Opinião - 16/06/2010 12:09
Favela e democracia
Por Joge Luiz Barbosa
O que é favela, afinal?
A representação das favelas tem sido historicamente pautada pelo paradigma da ausência. Nesta perspectiva, ela é sempre definida pelo que “não é” e pelo que “não tem”: um espaço destituído de infraestrutura urbana, globalmente miserável, sem ordem; sem lei; sem moral. A favela é a expressão do caos, o avesso da cidade.
Outro elemento recorrente da representação desses espaços é a homogeneização. Presentes em diferentes sítios geográficos - planícies, morros, às margens de rios e lagoas – e constituídas por diferentes formas de moradia, as favelas são a expressão de territórios marcados pela diversidade. A homogeneidade, porém, é a tônica quando se trata de identificá-las de modo genérico e apressado.
As definições centradas em aspectos da forma e da aparência das favelas assumiram certa importância para as lutas dos seus moradores e permitiram alcançar uma significativa ampliação no acesso regular a serviços públicos básicos. No entanto, atualmente elas se mostram limitantes e pouco têm a contribuir para avanços no campo dos direitos urbanos. Mas por que não definir a favela como um espaço precário, se muitas vezes elas realmente são? Primeiro, e mais importante, porque este entendimento gera estereótipos. O estigma da carência acaba também por definir seus moradores, que antes de cidadãos, são vistos como “os pobres”. É daí que emergem associações simplistas e equivocadas como a ideia de que pobreza gera violência.
A dimensão simbólica também é uma componente do mundo social. Assim, as políticas públicas e os investimentos privados, bem como as ações de organizações sociais, são orientadas pelas concepções negativas que a sociedade tem daqueles espaços. Não por acaso, muitas vezes, as ações nas favelas são, tal qual sua representação, marcadas pela precariedade, pela fragmentação e pelos estereótipos. Exemplo disso é que a maioria das iniciativas voltadas para as favelas é vista como forma de prevenção da violência, quando deveriam ser meios de garantir os direitos de exercício da cidadania.
Se há acordo acerca das limitações impostas pela definição usual de favela e mais do que isso, dos seus equívocos, o passo seguinte é buscarmos um novo conceito. A tentativa de recuperar a correspondência entre o fenômeno da favelização e sua representação é, portanto, uma necessidade, tanto para estabelecer novas referências no imaginário social, como para a formulação das políticas públicas de desenvolvimento urbano.
Nesse sentido, a questão central não é reconhecer a precariedade que caracteriza as favelas, mas contextualizá-la, reconhecendo que não é possível defini-las como um problema em si mesmo. É impossível compreender e mudar a cidade sem olhar para as favelas. Pensar o conceito de favela, portanto, é inaugurar a democracia republicana no século XXI.*
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