Este artigo foi publicado em CONVERSA NA MULEMBA da edição n.º 127 do Novo Jornal de 25 de Junho de 2010.
Fernando Pacheco*
Numa altura em que a descrença se vai instalando em muitos mais sectores da sociedade angolana do que muita gente pensa, gostaria de ter uma conversa mais positiva. Um artigo recente numa revista da praça afiançava que “a economia real começava a mexer” e jornais económicos divulgaram notícias e análises que eram mais optimistas que as do próprio Executivo.
Seria verdade?
Infelizmente, os acontecimentos que marcam a actualidade não permitem que partilhe desse optimismo, ainda que moderado. É verdade que nos últimos meses – tendo por referência a célebre conferência de imprensa do Executivo no mês de Abril – as coisas não pioraram, mas, como me dizia um interlocutor privilegiado do mundo da tal economia real, também não melhoraram.
Muitas promessas, poucas realizações.
O pagamento das dívidas do Estado às empresas – que atingiram a astronómica soma de 4,5 mil milhões de dólares – não teve ainda expressão.
Se o maior desafio das autoridades era a injecção de dinheiro na economia, como referia o artigo assinalado, a colocação de um montante equivalente a dois mil milhões de dólares no mercado no mês de Maio em obrigações do Tesouro não parece ter surtido (ainda) grande efeito.
Por mais esforços que analistas de boa vontade e governantes façam para espantar a crise, ela, contra a qual os mesmos e outros nos diziam estarmos imunes sem nunca ninguém ter percebido porquê, está aí para ficar. Porque, em minha opinião, a nossa crise não é conjuntural, mas profundamente estrutural.
Trata-se de uma crise de valores da sociedade, mas também de grande fragilidade institucional, sobretudo no que respeita a atitudes, procedimentos e métodos, de uma cultura que já se instalou. Não será com novas promessas de realizações baseadas no investimento em infra-estruturas – infelizmente sempre megalómanas – que a situação se vai alterar. Para não recuar mais no tempo, recordo apenas as promessas de 2008 e 2009 sobre mudanças de fundo que não se concretizam, ou ninguém lhes nota os efeitos, porque os problemas mais preocupantes continuam por aí. É evidente que falo principalmente da corrupção, porque é este mal que inquina toda a água que sai das torneiras. Sem punições contra os infractores que o próprio Presidente denunciou, o país não terá forças morais para quebrar o círculo vicioso em que estamos enredados. Por mais leis que se aprovem, elas não serão aplicadas, como tantas outras anteriores. E novas promessas não passarão de paliativos para os grandes problemas que vivemos.
Enquanto a vida dos cidadãos continua a ser afectada pelas falhas de energia e de água (que vergonha!), pela inépcia dos serviços públicos (eu estou a tratar de obter uma certidão numa conservatória desde 1995!), incluindo do Banco Nacional (um empresário estrangeiro que quer investir na prestação de serviços à agricultura não consegue uma licença de importação de capitais desde há mais de um mês!), pelo trânsito infernal de Luanda e pela falta de concretização de promessas tantas vezes repetidas para os problemas das áreas rurais, não compreendo que o Executivo e a comunicação social pública se preocupem com assuntos que não contribuem para a mudança rápida dos inúmeros problemas que afectam o cidadão comum. Quando as obras do Projecto Baía se arrastam, creio que por falta de dinheiro público, pois o privado tão prometido nunca alguém o viu, custa a acreditar que ao mesmo promotor do dito seja dada atenção – e talvez recursos, quem sabe – para a construção de um projecto absurdo próximo da Barra do Kuanza.
Não percebo como iremos construir um comboio subterrâneo para Luanda quando não conseguimos (desde 2002, note-se) que um normal chegue a Viana com regularidade, para já não falar ao Dondo ou a Malanje ou ao Luau.
Porquê a preocupação com os deserdados que vendem na rua, supostamente a ameaçar a autoridade do Estado, quando o PRESILD/Nosso Super tão propagandeado e com os quais o Estado gastou tanto dinheiro – incluindo na dita propaganda – está a arrastar-se em situação de pré-falência, e não só não vende a preços mais baratos, como também não contribui para a venda da produção nacional?
Gostaria de abordar o negócio da compra de jornais privados como mais um preocupante incumprimento da lei e da própria Constituição, mas por falta de espaço remeto para o artigo de Ismael Mateus no Semanário Angolense de 12/6, que tratou bem do essencial.
Termino dizendo apenas que a crise que estamos com ela só poderá ser vencida numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, se respeitarmos as instituições, se mudarmos radicalmente os métodos, se fizermos avaliações adequadas dos projectos que falharam, enfim, se houver gente capaz de, como Zumbi dos Palmares ou Geraldo Vandré, dizer não, e também houver gente, como escreveu Fernando Pessoa, com coragem para ouvir um “não”.
*Coordenador do OPSA
Seria verdade?
Infelizmente, os acontecimentos que marcam a actualidade não permitem que partilhe desse optimismo, ainda que moderado. É verdade que nos últimos meses – tendo por referência a célebre conferência de imprensa do Executivo no mês de Abril – as coisas não pioraram, mas, como me dizia um interlocutor privilegiado do mundo da tal economia real, também não melhoraram.
Muitas promessas, poucas realizações.
O pagamento das dívidas do Estado às empresas – que atingiram a astronómica soma de 4,5 mil milhões de dólares – não teve ainda expressão.
Se o maior desafio das autoridades era a injecção de dinheiro na economia, como referia o artigo assinalado, a colocação de um montante equivalente a dois mil milhões de dólares no mercado no mês de Maio em obrigações do Tesouro não parece ter surtido (ainda) grande efeito.
Por mais esforços que analistas de boa vontade e governantes façam para espantar a crise, ela, contra a qual os mesmos e outros nos diziam estarmos imunes sem nunca ninguém ter percebido porquê, está aí para ficar. Porque, em minha opinião, a nossa crise não é conjuntural, mas profundamente estrutural.
Trata-se de uma crise de valores da sociedade, mas também de grande fragilidade institucional, sobretudo no que respeita a atitudes, procedimentos e métodos, de uma cultura que já se instalou. Não será com novas promessas de realizações baseadas no investimento em infra-estruturas – infelizmente sempre megalómanas – que a situação se vai alterar. Para não recuar mais no tempo, recordo apenas as promessas de 2008 e 2009 sobre mudanças de fundo que não se concretizam, ou ninguém lhes nota os efeitos, porque os problemas mais preocupantes continuam por aí. É evidente que falo principalmente da corrupção, porque é este mal que inquina toda a água que sai das torneiras. Sem punições contra os infractores que o próprio Presidente denunciou, o país não terá forças morais para quebrar o círculo vicioso em que estamos enredados. Por mais leis que se aprovem, elas não serão aplicadas, como tantas outras anteriores. E novas promessas não passarão de paliativos para os grandes problemas que vivemos.
Enquanto a vida dos cidadãos continua a ser afectada pelas falhas de energia e de água (que vergonha!), pela inépcia dos serviços públicos (eu estou a tratar de obter uma certidão numa conservatória desde 1995!), incluindo do Banco Nacional (um empresário estrangeiro que quer investir na prestação de serviços à agricultura não consegue uma licença de importação de capitais desde há mais de um mês!), pelo trânsito infernal de Luanda e pela falta de concretização de promessas tantas vezes repetidas para os problemas das áreas rurais, não compreendo que o Executivo e a comunicação social pública se preocupem com assuntos que não contribuem para a mudança rápida dos inúmeros problemas que afectam o cidadão comum. Quando as obras do Projecto Baía se arrastam, creio que por falta de dinheiro público, pois o privado tão prometido nunca alguém o viu, custa a acreditar que ao mesmo promotor do dito seja dada atenção – e talvez recursos, quem sabe – para a construção de um projecto absurdo próximo da Barra do Kuanza.
Não percebo como iremos construir um comboio subterrâneo para Luanda quando não conseguimos (desde 2002, note-se) que um normal chegue a Viana com regularidade, para já não falar ao Dondo ou a Malanje ou ao Luau.
Porquê a preocupação com os deserdados que vendem na rua, supostamente a ameaçar a autoridade do Estado, quando o PRESILD/Nosso Super tão propagandeado e com os quais o Estado gastou tanto dinheiro – incluindo na dita propaganda – está a arrastar-se em situação de pré-falência, e não só não vende a preços mais baratos, como também não contribui para a venda da produção nacional?
Gostaria de abordar o negócio da compra de jornais privados como mais um preocupante incumprimento da lei e da própria Constituição, mas por falta de espaço remeto para o artigo de Ismael Mateus no Semanário Angolense de 12/6, que tratou bem do essencial.
Termino dizendo apenas que a crise que estamos com ela só poderá ser vencida numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, se respeitarmos as instituições, se mudarmos radicalmente os métodos, se fizermos avaliações adequadas dos projectos que falharam, enfim, se houver gente capaz de, como Zumbi dos Palmares ou Geraldo Vandré, dizer não, e também houver gente, como escreveu Fernando Pessoa, com coragem para ouvir um “não”.
*Coordenador do OPSA
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