Editorial - 20/04/2010 11:52
Além das paredes
A forte chuva que tomou conta do Rio de Janeiro na segunda, dia 05 de abril, abalou a cidade em diversos aspectos. Após duas semanas do acontecido, o Observatório Notícias & Análises dedica uma edição especial ao tema. A intenção é contribuir com o bom debate e aportar ideias que possam ajudar na busca por soluções para os problemas ocasionados.
Como não podia ser diferente em uma cidade marcada pelas desigualdades urbanas, a chuva trouxe problemas para todos, mas resultou em tragédia para uma parcela da população. Para as camadas mais empobrecidas e que viviam em áreas precárias, os estragos foram, sem dúvida, mais pesados. Estamos falando da dor de centenas de famílias que viram suas residências virem abaixo. Histórias de vida, recordações, a dedicação para a construção de uma casa, documentos, bens adquiridos com dificuldade e, em muitos casos, pessoas queridas. Tudo isso arrasado e soterrado pelos 212 milímetros (em média) de água que caíram sobre a cidade em cerca de 24 horas. Passado o desespero dos primeiros dias e cumpridas as demandas surgidas na emergência, é hora de refletir acerca das consequências dos eventos que se seguiram, da importância da prevenção e mais, levantar maneiras de atacar os fatores que causaram o caos. É nesse cenário que surge o debate sobre as áreas de risco. Em meio à tragédia, a precariedade na moradia de muitos cidadãos saltou aos olhos. Habitações construídas em cima de lixões, comunidades inteiras alagadas, encostas que cedem matando centenas. Nos jornais fala-se muito na remoção desta parcela da população. Claro, é inaceitável que ainda existam cidadãos vivendo em condições similares às que vimos no Morro do Bumba, em Niterói. No entanto, há que se recordar que o Rio de Janeiro, há muito tempo, deixou de lado a brutalidade que implica o processo de remoção. Ideia superada no universo das políticas públicas voltadas para os espaços populares, na última década, a remoção, certamente, não terá lugar agora.
Se não há condições de morar, que se faça o melhor pelas famílias. Reassentar os moradores que vivem em uma situação que coloca em risco suas vidas significa mais do que retira-los de suas casas. Primeiro, deve ter por premissa a Lei Orgânica do Município que no Capítulo V do Título VI condena a remoção de moradores, “salvo quando as condições físicas da área ocupada imponham risco de vida aos seus habitantes”. Para tanto, a Lei exige o laudo técnico do órgão responsável, a participação da comunidade interessada na definição das soluções e o assentamento em localidades próximas dos locais da moradia ou do trabalho. É preciso ainda que a sociedade civil, aliada ao poder público, se organize, de forma a garantir que os reassentamentos estejam voltados exclusivamente para garantir o direito à habitação de todos os cidadãos, precavendo-se de influências indesejáveis como a especulação imobiliária ou da política vulgar que se aproveita da tragédia para fazer campanha.
O prefeito anunciou que, de imediato, oito comunidades precisam ser deslocadas: Morro do Urubu, Morro dos Prazeres, Laboriaux (Rocinha), Fogueteiro, São João Batista, Cantinho do Céu e Pantanal (Turano) e Parque Columbia. No Urubu e nos Prazeres a derrubada das casas já começou. Cabe ao conjunto da sociedade acompanhar e fiscalizar. Mesmo cientes da necessidade dos reassentamentos não podemos deixar de estabelecer uma relação crítica ou fechar os olhos diante da crueldade que uma remoção envolve. Algumas questões não podem ser deixadas de lado. Para onde vão essas pessoas? Em que medida o aluguel social pode funcionar? Quais os critérios para escolha da área de reassentamento? Em uma cidade como a nossa, a identidade e sociabilidade construídas em territórios como os espaços populares servem para amortizar o impacto das desigualdades sociais. Romper com elas é elevar essas desigualdades ao infinito. Por isso, se é necessário derrubar casas, que o façamos de forma a preservar ao máximo as relações e subjetividades construídas para além das paredes.
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