito a desfrutar em paz dos bens próprios.”

Assim, o seu argumento de que a realização da Marcha a partir das 15.00 horas “perturbará a ordem e a tranquilidade públicas bem como os direitos das pessoas singulares e colectivas no exercício das suas actividades laborais ou de lazer”, parece querer minimizar a gravidade do assunto que precisamente a marcha pretende chamar à atenção, denunciar e exigir o seu fim.

Percurso: De acordo ao ponto 3 do artigo 4.º da Lei 16/91, as autoridades competentes poderão impedir a realização de reuniões ou manifestações em lugares públicos situados a menos de 100 metros dos acampamentos e instalações das forças militares e militarizadas.

Assim, o argumento de que a passagem da marcha a menos de 100 de uma Unidade Operativa da Policia deve ser impedida por razões de segurança, perde todo o sentido já que a unidade policial não é uma unidade militar nem militarizada.

Por tudo exposto, a OMUNGA considera de ilegal a sua recomendação e por isso, continuando o respeito pela lei, irá realizar a referida marcha no dia 25 de Março de 2010, a partir das 15.00, no percurso já apresentado e volta a pedir ao Exmo. Sr. Governador que oriente as entidades administrativas e policiais para que apóiem e garantam a protecção dos participantes.

O uso da força por meios militares, militarizados, policiais ou outros para tentar impedir ou reprimir a realização da marcha será da responsabilidade do Exmo. Sr. Governador e do Exmo. Sr. Presidente da República que a partir desta carta deverá tomar as devidas medidas para que não exista qualquer impedimento para a sua realização.

Por último, aproveitamos para informar que esta carta será imediatamente de conhecimento público e será traduzida em inglês.

Sem outro assunto no momento, aceite as nossas cordiais saudações.


José António Martins Patrocínio





Coordenador

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