Favela - 20/04/2010 15:43
Remoção não é solução
Por Marília Gonçalves e Vitor Castro
Dois mil e dez começou com o anúncio de que 119 favelas da cidade do Rio de Janeiro seriam removidas, possivelmente ainda no primeiro semestre. As chuvas que castigaram a cidade no início do mês de abril aceleraram o processo. No dia 8 de abril, o prefeito Eduardo Paes assinou decreto que autoriza o uso da força policial para realizar remoções quando as famílias se recusarem a sair das “áreas de risco”. O argumento é de que a necessidade de se preservar vidas se sobrepõe à vontade das pessoas.
Três dias depois, no dia 11, o prefeito anunciou que oito favelas teriam casas demolidas imediatamente: Morro do Urubu, na Zona Norte, São João Batista, em Botafogo, Cantinho do Céu e Pantanal, na Tijuca, Laboriaux, na Rocinha, Parque Colúmbia, em Acari, e Morro dos Prazeres e Fogueteiro, em Santa Teresa, no Centro. Estima-se que 3.600 famílias sejam retiradas de suas casas no Rio.
Nas 50 áreas afetadas pela chuva, muitas famílias estão desabrigadas, vivendo temporariamente em escolas ou igrejas próximas de suas antigas casas, levadas pelas águas de abril. Algumas delas estão sendo incluídas no programa Aluguel Social e receberão o valor mensal de R$ 400. No Morro do Urubu, muitas famílias removidas estão sendo realocadas em um conjunto habitacional em Realengo, há 19km de distância de Piedade, onde fica o morro. Segundo a presidente da Associação de Mulheres e Amigos do Urubu (AMAMU) e moradora da comunidade há 59 anos, Sônia Regina, a prefeitura está dando toda a assistência necessária aos moradores. Ainda assim não é fácil deixar o local de origem. Eli Filho, que está sendo removido do Morro do Urubu para Realengo, diz: “satisfeito a gente não fica, porque vive aqui há muito tempo, mas não tem problema, as casas de lá são boas”.
Acirramento da desigualdade
A política de remoções foi usada no passado com o objetivo estético de “limpar” os cartões postais da cidade. Hoje, ela é condenada inclusive na nossa lei orgânica. Historicamente, os removidos são reassentados em locais distantes do centro da cidade ou das favelas onde habitavam. Para o coordenador geral do Observatório de Favelas Jorge Barbosa, além das dificuldades óbvias que isso implica na vida dos removidos, como o aumento dos gastos com transporte, por exemplo, esse tipo de remoção muitas vezes aprofunda a desigualdade social. “As pessoas precisam ficar próximas do seu local de pertencimento. Nesses lugares distantes – não só do centro, mas de seus familiares e amigos – não se formam bairros”, afirma Barbosa. Apesar disso, desabrigados e, muitas vezes, sem perspectiva, os moradores tendem a aceitar as políticas públicas emergenciais. “Políticas públicas não se fazem apenas com emoção, mas de forma planejada e ordenada”, complementa.
Com o valor do Aluguel Social, por exemplo, os moradores do Morro dos Prazeres e Fogueteiro que quiserem morar em Santa Teresa terão que desembolsar entre R$ 500 e R$ 1.100. Um morador com aluguel social também não teria condições de se mudar para um apartamento de um quarto na Tijuca, na Zona Norte do Rio, onde o aluguel sai em média por R$ 500 mais o condomínio, que varia de R$ 300 a R$ 700 reais.
No caso dos moradores do São João Batista a situação é ainda pior. É difícil alugar até mesmo uma quitinete em Botafogo, bairro em que a favela está localizada. Lá, o aluguel sai em média por R$ 700 mensais, sem contar o condomínio. Com o dinheiro do benefício um morador removido teria condições de, talvez, alugar um apartamento na Favela Santa Marta, em Botafogo. Lá os alugueis variam de R$ 350 a R$ 550 mensais. Há algum tempo os moradores do São João Batista sofrem ameaças de remoção total da comunidade. Segundo laudo técnico (ao qual os moradores não tiveram acesso), toda a favela estaria em área de risco, apesar das fortes chuvas não terem causado nenhum estrago nas casas (muitas construídas pela própria prefeitura em governos passados). “As encostas daqui são todas de concreto, só um terremoto poderia derrubá-las. O que mobiliza a nossa remoção é a especulação imobiliária”, afirma Marcelo Claudio, que vive há 5 anos na favela. O morador também questiona o fato dos laudos serem produzidos por órgãos da própria prefeitura.
Para Barbosa é preciso ter cautela nas ações em momentos como esse, que retomam temas como remoção: “É preciso pensar a cidade como um todo, fazer uma reflexão política e social sobre a garantia de direitos, com destaque para o direito à moradia”. O coordenador do Observatório de Favelas ainda ressalta que as soluções devem ser pensadas com medidas de longo prazo. “As pessoas precisam de uma política de habitação de qualidade e não em situações provisórias. Um aluguel de R$ 400 reais não recupera o drama e as perdas humanas. Uma ação provisória de 12 meses ao invés de fortalecer a autonomia, faz com essa pessoa volte a depender de uma ação ocasional”, conclui.
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