14/06/2010

OPSA: REFLEXÃO SOBRE A EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO POLÍTICA, ECONÓMICA E SOCIAL EM ANGOLA DE ABRIL DE 2009 A MARÇO DE 2010

O Observatório Político e Social de Angola (OPSA), encorajado pelas reacções manifestadas por vários sectores da sociedade e da política angolanas em relação a tomadas de posição anteriores, partilha novamente com o público as suas reflexões sobre a evolução político- social do país com base em alguns temas que considera pertinentes no actual contexto.

O período em análise é o ocorrido entre Abril de 2009 (data da última análise publicada) e Março de 2010. Os temas seleccionados, limitados pelo espaço que exige uma análise suficientemente profunda, para esta reflexão são (i) o processo político, com destaque para a elaboração e aprovação da Constituição e algumas consequências imediatas; (ii) a evolução económica e social no quadro da crise económica e financeira internacional e (iii) a evolução da sociedade civil.
Sobre o processo político e a Constituição
O ano de 2009 foi politicamente marcado pelo debate sobre a Constituição que viria a ser formalmente em Fevereiro de 2010. O OPSA entende, serenados os ânimos que se agitaram durante um certo período, e tendo em conta o seu papel na sociedade angolana, que vale a pena reflectir sobre o que se passou e tirar lições para o futuro. Nestes termos, esta reflexão separa o processo da sua elaboração e aprovação (1), do conteúdo do documento final (2) e das consequências imediatas sobre a sociedade e a governação (3).

O processo
A Comissão Constituinte da Assembleia Nacional aprovou e divulgou um calendário para discussão e aprovação da Constituição que previa a conclusão do processo no 2º trimestre de 2010. O calendário foi alterado, colhendo de surpresa os cidadãos em geral, vários partidos da oposição e a comunicação social. A discussão pública que deveria ter lugar entre 5 de Janeiro e 20 de Fevereiro de 2010, como constava do site oficial da Comissão, foi antecipada para o mês de Dezembro de 2009, fazendo com que grande parte das organizações da sociedade civil (OSC), sobretudo as mais activas do ponto de vista cívico, se visse limitada na apresentação das suas propostas e da participação no debate. Os periódicos do último fim-de-semana de Dezembro de 2009 e do primeiro de Janeiro de 2010 ainda noticiavam que a aprovação da Constituição só teria lugar no prazo de três meses.

Embora a Comissão refira que a alteração de calendário foi decidida por consenso e divulgada publicamente, este foi um dos aspectos que levou várias organizações e analistas a questionarem o tipo de consenso obtido. Na realidade, um consenso de qualidade significa cedências mútuas entre os defensores de opiniões divergentes. Em devido tempo, o OPSA apelou para que fossem divulgados pela Comissão Constitucional os princípios em que se iria basear a elaboração do novo anteprojecto, assim como aqueles em que se havia baseado o anteprojecto que estava em discussão em 2004, e divulgasse, enquanto documento de trabalho, o anteprojecto produzido pela comissão homóloga da legislatura anterior, para uma apreciação completa e ponderada por parte dos cidadãos. Apesar do erro – pelo menos assim o consideram muitos analistas independentes – dos partidos da oposição ao abandonarem os trabalhos da Comissão Constitucional em 2004, teria sido correcto que parte dos entendimentos então conseguidos, após difíceis negociações, tivesse sido preservada, como sinal de abertura política e de reconciliação da sociedade angolana no espírito de Lusaka e do Luena. Este foi, aliás, o sentido de algumas declarações de dirigentes do MPLA logo após a divulgação dos resultados das eleições de 2008, reafirmado pelo Presidente da República no final de Dezembro de 2009. Por exemplo, dado que o MPLA encarou a partir de certa altura o sistema presidencialista parlamentar como uma questão crucial – o que subalternizou o debate sobre outros temas igualmente importantes –, talvez viesse a ser um bom exemplo de magnanimidade a manutenção do consenso alcançado em 2004 sobre os símbolos nacionais ou um outro suficientemente relevante para ser considerado moeda de troca.

A antecipação da data escolhida para aprovação da Constituição pela Assembleia Nacional, agravada pelo facto de coincidir com uma altura em que o país estava mobilizado para o CAN, forneceu argumentos aos críticos do processo para ajuizarem sobre um eventual desejo de limitar uma participação profunda e um amadurecimento da opinião pública em relação aos temas em discussão.

Recorde-se que algumas OSC haviam solicitado, ainda em 2009, a ampliação do período de consulta e de debate, não apenas para permitir uma discussão mais rica e mais profunda, mas também para se evitar a sobreposição do período crucial da discussão com o da realização do CAN. As dificuldades com que se depara o novo Executivo para apreciar e implementar a nova legislação e estabelecer novos procedimentos e regras de governação como, por exemplo, a execução do Orçamento Geral do Estado e o tratamento adequado, em termos institucionais, da “Tolerância Zero” (apenas referida pelo Presidente da República em discursos e não tratada ainda em documentos oficiais), tendo como consequência uma certa letargia das instituições, pode ser um indicador de que o processo pecou por não ter suficientemente amadurecido, e de que, com melhor preparação, poderia ter sido mais eficaz e eficiente.

O conteúdo
O OPSA orgulha-se das conquistas da Constituição, muitas delas já previstas no ante projecto de 2004 que lhe serviu, em grande parte, de base de trabalho, especialmente na parte relativa aos princípios gerais, e aos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Em particular, o OPSA chama a atenção para aspectos positivos como: (a) a ampliação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, como, por exemplo, o habeas data (que permite acesso individual à informação sobre si em registos informáticos e proíbe o registo de dados relativos às convicções políticas, religiosas e outras e à vida privada, com fins discriminatórios), a acção popular (que confere o direito à acção judicial que vise anular actos lesivos de determinados interesses públicos) e ainda uma formulação mais clara do direito de manifestação sem aprovação prévia de qualquer autoridade administrativa; (b) o equilíbrio entre direitos cívicos e políticos, por um lado, e os direitos económicos, sociais e culturais, por outro, ainda que estes últimos estejam condicionados, o que permite pensar que, mais do que um conjunto de direitos, eles devam ser encarados como “promessas” por parte do Estado aos cidadãos; (c) a redução de alguns dos poderes do Presidente da República, como o de dissolução da Assembleia Nacional e outros poderes especiais extraordinários previstos no artigo 67º da Lei Constitucional que condicionavam o funcionamento de um Estado democrático; (d) o reconhecimento do direito costumeiro e das instituições do poder tradicional; (e) a participação da sociedade civil e das instituições do poder tradicional no poder local autárquico, que poderá não apenas ter como base o município, mas ser supranacional quando se justificar; (f) a manutenção da propriedade originária do Estado sobre a terra, que apesar de contestada por algumas correntes oposicionistas e da sociedade civil, parece ao OPSA favorável aos agricultores familiares pobres integrantes de comunidades rurais, cabendo ao Estado a defesa dos interesses destes; (g) a introdução da disposição de celeridade no artigo 72º (“A todo o cidadão é reconhecido o direito a julgamento justo, célere e conforme a lei”), o que revela uma maior preocupação com o funcionamento da justiça, pois o anteprojecto de 2004 limitava-se a “um julgamento justo e conforme a lei” (a independência dos tribunais e a falta de celeridade – questões cruciais das críticas ao nosso sistema de justiça - poderão, eventualmente, equivaler a uma violação de um direito fundamental à justiça); (h) o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa (possibilidade de os cidadãos as apresentarem, inclusive ao Presidente da República).

Porém, o OPSA não pode deixar de assinalar alguns aspectos que muitos analistas consideram recuos democráticos em relação à anterior Lei Constitucional: (a) o alargamento considerável dos poderes do Presidente da República, que não só lhe dão, individualmente, um protagonismo excessivo na governação em desfavor dos órgãos colegiais, como também retira responsabilidades a outros órgãos, como o Conselho de Ministros, o que, no limite, lesa os princípios da participação alargada nos processos de tomada de decisão e da desconcentração e da descentralização, considerados por largos segmentos da sociedade civil como dos mais importantes avanços do processo de construção da democracia em Angola; (b) as limitações do princípio da separação de poderes decorrentes, por exemplo, do facto de a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional, do Tribunal Supremo, do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Militar serem directa ou indirectamente escolhidos pelo Presidente da República, o que coloca em risco a independência do poder judicial; (c) a manutenção dos símbolos nacionais anteriores que, como se fez notar antes, pode não traduzir o consenso que estes deveriam merecer, pelos seus efeitos na unidade nacional. Reace-se que em tais símbolos deverão rever-se o maior número possível de angolanos.

Algumas consequências
Muitas têm sido as opiniões emitidas por especialistas de direito sobre a correcção ou não das opções expressas na Constituição. O OPSA entende que, uma vez aprovada, a Constituição deve ser conhecida e respeitada por todas as instituições do Estado e por todos os cidadãos, aos quais obriga, independentemente do seu papel na sociedade, a exercer a sua cidadania reclamando ou denunciando junto dos tribunais as violações de que se sintam vítimas ou tenham conhecimento. Para se tornar eficaz, pois, a Constituição tem de estar presente em todas as manifestações da vida nacional, seja através de legislação ordinária e de normas jurídicas complementares, seja nos actos administrativos de pessoas singulares e colectivas, seja ainda nos actos dos próprios cidadãos. Isto, contudo, não significa a omissão da reflexão sobre a Constituição, mormente, na sua análise de eventuais consequências para o desenvolvimento espiritual dos angolanos e avanços democráticos, permitindo revisões que se venham a julgar necessárias.

Por desconhecimento ou por razões de cultura política, ou ainda porque as normas jurídicas nem sempre têm em conta a realidade sócio-cultural do país, a falta de respeito pela lei é demasiado frequente em Angola. No passado, isto tanto aconteceu com a Lei Constitucional como com vária legislação ordinária. O OPSA espera que com a nova Constituição se procurará uma ruptura com o passado e se proceda a uma espécie de refundação do Estado, com novas abordagens da democracia e do direito. Contudo, tal só será possível com novas atitudes e comportamentos por parte por parte de quem exerce o poder político e com práticas cidadãs que conformem uma nova cidadania.

A recente violação do artigo 47º da Constituição por parte de um governador provincial e as demolições de residências consideradas ilegais em algumas cidades e as reacções que deram lugar merecem uma certa análise.

No primeiro caso, uma organização da sociedade civil denunciou o facto e apresentou queixa judicial, como lhe competia, sem que nenhum órgão do Estado se tenha pronunciado sobre o assunto, e sem que a comunicação social pública tivesse noticiado o facto. No segundo, as decisões administrativas de demolição, forçando a que crianças e mulheres ficassem expostas às intempéries em condições desumanas, têm, por um lado, merecido das instituições públicas e da comunicação social pública o maior aplauso, com os principais argumentos de que se trata da preservação de vidas humanas e bens (o que é contradito pelas péssimas condições de vida nos locais para onde as pessoas são transferidas) e da defesa da lei, mas também reprovações do procedimento.

O OPSA não pode deixar de expressar alguma preocupação relativamente aos poderes atribuídos ao Presidente da República, embora reconhecendo que se passou a dar base legal e uma situação que existia já de facto. Se o argumento de que isso confere estabilidade política nesta fase de transição parece ser suficientemente válido para uns, não é despiciendo o argumento contrário que tais poderes representam desafios e riscos elevados, na medida em que o Presidente estará mais pressionado e mais exposto a possíveis desempenhos menos conseguidos das instituições públicas. Lideranças fortes são frequentemente desejadas e desejáveis em situações como a nossa, mas elas exigem igualmente instituições suficientemente fortes para a implementação das políticas e das estratégias, algo em que somos ainda bastante deficitários. A estabilidade não pode, pois, ser entendida como uma via de sentido único.
Sobre a evolução da economia e seus efeitos na sociedade
O desempenho da economia
Contrariando um certo optimismo de alguns economistas e gestores, os efeitos da crise económica e financeira internacional sobre a economia angolana foram bastante severos. Em 2009 foi interrompida a dinâmica de crescimento do PIB a dois dígitos (23,3% em 2007 e 14 % em 2008). Como, infelizmente, se mantêm as fragilidades institucionais e o défice de entendimento sobre a importância da divulgação de dados estatísticos, são muito díspares as informações sobre o real valor do crescimento do PIB em 2009. Oficialmente, a taxa de crescimento foi de 2,7%, mas outras fontes sugerem que terá sido apenas de 1,9% e outras, mais radicais na avaliação, como o Fundo Monetário Internacional, e primeira versão do OGE para 2010, apontam para um retrocesso de 0,4%.

Este decréscimo explica-se principalmente pela baixa do preço do petróleo (de um valor médio de 91,35 dólares por barril em 2008, para 62,00 em 2009), que motivou a queda de 51% na receita de vendas da Sonangol (de mais de 26 para cerca de 13 mil milhões de dólares), e pela diminuição acentuada da produção de diamantes como resultado da redução da procura a nível mundial.

Porém, é possível que existam outras razões. Angola dispendeu quase 1,5 mil milhões de dólares na aquisição de participações em empresas portuguesas (investimento considerado em parte “salvador” da crise no sector bancário daquele país) e brasileiras, nos últimos meses, valor esse que terá afectado o investimento interno na agricultura, no comércio rural e, sobretudo, na construção, cujo ritmo de crescimento só não foi mais afectado por causa do CAN, com consequências graves no emprego.

Dinheiros públicos em montante não conhecido, mas que se supõe ter sido elevado, foram gastos com os pólos industriais de forma pouco avisada, pois o que se esperaria era a criação de infra-estruturas pelo Estado, que permitissem os empresários interessados desenvolver os seus investimentos, e não a construção de fábricas a custos elevadíssimos que agora afugentam possíveis interessados.

Além disso, os gastos com incentivos para os agricultores familiares em 2008 (mais de 30 milhões de dólares) foram mal direccionados e utilizados e tiveram reduzido ou nulo impacto na produção. Finalmente, os exorbitantes gastos com o CAN e com outros projectos cuja prioridade é posta em causa por vários sectores da sociedade, como por exemplo, os da Baía e da Ilha de Luanda, conjugados com os anteriormente assinalados, acabaram por ter consequências negativas na economia e nas condições de vida das populações.

Os agregados económicos registaram outros retrocessos que se passam a referir. A moeda nacional registou em 2009 uma depreciação de quase 20 % no mercado interbancário e 28% no mercado informal de Luanda, enquanto a taxa de inflação em kwanzas voltou a subir (14%) e as reservas internacionais, que tinham chegado próximo dos 20 mil milhões de dólares no último trimestre de 2008, retrocederam para 11 mil milhões em fins de 2009.

O défice institucional e as dificuldades no tratamento de dados estatísticos já assinalados afectam igualmente o conhecimento da situação real da economia do país e do desempenho sectorial da economia, e levantam problemas em relação à transparência, capacidade de gestão e prestação de contas. A produção agrícola em 2009 registou um crescimento da ordem dos 29%, o que pode fazer pensar num elevado desempenho, mas que, na realidade, representa pouco, uma vez que o ponto de partida é muito baixo. Por exemplo, a produção de cereais, cuja meta prevista para 2012 é de 15 milhões de toneladas, situou-se em 2009 apenas nas mil toneladas, embora represente mais 32% do que em 2007. São ainda as dificuldades estatísticas que levantam problemas de transparência e fazem com que se considere que o sector agrícola tenha criado quase 150 mil empregos em 2009, quando essa cifra não passou de uma intenção plasmada em projectos de investimento apresentados à ANIP mas não concretizados. Na verdade, num ano em que se registou um acentuado decréscimo do investimento público e privado, é difícil entender que o emprego pudesse registar um crescimento de tal ordem, a não ser que as taxas de produtividade, já demasiado baixas, tivessem baixado ainda mais. O OPSA recomenda, pois, ao Executivo, que se oriente uma análise mais cuidada sobre o assunto e se pronuncie de forma clara sobre a situação.

A queda do preço do petróleo motivou o Governo a tomar medidas para diversificar a economia. Esta é uma decisão de elevado alcance estratégico, na medida em que a agricultura – a par da melhoria das infra-estruturas rodoviárias e da rede de transportes – gera um efeito sistémico sobre o resto da economia e sobre o combate à pobreza. A diversificação é importante ainda para o aumento da equidade no acesso a oportunidades económicas.

Uma das medidas nesse sentido foi a aprovação de um fundo de garantia para créditos à agricultura, sendo uma parte dirigida ao investimento em infra-estruturas e equipamentos no valor de 200 milhões de dólares e outra para o financiamento de operações correntes (crédito de campanha), no montante equivalente a 150 milhões de dólares. Decorrido mais de um ano sobre a data de aprovação de tal medida, ela ainda não começou a ser implementada, afectando principalmente os agricultores familiares, que continuam sem os incentivos adequados para aumentarem a produção destinada ao mercado. Do mesmo modo, o Programa de Comércio Rural, fundamental para o aumento da produção agrícola familiar e para o combate à pobreza nas áreas rurais, aprovado pelo Conselho de Ministros no primeiro semestre de 2009, ainda não começou a ser implementado. O investimento privado no sector agrícola representou apenas 2% do total do investimento privado negociado com a ANIP, que reconhece enormes dificuldades na motivação dos investidores para canalizarem os seus interesses para a agricultura. Tudo isto justificaria uma profunda reflexão sobre a actual política agrícola e das estratégias para a sua implementação. Na sua ausência, não é de estranhar que o crescimento do sector em 2010 esteja estimado em apenas 10,7 %, o que compromete de modo incisivo o alcance das metas aprovadas para 2012.

Efeitos sobre a pobreza
Na sua reflexão divulgada em Março de 2009, o OPSA enfatizou que a melhoria das condições para a circulação de pessoas e mercadorias deveria ter tido reflexos positivos na vida das populações rurais. Todavia, esta medida não foi complementada com acções para se maximizarem os efeitos sobre a melhoria dos processos tecnológicos, da matriz energética utilizada, do transporte, da ligação ao mercado, e, sobretudo dos conhecimentos e capacidade organizativa dos agricultores, de modo a permitir ganhos de produtividade e aumentos nos rendimentos das famílias. O OPSA acredita, com base em evidências que se podem encontrar em todo o mundo, que só uma aposta séria na melhoria do acesso aos serviços poderá permitir aos pobres melhorar os seus meios de vida.

Os projectos de desenvolvimento rural implementados ou anunciados não estão a merecer a necessária priorização, quer do ponto de vista do orçamento (ficou muito aquém dos 10 milhões de dólares o montante que se estima ter sido gasto directamente em programas rurais para além da água, saúde e educação), quer da própria atenção conferida pelo Governo às questões da pobreza e da vida rural, comparativamente a outras.

Alguns estudos realizados por investigadores idóneos mostram que grande parte das populações rurais continua a viver em situação muito precária. Um desses estudos revela que um agricultor no Huambo ganha mais trabalhando durante três meses na estação seca em Luanda como estivador nos mercados informais, do que cultivando milho e outras culturas no resto do ano. Um
efeito imediato deste estado de coisas poderá ser o aumento do êxodo rural. O OPSA entende que, se houver pouco cuidado no estabelecimento de prioridades, como na construção de casas sociais, caindo-se na tentação de, como é frequente, favorecer as cidades, principalmente a de Luanda, poderemos estar a construir uma autoestrada por onde o êxodo rural tenderá a afluir cada vez mais.

O que se diz atrás justifica a revelação do Presidente da República em 2009 de que cerca de 60% dos angolanos são pobres e contraria outras perspectivas mais optimistas, mas pouco assentes em factos. Os efeitos do crescimento económico do país deveriam ser mas evidentes na vida dos pobres. Mas desde 2008 a situação está a agravar-se. Para além do assinalado, os trabalhadores da função pública viram o seu poder de compra diminuído porque não tiveram qualquer aumento de salários durante o ano, enquanto a inflação se aproximou dos 14%. Para 2010 está prevista uma inflação de 13%, mas os salários da função pública só terão um aumento de 5,4%, o que pode alimentar ainda mais o clima de insatisfação social que já se verifica. O OPSA recomenda vivamente que esta situação seja encarada pelo Executivo e pelos sindicatos com a devida prudência.

A sociedade civil e a participação cidadã
Como o OPSA tem vindo a assinalar, o protagonismo da sociedade civil angolana tem vindo a conhecer avanços e recuos. Em 2009, a realização da III Conferência Nacional da Sociedade Civil, precedida por conferências em praticamente todas as províncias e em muitos municípios, constituiu mais um marco para se melhorar a coordenação entre organizações e a agregação de interesses e ideias que permitam cultivar a força e a legitimidade para influenciar políticas públicas. Por outro lado, várias foram as iniciativas por parte de organizações para fazerem ouvir a sua voz junto de instituições do Estado, sobretudo daquelas que estão ligadas ao poder legislativo e executivo para apresentarem as suas opiniões e sugestões sobre temas vários de interesse para a sociedade (combate à pobreza, aumento de verbas no OGE para os sectores sociais, descentralização, etc.) ou para criticarem políticas ou estratégias do poder executivo (confiscos de terras e demolições nas zonas peri-urbanas, violações de direitos humanos, etc.). A contribuição da sociedade civil para a Constituição, por razões já explicadas mas também por uma ainda limitada capacidade para mobilizar a sociedade na discussão de processos legislativos, não foi a melhor. Com mais tempo, mais e melhor ela teria contribuído.

Todavia, o protagonismo da sociedade civil continua a ser um fenómeno mediatizado apenas a nível urbano. São notáveis algumas excepções ligadas ao processo de descentralização que está a proporcionar o surgimento de novos espaços de interacção a nível local, principalmente dos municípios, e uma nova dinâmica associativa e cooperativa para a solução dos problemas que mais afectam as populações rurais, em que se destaca a constituição de redes geográficas. Contudo, algumas insuficiências ainda se fazem sentir. Desde logo, as dificuldades de fazer sentir melhor a presença e influência da sociedade civil através de representantes legítimos nos Conselhos de Auscultação e Concertação Social a todos os níveis. A ligação entre os movimentos
urbanos e os rurais é muito pobre e não permite, por exemplo, uma monitoria dos impactos das políticas públicas junto dos cidadãos mais desfavorecidos.

O OPSA reitera, uma vez mais, que as vias que se colocam para o desenvolvimento, sejam elas quais forem, devem estar ancoradas em três aspectos fundamentais:
· A concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos;
· A constituição de novas relações sociais e do tecido social e institucional;
· O aumento da participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão.

Luanda, Maio de 2010

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